sábado, 7 de fevereiro de 2015

O trucidamento do cangaceiro Jararaca em Mossoró

José Leite de Santana era pernambucano de Buíque, nascido no ano de 1901. Antes de entrar para o cangaço servia ao Exército Brasileiro, em Sergipe, quando desertou em razão de ter participado de insurreição militar contra o comando do quartel no qual servia na capital sergipana.


No cangaço, devido sua fúria irascível, ganhou o apelido de Jararaca, mas não era tão perverso como os irmãos Ferreira, pois quando da marcha de lampião intuindo atacar Mossoró, protagonizou ato benevolente na localidade de Cantinho do Feijão, hoje município de Santa Helena (PB).



Ezequiel Ferreira, irmão mais novo de Virgulino Ferreira da Silva, destacava-se pela pontaria impecável, razão pela qual ganhou o apelido de Ponto-Fino. Foi ele quem matou Raimundo Luiz, subdelegado e fundador da localidade. Depois do assassinato, Lampião arrastou punhal de setenta e cinco centímetros de lâmina para rasgar o ventre da viúva do desditado homem da lei. Queria saber como era a cara do filho de um “macaco” saído das entranhas. Jararaca intercedeu e evitou mais uma barbaridade que seria cometida naturalmente pelo “rei do cangaço”.



No combate em Mossoró, as colunas comandadas por Sabino Gório e Jararaca tentavam tomar de assalto a residência do prefeito Rodolfo Fernandes, hoje sede da chefia executiva do município, conhecido como Palácio da Resistência.



O valente prefeito havia mandado empiquetar os principais pontos de defesa com fardos de algodão, inclusive sua residência se encontrava totalmente rodeada com o principal produto exportado por Mossoró naquela época, vindo de diversos lugares do nordeste semiárido.



Cangaceiro apelidado de Colchete conseguiu gasolina e encheu uma garrafa, fazendo um coquetel molotov para ser arremessado nos fardos de algodão em volta do Palácio de Rodolfo Fernandes. Na parte superior da residência do prefeito postava-se exímio atirador, de nome Manuel Duarte, que logo notou a intenção do famoso bandido do vale do Pajeú.



O bravo defensor mossoroense esperou momento oportuno, quando Colchete ficou com a cabeça visível o suficiente para que o winchester calibre 44 do homem postado em cima da residência do prefeito detonasse projétil certeiro que esfacelou o crânio do cangaceiro de Lampião. Colchete estertorava devido o estrago causado pela bala da arma de Manuel Duarte, quando outro indômito integrante da trincheira do prefeito pulou a janela de punhal em riste para terminar o serviço, sangrando-o impiedosamente. Imediatamente esse homem que não sabia o significado da palavra medo voltou ao seu posto para continuar o combate.



Jararaca sabia, como todos os cangaceiros, que o código dos bandidos permitia que um companheiro quando era morto àquele que estivesse mais próximo tinha o “direito” de desarvorá-lo, ou seja, retirar armas, munição e tudo de valor que o defunto carregasse. Corajosamente, Jararaca se expôs até demais, intuindo ficar com os pertences de Colchete. O mesmo Manuel Duarte que estourou a cabeça do cangaceiro que buscava transformar em churrasco os defensores da trincheira do prefeito escalou novamente seu winchester calibre 44 e pipocou Jararaca pelas costas. O cangaceiro caiu em forma de cruz sobre o companheiro morto. Passaram-se uns dez minutos para que Jararaca recobrasse a consciência devido ao impacto da bala calibre 44 detonado por Manuel Duarte. Este notou que o intrépido bandoleiro havia se mexido, fazendo menção de correr. Novo tiro deflagrado por Manuel Duarte varou a coxa de Jararaca, tornando sua situação periclitante
ao máximo, ao extremo dos extremos.



Jararaca conseguiu se arrastar por que Manuel Duarte se deparou com outro cangaceiro atrevido. Dessa vez era Sabino Gório. O tiro deflagrado, o qual buscava a cabeça do homem de confiança de Marcolino Pereira Diniz, arrancou o chapéu do cangaceiro, dando chance a Jararaca para sair da linha de tiro e proteger-se. O cangaceiro clamou por ajuda, chamando Sabino e Massilon, os quais não lhe deram ouvidos, pois a meta naquele instante era salvar a própria pele. O tiroteio no centro de Mossoró deixou os cangaceiros absolutamente desnorteados, tanto é que na fuga um “cabra” da confiança de Isaías Arruda, conhecido por Bronzeado, foi sair para as bandas do caminho de Upanema (RN), a leste, enquanto o bando tomava a direção de Limoeiro do
Norte (CE), a oeste.



Jararaca se arrastou penosamente até chegar aos trilhos da estrada de ferro, sendo preso no dia 14 de junho de 1927. Nesse ínterim, chegava em Mossoró uma volante paraibana, enviada pelo governador João Suassuna. Essa coluna militar era comandada pelo Sargento Clementino Quelé, o famoso “tamanduá vermelho”. O governador norte- riograndense depois presenteou João Suassuna com o punhal de Jararaca, como prova de gratidão pela atitude de enviar socorro à cidade que foi ameaçada pelos bandidos comandados por Lampião. Mais tarde, Lampião e seus sequazes viriam o tamanho da besteira que tinham feito, pois uma coisa eles não sabiam que era a forma como os Lamartine de Faria levavam avante suas vinganças. 


A audácia dos cangaceiros em tentar atacar Mossoró não ia ficar por isso mesmo. Certa vez Vingt-un Rosado me disse que havia indagado a Juvenal Lamartine sobre o motivo por que tinha mandado matar todos os cangaceiros que haviam sido aprisionados e enviados para responder processo no Rio Grande do Norte. A resposta de Lamartine, segundo Vingt-un, foi curta e grossa: “Mandei matar, mandava de novo e só tenho pena dos que não pude mandar fechar para deixarem de serem cabras safados”. Essa resposta revelou como era o homem que foi responsável também pela morte do cangaceiro Francisco Pereira Dantas, talvez, tudo indica, devido sedução de uma sobrinha de Juvenal Lamartine em Serra Negra, a qual contava quando do defloramento a tenra idade de doze anos.


Na cadeia de Mossoró, Jararaca era assistido por um médico enviado pelo humano prefeito Rodolfo Fernandes, quando chegou um soldado da volante de Quelé exigindo anel de brilhante que o cangaceiro ostentava em um dos dedos. Como o valioso produto de roubo não saia do dedo do bandoleiro, o militar mandou-lhe colocar o membro na cadeira que iria arrancá-lo de punhal, o que não aconteceu graças aos protestos do médico. Na verdade eram feras combatendo feras, não havia distinção em quase nada entre cangaceiros e soldados volantes, tudo era da mesma laia.



Sem papas na língua, Jararaca destilava ódio contra a polícia, fazendo denúncias gravíssimas contra oficiais que segundo ele eram corrompidos pelos cangaceiros. Soltou o verbo contra Teóphanes Ferraz Torres, captor de Antônio Silvino e responsável pela diligência que resultou em sério ferimento no tornozelo de Lampião, no ano de 1924. Jararaca tornou-se atração em Mossoró. Perguntas eram feitas, a exemplo do número de riscos em sua arma, ou seja, se era o total de mortes que ele tinha nas costas. Inúmeras



histórias surgiam a cada instante, como a que havia jogado criancinha para cima e aparando-a no punhal. Tudo era desmentido pelo cangaceiro que a cada momento se enrolava ainda mais.
Lauro da Escóssia, famoso jornalista mossoroense, conseguiu proeza impressionante, pois entrevistou demoradamente o cangaceiro, publicando a matéria no jornal “O Mossoroense”.



Nisso, tudo já tinha sido acertado em Natal, pois Juvenal Lamartine de Faria, natural de Serra Negra do Norte (RN), acostumado a conviver com a vida e com a morte nos sertões violentos daquela época, ordenou que a transferência de Jararaca fosse realizada para a capital potiguar.



Avisaram ao bandido que ele seria levado para Natal, quando este reclamou que havia esquecido as alpercatas na cela. O oficial responsável pela condução do preso disse- lhe que não se preocupasse, pois assim que chegassem à capital lhe compraria belo sapato de verniz.



Jararaca entrou inocentemente no veículo dirigido por Homero Couto, sendo acompanhado por diversos militares responsáveis pela sua transferência de Mossoró para Natal.



Tudo acertado, o motorista reclamou de pane no motor, justamente em frente ao cemitério São Sebastião. Jararaca relutou em sair do automóvel, quando um soldado puxou violentamente pela perna baleada. O cangaceiro valeu-se de Nossa Senhora, mas não houve jeito, pois assim que o desditado bandido caiu no solo foi alvejado por verdadeiro festival de coronhadas das armas dos soldados.



A cova de Jararaca já estava aberta, fora do campo sagrado. Quando foram colocá-lo no buraco, notaram que as pernas eram grandes demais, não cabiam na sepultura. Ele ainda estava vivo, mas mesmo assim quebraram-nas a golpes de picareta e o enterraram ainda estertorando, ao lado de Colchete.



Hoje o túmulo de Jararaca é o mais visitado quando do dia de finados em Mossoró. Pessoas vindas de vários lugares vão pagar promessa, pois a crendice popular transformou José Leite de Santana em Santo, talvez em razão do martírio abominável do qual foi vítima, em vista que, não obstante ter sido um criminoso bárbaro, o dever da justiça é garantir sua segurança e fazer com que pague na forma da lei pelos crimes que cometeu.


In: C268n Cardoso, José Romero de Araújo. Notas para a História do Nordeste / José Romero de Araújo Cardoso. João Pessoa: Ideia, 2015. 119p. ISBN 978-85-7539-961-3
1. História – Nordeste - Brasil CDU 625. P. 65-68

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