sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Humildade

A humildade é uma das virtudes mais difíceis na vida. Principalmente porque está fora de moda, confundida com baixa autoestima. Somos ensinados a buscar o orgulho como autoafirmação. Nada mais distante de uma personalidade razoavelmente madura do que o orgulho.

A humildade é uma das virtudes bíblicas. O filósofo judeu Martin Buber, quando elenca em seu maravilhoso "Hasidism and Modern Man" (Prometheus Books), de 1988, as quatro principais virtudes do místico hassídico, coloca a humildade como a máxima entre elas.

O hassidismo é uma escola judaica típica do leste europeu dos séculos 18 e 19, e o termo vem da palavra hebraica "hesed", que pode ser traduzida por "piedade".

As quatro virtudes são: êxtase na contemplação ("hitlahavut"), trabalho ("avodá"), a intenção reta do coração ("kavaná") e a humildade ("shiflut"). Segundo ele, alguém que tem intimidade com D'us (no judaísmo, não se escreve o nome de Deus completo) tem gosto pelo trabalho, seja ele qual for, porque sente que ser parte do mundo é colaborar com ele.

O êxtase é o que acontece com quem vê D'us e sua piedade com frequência. O ato de contemplar D'us -a palavra "hitlahavut", em hebraico, remete ao fogo- "incendeia a alma". A intimidade com Deus leva o místico a não conseguir mentir aquilo que sente e pensa, ele diz. Daí a ideia de um coração reto.

Por fim, a humildade. As três anteriores convergem para o que Buber se refere como a consciência de que D'us carrega o mundo na palma da Sua mão, imagem comum na Bíblia hebraica (o Velho Testamento dos cristãos).

É comum personagens como Davi e Abraão usarem essa imagem ou similares para descrever a relação entre D'us e o mundo. A humildade é marca suprema da alma que se conhece sem mentir para si mesma.

A humildade também pode ser vista como grande virtude e desafio para pessoas distantes de qualquer sensibilidade religiosa, mas que têm grande sucesso na vida.

Se você é alguém que não teve sucesso na vida, dizer que é humilde é mais falta de opção do que qualquer virtude de fato. Por isso, a humildade sempre foi cobrada de grandes guerreiros e mulheres lindas.

O sucesso, seja ele físico, financeiro, intelectual ou "imaterial", sempre foi um desafio: o risco do sucesso é deformar a alma. Sobre isso, basta ver o horror que é o mundo intelectual e seu profundo desprezo (ao contrário do que querem transparecer) pelo "povo".

A chamada "segurança de si" vai melhor com a humildade do que com o self-marketing. Qualquer pessoa sabe que não se pode falar das próprias virtudes, porque o autoelogio é signo de desespero.

A humildade é o manto com o qual a alma virtuosa se cobre e esconde sua face. E isso nada tem a ver com tristeza ou falta de percepção do sucesso. A felicidade, quando verdadeira, é sempre uma forma de generosidade.

Assim como D'us esconde a sua face, segundo o hassidismo, para nos "proteger" de sua grandeza, o virtuoso esconde seu rosto "em chamas", seja ele incendiado por D'us, seja pelo sucesso, para que não saibam que ele está acima do homem comum.

Não é outro o sentido de se dizer, no cristianismo, que Jesus era um humilde. Qualquer homem comum que fosse alçado a condição de D'us seria um miserável orgulhoso.

Porém, existe um outro tipo de humildade, de que não se costuma falar muito, mas que considero tão essencial quanto o que é mais falado no mundo da filosofia moral. Trata-se da humildade da qual fala Freud. Estranho? Nem tanto. Na psicanálise, a humildade é também essencial.

O sábio de Viena dizia que se ele conseguisse levar seu paciente a trabalhar e a amar razoavelmente, estaria satisfeito como psicanalista.

Além do fato de que grande parte dos psicanalistas é tão horrorosamente orgulhosa quanto minha tribo de filósofos e afins (em alguns casos, o orgulho de alguns beira o grotesco), acho que essa fala de Freud não serve apenas para esses profissionais, mas também para os pacientes.

Muitas vezes, se concentrar em conseguir levantar de manhã e trabalhar, conseguir olhar para as pessoas à sua volta e ser generoso, pode ser o maior dos milagres na Terra. 


Luiz Felipe Pondé



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