A
humildade é uma das virtudes mais difíceis na vida. Principalmente porque está
fora de moda, confundida com baixa autoestima. Somos ensinados a buscar o
orgulho como autoafirmação. Nada mais distante de uma personalidade
razoavelmente madura do que o orgulho.
A
humildade é uma das virtudes bíblicas. O filósofo judeu Martin Buber, quando
elenca em seu maravilhoso "Hasidism and Modern Man" (Prometheus
Books), de 1988, as quatro principais virtudes do místico hassídico, coloca a
humildade como a máxima entre elas.
O
hassidismo é uma escola judaica típica do leste europeu dos séculos 18 e 19, e
o termo vem da palavra hebraica "hesed", que pode ser traduzida por
"piedade".
As
quatro virtudes são: êxtase na contemplação ("hitlahavut"), trabalho
("avodá"), a intenção reta do coração ("kavaná") e a
humildade ("shiflut"). Segundo ele, alguém que tem intimidade com
D'us (no judaísmo, não se escreve o nome de Deus completo) tem gosto pelo trabalho,
seja ele qual for, porque sente que ser parte do mundo é colaborar com ele.
O
êxtase é o que acontece com quem vê D'us e sua piedade com frequência. O ato de
contemplar D'us -a palavra "hitlahavut", em hebraico, remete ao fogo-
"incendeia a alma". A intimidade com Deus leva o místico a não
conseguir mentir aquilo que sente e pensa, ele diz. Daí a ideia de um coração
reto.
Por
fim, a humildade. As três anteriores convergem para o que Buber se refere como
a consciência de que D'us carrega o mundo na palma da Sua mão, imagem comum na
Bíblia hebraica (o Velho Testamento dos cristãos).
É
comum personagens como Davi e Abraão usarem essa imagem ou similares para
descrever a relação entre D'us e o mundo. A humildade é marca suprema da alma
que se conhece sem mentir para si mesma.
A
humildade também pode ser vista como grande virtude e desafio para pessoas
distantes de qualquer sensibilidade religiosa, mas que têm grande sucesso na
vida.
Se
você é alguém que não teve sucesso na vida, dizer que é humilde é mais falta de
opção do que qualquer virtude de fato. Por isso, a humildade sempre foi cobrada
de grandes guerreiros e mulheres lindas.
O
sucesso, seja ele físico, financeiro, intelectual ou "imaterial",
sempre foi um desafio: o risco do sucesso é deformar a alma. Sobre isso, basta
ver o horror que é o mundo intelectual e seu profundo desprezo (ao contrário do
que querem transparecer) pelo "povo".
A
chamada "segurança de si" vai melhor com a humildade do que com o
self-marketing. Qualquer pessoa sabe que não se pode falar das próprias
virtudes, porque o autoelogio é signo de desespero.
A
humildade é o manto com o qual a alma virtuosa se cobre e esconde sua face. E
isso nada tem a ver com tristeza ou falta de percepção do sucesso. A
felicidade, quando verdadeira, é sempre uma forma de generosidade.
Assim
como D'us esconde a sua face, segundo o hassidismo, para nos
"proteger" de sua grandeza, o virtuoso esconde seu rosto "em
chamas", seja ele incendiado por D'us, seja pelo sucesso, para que não
saibam que ele está acima do homem comum.
Não
é outro o sentido de se dizer, no cristianismo, que Jesus era um humilde.
Qualquer homem comum que fosse alçado a condição de D'us seria um miserável
orgulhoso.
Porém,
existe um outro tipo de humildade, de que não se costuma falar muito, mas que
considero tão essencial quanto o que é mais falado no mundo da filosofia moral.
Trata-se da humildade da qual fala Freud. Estranho? Nem tanto. Na psicanálise,
a humildade é também essencial.
O
sábio de Viena dizia que se ele conseguisse levar seu paciente a trabalhar e a
amar razoavelmente, estaria satisfeito como psicanalista.
Além
do fato de que grande parte dos psicanalistas é tão horrorosamente orgulhosa
quanto minha tribo de filósofos e afins (em alguns casos, o orgulho de alguns
beira o grotesco), acho que essa fala de Freud não serve apenas para esses
profissionais, mas também para os pacientes.
Muitas
vezes, se concentrar em conseguir levantar de manhã e trabalhar, conseguir
olhar para as pessoas à sua volta e ser generoso, pode ser o maior dos milagres
na Terra.
Luiz Felipe Pondé
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