terça-feira, 13 de dezembro de 2022


Não: já não falo de ti, já não sei de saudades.
Feche-se o coração como um livro, cheio de imagens, de palavras adormecidas, em altas prateleiras, até que o pó desfaça o pobre desespero sem força, que um dia, pode ser, parece tão terrível.
A aranha dorme em sua teia, lá fora, entre a roseira e o muro.
Resplandecem os azulejos- e tudo quanto posso ver.
O resto é imaginado, e não coincide, e é temerário cismar. Talvez se as pálpebras pudessem inventar outros sonhos, não de vida...
Ah! rompem-se na noite ardentes violas,
pelo ar e pelo frio subitamente roçadas.
Por onde pascerão, nestes céus invioláveis,
nossas perguntas com suas crinas de séculos arrastando-se...
Não só de amor a noite transborda mas de terríveis crueldades, loucuras, de homicídios mais verdadeiros.
Os homens de sangue estão nas esquinas resfolegando, e os homens da lei sonolentos movem letras sobre imensos papéis que eles mesmos não entendem...
Ah! que rosto amaríamos ver inclinar-se na aérea varanda?
Nem os santos podem mais nada. Talvez os anjos abstratos da álgebra e da geometria.
 
Cecília Meireles

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