Como os juízes andam precisando de quem os defenda, louvo a decisão do STJ de amenizar a chamada lei seca. Não estou sugerindo que as pessoas devam dirigir embriagadas, mas recomendo que os legisladores aprendam a legislar.
Eles escreveram uma peça indecente e não vejo como o STJ teria podido salvar o espírito da lei sem usurpar funções que não são suas.
O problema é a nova redação que a lei nº 11.705 deu ao artigo 306 do Código de Trânsito, que prevê a detenção. Aqui, o legislador inadvertidamente alterou o tipo penal, que passou de conduzir veículo "sob a influência de álcool" para "com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas".
Ocorre, como reafirmou o STJ, que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Se o motorista se recusa a soprar o bafômetro ou ceder sangue para análise, não há como provar que excedeu a quantidade máxima. Testemunhas podem jurar que ele estava bêbado como um gambá, mas não que ultrapassou 6 dg/l. E sem prova competente não há crime.
Em relação à multa e à suspensão da carteira, sanção administrativa prevista no artigo 165, o problema não se coloca, pois ali o tipo infracional ainda é "dirigir sob influência".
As barbeiragens não param aqui. Tanto o 165 como o 306 trazem a expressão "ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência". Acontece que café e nicotina são substâncias psicoativas que geram dependência. Estão em tese proscritos. Já LSD, embora cause alucinações, não provoca dependência e, assim, não cai na malha das autoridades de trânsito. A situação só não é absurda porque a polícia sabiamente ignora a lei.
Se o governo insiste em prender condutores ébrios, pode baixar uma MP que suspenda a 11.705 e a substitua por dispositivos coerentes. De minha parte, eu os tornaria mais sóbrios também. Crimes sem vítima não deveriam implicar penas de prisão.
Hélio Schwartsman
Folha de São Paulo
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