Chamava-se Francilino e havia chegado ao antigo termo de São Sebastião, hoje município de Governador Dix-sept Rosado (Estado do Rio Grande do Norte) por intermédio de Romeu Menandro da Cruz, chefe político e farmacêutico pombalense radicado em São José de Piranhas. O tarefeiro da pedreira de gêsso, de nome Lourenço Cruz, era irmão de Dr. Romeu, como todos o conheciam no oeste paraibano.
Francilino tinha se metido em encrencas grandes em sua terra natal, Mauriti, no Estado do Ceará. Pediu a proteção de Romeu Cruz e este não hesitou em interseder junto à parentada que residia em São Sebastião para acolher o cearense. Francilino passou a morar na pedreira, onde exercia o ofício de sapateiro.
Logo a freguesia apareceu, pois o calado e taciturno forasteiro sabia perfeitamente como remendar os calçados gastos com velocidade impressionante na labuta diária que era a extração de gipsita na pedreira dos Rosados. As famílias também confiavam-lhe fabricação de sapatos para filhos em idade escolar.
Poucos sabiam que na calada da noite Francilino dispensava o martelo e os apetrechos de sapateiro e ensacava Beretta de fabricação italiana na cintura, transformando-se no perigoso pistoleiro Tranquilino, a fera dos sertões potiguares, paraibanos e cearenses.
Fazia serviços de pistolagem com absoluta facilidade e naturalidade, da mesma forma como remendava, consertava ou fabricava os calçados na pedreira. Era exímio matador por encomenda, trabalho fácil e maneiro que lhe despertava prazer hediondo, prática natural em sua convivência no Estado do Ceará.
Certa vez, filho de importante agro-pecuarista em Pombal levou sova impressionante em um jogo de futebol. O autor da façanha, de nome Raimundo Aristides, precisava de lição capital que levasse os demais a respeitarem àquela família ultrajada que exigia imediatamente que a honra fosse lavada com sangue, como nos velhos e "bons" tempos da ignorância sertaneja.
Francilino foi contactado em São Sebastião, tendo se comprometido a fazer o "serviço" de pistolagem em determinada data marcada pelos seus "patrões" da hora.
Um dia antes da data determinada, deslocou-se para Pombal, pernoitando na casa da família desmoralizada em um lance mais afoito de um simples jogo de futebol. Quando chegou a noite, começou seu itinerário macabro, transitando pelas ruas da cidade como alma penada. Chapéu negro enterrado na cabeça, capa da mesma cor e a inseparável arma. Quando saia para matar, na pele de Tranquilino, o "humilde" sapareiro incorporava verdadeira coisa sinistra, capaz de meter medo no mais corajoso dos homens.
Perto do centro da cidade, despertou a atenção de grupo de amigos que bebia descontraidamente. Um mais afoito, que atendia pelo apelido de "Peia-Onça", disse aos demais que ia reconhecer àquele sujeito esquisito que passava no momento. Em carreira desabalada, o filho de Américo alcançou Tranquilino e pediu-lhe cigarro. O pistoleiro, com todo cuidado para não ser reconhecido, entregou-lhe o que pedia, evitando fitar-lhe nos olhos, não obstante as tentativas do homem que barrava seu trajeto em direção ao "serviço" de pistolagem.
Decepcionado, "Peia-Onça" voltou para a companhia dos amigos, sendo logo indagado, quando de sua chegada, se havia reconhecido a figura bizarra que despertara a atenção da turma. Resposta negativa motivou o grupo a incentivá-lo ir novamente tentar saciar a curiosidade de todos, saber quem era àquele homem misterioso que cruzava as ruas de Pombal.
Alguém lembrou a "Peia-Onça" que o cigarro que havia recebido estava apagado, sugerindo-lhe que novamente o alcançasse solicitando-lhe fogo. O pombalense, em carreira desconcertada, não tendo notado que Tranquilino o acompanhava com o apurado sentido auditivo, logo estava às costas do pistoleiro, importunando-o como uma pergunta inoportuna:
- " Moço, o senhor tem fogo???"
Inopinadamente, Tranquilino atendeu o pedido do homem às suas costas, dando-lhe três tiros de Beretta.
(*) José Romero Cardoso