sábado, 19 de junho de 2021

Os Circos do meu tempo


No meu tempo os circos exibiam pedras trazidas de vários planetas em pequenas gaiolas, ao lado de fora da lona colorida, muitas vezes expostas ao sol. Havia pedras até mesmo de Júpiter, que é basicamente composto por gases. “Essas pedras flutuam, ou boiam, por assim dizer, nos gases jupiterianos, que são por demais densos”, explicava-me o homem do circo, aquele que tomava conta das pedras.

Especulava-se, entre a meninada, que esse vasto homem havia recolhido pessoalmente aquelas pedras nas suas viagens extraplanetárias. Falava-se que ele falava muitos idiomas, alguns extintos, e que receberia os marcianos, em nome dos governos da Terra, quando eles, por fim, aqui chegassem. Não faltava quem duvidasse da origem extraplanetárias das pedras, que viriam de outros planetas, mas do cinturão de asteroides que preenche o vazio entre Marte e Júpiter. Num desses asteroides, o maior deles, estaria a cidade natal do nosso homem do circo, onde o seu povo ainda o esperava.

Muitas vezes, antes do espetáculo começar, víamos palhaços, trapezistas e domadores de feras observando as pedras, silenciosos. Às vezes com lágrimas nos olhos. Alguns davam as mãos ou recostavam a cabeça no ombro de um companheiro de picadeiro. Em certos dias pares nos era permitido tocar nas pedras, e as tocávamos com as mãos trêmulas. Depois corríamos para o homem do realejo, para tirar a sorte e saber dos destinos que se abririam para nós… porque havíamos tocado as pedras.

Éramos jovens, efêmeros, e aquelas pedras, eternas, ainda estariam encantando e confundindo outras crianças, dali a duzentos, trezentos séculos. Seu guardião, ele mesmo como uma velha rocha, a mirar a passagem dos dias e o trânsito sem fim de curiosos e ladrões. Lembramos sempre do nosso vizinho, Aqbar, que roubou uma das pedras de Netuno e nunca mais foi visto. Dizem que enriqueceu, dizem que os netunianos vieram buscá-lo e hoje ele vaga através da densa neblina azulada que assombra as poucas cidades do hemisfério sul do planeta, onde não entendem sua língua.

Hoje sei que há um mercado negro de pedras planetárias, sei que pessoas morrem ou desaparecem. Sei que, de alguma forma, sou diferente por tê-las tocado na minha infância. Hoje também sou um itinerante, um vagante… quando estou numa cidade e descubro que o circo chegou, arrumo minhas poucas coisas e parto. E trato de nunca mais ser visto ali outra vez.

Cedo ou tarde as cidades se esgotarão na minha fuga, e um dia, na última cidade, estarei diante das pedras, no último dos circos.

Toinho de Castro

11 de junho de 2021 publicado
Por Revista Kuruma'tá
Categorizado como Toinho Castro
Marcado com Conto, Ficção, Ficção científica, Literatura, Subliteratura

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