Mal assentaram praça em Santana do Lavradio, os carrancudos sessenta anos do juiz de direito Tiburcino Lopes já não foram gostando. Ao percorrer os primeiros metros da Rua das Acácias, ele logo deu de cara com a mania do pessoalzinho da cidade de botar nome estrangeiro em tudo quanto era estabelecimento, público ou privado, arrumadinho ou avacalhado.
Em cada canto, só se viam placas, plaquetas e tabuletinhas com a afrontosa misturação de letras alienígenas. Assim é que, sobre a porta da mais reles serralheria, ia escrito “McArthur, The Iron Man”, a sapataria era “Le Soulier Bleu”, comia-se no “La Belle Époque” ou no “L’Innamorata Verona”, comprava-se no armarinho “El Torero”. No comercinho santanense grassava um arrevesado linguístico de todas as nacionalidades, até o sânscrito deu sua contribuiçãozinha, já que também o bordel tinha o sugestivo nome de “Kama Sutra”. Mas as meninas e seus predicativos eram genuinamente nacionais...
Aquilo foi um golpe traiçoeiro na boca do estômago da sensibilidade patriótica do Dr. Tiburcino, formado que era na cátedra vernácula do Prof. Alfredo Gusmão, a maior autoridade metonímica e prominalística daqueles idos tempos. Bastou atravessar uma minúscula passagem de madeira sobre o modesto riacho Vermelho e ver escrito “Pont Neuf”, para o insigne magistrado quase ter um troço:
- Com que, então, esse povinho medíocre é metido a desrespeitador das belezas imemoriais da Língua Pátria brasileira, a língua de Camões e de Vieira! Deixa estar, que, para esse tipo de doença, Tiburcino tem medicina.
Às margens lodosas do riacho, do alto de sua categoria de membro vitalício da Academia Jatobense de Letras, o juiz, empunhando uma invisível espada legalista, proclamou ali mesmo, sentencioso:
- Navegar é preciso, viver não é preciso!
A manhã seguinte só fez aumentar o furo no pisante do meirinho Anacleto, encarregado de distribuir por toda a cidade uma circular normativa de caráter judicial. Nela se ordenava a mudança de toda a terminologia estrangeira no prazo de uma semana, a poder de multa diária, custas processuais e até prisão, com direito a corretivo de borracha.
O povo de Santana do Lavradio gostava muito de sofisticação vocabular, mas gostava ainda mais de cumprir determinação regulatória de ameaçar o bolso e avermelhar costado. Foi assim que em poucos dias o idioma nacional estava ali bem-representado na serralheria “Artuzinho Ferreira, Ferreiro”, na sapataria “O Sapatão”, no botequim “Comido Ninguém Pode”, na casa de carnes “Deu no Lombo”. Até Sueli Viçosa, proprietária da já mencionada casa de tolerância, resolveu se ajustar à nova ordem: o bordel adquiriu o nome de “Cama Sua”.
E o juiz Tiburcino Lopes pôde afinal dormir tranquilo nos braços maternos da nacionalidade castiça.
Fernando Bueno
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