terça-feira, 30 de novembro de 2010

Descontração na hora do cafezinho


Uma mulher muito atraente gesticula para o barman que imediatamente se aproxima
Muito sedutora, faz sinal para que ele chegue mais perto e começa gentilmente a acariciar seu cabelo e barba.
Ela pergunta:- Você é o proprietário? – passando as mãos em seu rosto.
- Não, responde ele.
- Você poderia chamá-lo para mim? diz ela, afagando os cabelos do barman
- Ele não está na casa hoje – diz o cara, já profundamente excitado com a situação.
- Posso fazer algo por você?
- Preciso que você dê um recado a ele – diz ela, massageando sua barba, e enfiando dois dedos na boca do barman, deixando-o chupá-los levemente.
- Diga a ele, que não tem papel higiênico no banheiro feminino.

Charge Amarildo

domingo, 28 de novembro de 2010

Quem é você ?


Composição de Isolda e Eduardo Dusek

Sem titulo


Foto All Magnus
...sem texto

sábado, 27 de novembro de 2010

"Os outros fazem aquilo que querem com as tuas palavras, mas é o teu silêncio que os assusta".


Santo Antônio
Me fascina um livro bem escrito. Aprecio demais os enredos e romances que me envolvam de tal maneira que pareça me integrar no próprio texto. Excita-me tanto a boa escrita quanto o fazer parte do “filme”. Para mim são como filmes ortográficos!

Censurado


As autoridades de Milão tiraram de circulação este outdoor publicitário dos estilistas Marithé + François Girbaud por ser considerado ofensivo por fazer uma releitura da obra A Última Ceia, de Leonardo da Vinci.

Os franceses vão pelo mesmo caminho.

Já se sente o espírito de Natal, principalmente o peru


“O indivíduo vive para os alvos, assim como para as causas”

Carl Gustav Jung


Por que as vezes é preciso acreditar puramente em nossas próprias convicções!

Como é mesmo o nome?

Levou o manequim de madeira à festa porque não tinha companhia e não queria ir sozinho.

Gravata bordeaux, seda. Camisa pregueada, cambraia. Terno riscado, lã. Tudo do bom. Suas melhores roupas na madeira bem talhada, bem lixada, bem pintada, melhor corpo. Só as meias um pouco grossas, o que porém se denunciaria apenas se o manequim cruzasse as pernas. Para o nariz firmemente obstruído, um lenço no bolsinho.

No relógio de ouro do pulso torneado, a festa já tinha começado há algum tempo.

Sorridentes, os donos da casa se declararam encantados por ter ele trazido um amigo.

— Os amigos dos nossos amigos são nossos amigos — disseram saboreando a generosidade da sua atitude. E o apresentaram a outros convidados, amigos e amigos de nossos amigos. Todos exibiram os dentes em amável sorriso.

Recebeu o copo de uísque, sua senha. E foi colocado no canto esquerdo da sala, entre a porta e a cômoda inglesa, onde mais se harmonizaria com a decoração.

A meia hilaridade pintada com tinta esmalte e reforçada com verniz náutico exortava outras hilaridades a se manterem constantes, embora nenhuma alcançasse idêntico brilho. Abriam-se os transitórios vizinhos em amenidades que o compreensivo calar-se do outro logo transformava em confidências. Enfim alguém que sabia ouvir. Relatos sibilavam por entre gengivas à mostra e se perdiam em quase espuma na comissura dos lábios. Cabeças aproximavam-se, cúmplices. Apertavam-se as pálpebras no dardejado do olhar. O ruge, o seio, o ventre, a veia expandida palpitavam. O gelo no uísque fazia-se água.

A própria dona da casa ocupou-se dele na refrega de gentilezas. Trocou-lhe o copo ainda cheio e suado por outro de puras pedras e âmbar. Atirou-se à conversa sem preocupações de tema, cuidando apenas de mantê-lo entretido. Do que logo se arrependeu, naufragando na ironia do sorriso que lhe era oferecido de perfil. A necessidade de assunto mais profundo levou-a à única notícia lida nos últimos meses. E nela avançou estimulada pelo silêncio do outro, logo úmida de felicidade frente a alguém que finalmente não a interrompia. No mais frondoso do relato o marido, entre convivas, a exigiu com um sinal. Afastou-se prometendo voltar.

O brilho de uma calvície abandonou o centro da sala e coruscou a seu lado, derramando-lhe sobre o ombro confissões impudicas, relato de farta atividade extraconjugal. Sem obter comentários, sequer um aceno, o senhor louvou intimamente a discrição, achando-a, porém, algo excessiva entre homens. Homens menos excessivos aguardavam em outros cantos da sala a repetição de suas histórias.

Não acendeu o cigarro de uma dama e esta ofendeu-se, já não havia cavalheiros como antigamente. Não acendeu o cigarro de outra dama e esta encantou-se, sabia bem o que se esconde atrás de certo cavalheirismo de antigamente. Os cinzeiros acolheram os cigarros sem uso.

Um cavalheiro sentiu-se agredido pelo seu desprezo. Um outro pela sua superioridade. Um doutor enalteceu-lhe a modéstia. Um senhor acusou-lhe a empáfia. E o jovem que o segurou pelo braço surpreendeu-se com sua rígida força viril.

Nenhum suor na testa. Nenhum tremor na mão. Sequer uma ponta de tédio. Imperturbável, o manequim de madeira varava a festa em que os outros aos poucos se descompunham.

Já não eram como tinham chegado. As mechas escapavam, amoleciam os colarinhos, secreções escorriam nas peles pegajosas. Só os sorrisos se mantinham, agora descorados.

No relógio torneado do pulso rijo a festa estava em tempo de acabar.

As mulheres recolhiam as bolsas com discrição. Os amigos, os amigos dos amigos, os novos amigos dos velhos amigos deslizavam porta afora.

Mais tarde, a dona da casa, tirando a maquilagem na paz final do banheiro, dedos no pote de creme, comentava a festa com o marido.

— Gostei — concluiu alastrando preto e vermelho no rosto em nova máscara —, gostei mesmo daquele convidado, aquele atencioso, de terno riscado, aquele, como é mesmo o nome?


Marina Colasanti (1938) nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil.

Paco de Lucia

Um dos maiores violonistas do mundo, o espanhol Francisco Sánchez, vulgo Paco de Lucía.

Ouvir estrelas


“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”


Olavo Bilac

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O laço e o abraço

Meu Deus! Como é engraçado!
Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço... uma fita dando voltas.
Enrosca-se, mas não se embola, vira, revira, circula e pronto: está dado o laço.
É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de braço.
É assim que é o laço: um abraço no presente, no cabelo, no vestido, em qualquer coisa onde o faço.
E quando puxo uma ponta, o que é que acontece? Vai escorregando...
devagarzinho, desmancha, desfaz o abraço.
Solta o presente, o cabelo, fica solto no vestido.
E, na fita, que curioso, não faltou nem um pedaço.
Ah! Então, é assim o amor, a amizade.
Tudo que é sentimento. Como um pedaço de fita.
Enrosca, segura um pouquinho, mas pode se desfazer a qualquer hora, deixando livre as duas bandas do laço.
Por isso é que se diz: laço afetivo, laço de amizade.
E quando alguém briga, então se diz: romperam-se os laços.
E saem as duas partes, igual meus pedaços de fita, sem perder nenhum pedaço.
Então o amor e a amizade são isso...
Não prendem, não escravizam, não apertam, não sufocam.
Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço!


Mário Quintana

quinta-feira, 25 de novembro de 2010



A vida sempre nos parece meteórica. A gente se transforma em adulto num piscar de olhos! Um dia a gente está de calção empinando pipa, no outro a gente se vê enfiado num terno e gravata. Se os anos teimam em apressar os nossos dias, não espantam as memórias da infância. Elas ficam ali, bem guardadas em nosso mais protegido baú de saudades.

E por muito e muitos anos a gente sempre lembra passado, do coleguinha, da primeira bicicleta, do pirulito de açucar, da matinê, do pula-pula e do domingo na pracinha da matriz.

É sempre assim, as nossas lembranças volta e meia nos vêm bater a porta da nossa vida adulta.

Sabe de coisa ? o negócio é o seguinte: depois de tantos e tantos anos eu continuo mesmo é olhando para trás... maravilhado!

Polina Seminova

Um braço de mulher


Subi ao avião com indiferença, e como o dia não estava bonito, lancei apenas um olhar distraído a essa cidade do Rio de Janeiro e mergulhei na leitura de um jornal. Depois fiquei a olhar pela janela e não via mais que nuvens, e feias. Na verdade, não estava no céu; pensava coisas da terra, minhas pobres, pequenas coisas. Uma aborrecida sonolência foi me dominando, até que uma senhora nervosa ao meu lado disse que "nós não podemos descer!". O avião já havia chegado a São Paulo, mas estava fazendo sua ronda dentro de um nevoeiro fechado, à espera de ordem para pousar. Procurei acalmar a senhora.

Ela estava tão aflita que embora fizesse frio se abanava com uma revista. Tentei convencê-la de que não devia se abanar, mas acabei achando que era melhor que o fizesse. Ela precisava fazer alguma coisa, e a única providência que aparentemente podia tomar naquele momento de medo era se abanar. Ofereci-lhe meu jornal dobrado, no lugar da revista, e ficou muito grata, como se acreditasse que, produzindo mais vento, adquirisse maior eficiência na sua luta contra a morte.

Gastei cerca de meia hora com a aflição daquela senhora. Notando que uma sua amiga estava em outra poltrona, ofereci-me para trocar de lugar, e ela aceitou. Mas esperei inutilmente que recolhesse as pernas para que eu pudesse sair de meu lugar junto à janela; acabou confessando que assim mesmo estava bem, e preferia ter um homem — "o senhor" — ao lado. Isto lisonjeou meu orgulho de cavalheiro: senti-me útil e responsável. Era por estar ali eu, um homem, que aquele avião não ousava cair. Havia certamente piloto e co-piloto e vários homens no avião. Mas eu era o homem ao lado, o homem visível, próximo, que ela podia tocar. E era nisso que ela confiava: nesse ser de casimira grossa, de gravata, de bigode, a cujo braço acabou se agarrando. Não era o meu braço que apertava, mas um braço de homem, ser de misteriosos atributos de força e proteção.

Chamei a aeromoça, que tentou acalmar a senhora com biscoitos, chicles, cafezinho, palavras de conforto, mão no ombro, algodão nos ouvidos, e uma voz suave e firme que às vezes continha uma leve repreensão e às vezes se entremeava de um sorriso que sem dúvida faz parte do regulamento da aeronáutica civil, o chamado sorriso para ocasiões de teto baixo.

Mas de que vale uma aeromoça? Ela não é muito convincente; é uma funcionária. A senhora evidentemente a considerava uma espécie de cúmplice do avião e da empresa e no fundo (pelo ressentimento com que reagia às suas palavras) responsável por aquele nevoeiro perigoso. A moça em uniforme estava sem dúvida lhe escondendo a verdade e dizendo palavras hipócritas para que ela se deixasse matar sem reagir.

A única pessoa de confiança era evidentemente eu: e aquela senhora, que no aeroporto tinha certo ar desdenhoso e solene, disse suas malcriações para a aeromoça e se agarrou definitivamente a mim. Animei-me então a pôr a minha mão direita sobre a sua mão, que me apertava o braço. Esse gesto de carinho protetor teve um efeito completo: ela deu um profundo suspiro de alívio, cerrou os olhos, pendeu a cabeça ligeiramente para o meu lado e ficou imóvel, quieta. Era claro que a minha mão a protegia contra tudo e contra todos, estava como adormecida.

O avião continuava a rodar monotonamente dentro de uma nuvem escura; quando ele dava um salto mais brusco, eu fornecia à pobre senhora uma garantia suplementar apertando ligeiramente a minha mão sobre a sua: isto sem dúvida lhe fazia bem.

Voltei a olhar tristemente pela vidraça; via a asa direita, um pouco levantada, no meio do nevoeiro. Como a senhora não me desse mais trabalho, e o tempo fosse passando, recomecei a pensar em mim mesmo, triste e fraco assunto.

E de repente me veio a idéia de que na verdade não podíamos ficar eternamente com aquele motor roncando no meio do nevoeiro - e de que eu podia morrer.

Estávamos há muito tempo sobre São Paulo. Talvez chovesse lá embaixo; de qualquer modo a grande cidade, invisível e tão próxima, vivia sua vida indiferente àquele ridículo grupo de homens e mulheres presos dentro de um avião, ali no alto. Pensei em São Paulo e no rapaz de vinte anos que chegou com trinta mil-réis no bolso uma noite e saiu andando pelo antigo viaduto do Chá, sem conhecer uma só pessoa na cidade estranha. Nem aquele velho viaduto existe mais, e o aventuroso rapaz de vinte anos, calado e lírico, é um triste senhor que olha o nevoeiro e pensa na morte.

Outras lembranças me vieram, e me ocorreu que na hora da morte, segundo dizem, a gente se lembra de uma porção de coisas antigas, doces ou tristes. Mas a visão monótona daquela asa no meio da nuvem me dava um torpor, e não pensei mais nada. Era como se o mundo atrás daquele nevoeiro não existisse mais, e por isto pouco me importava morrer. Talvez fosse até bom sentir um choque brutal e tudo se acabar. A morte devia ser aquilo mesmo, um nevoeiro imenso, sem cor, sem forma, para sempre.

Senti prazer em pensar que agora não haveria mais nada, que não seria mais preciso sentir, nem reagir, nem providenciar, nem me torturar; que todas as coisas e criaturas que tinham poder sobre mim e mandavam na minha alegria ou na minha aflição haviam-se apagado e dissolvido naquele mundo de nevoeiro.

A senhora sobressaltou-se de repente e muito aflita começou a me fazer perguntas. O avião estava descendo mais e mais e entretanto não se conseguia enxergar coisa alguma. O motor parecia estar com um som diferente: podia ser aquele o último e desesperado tredo ronco do minuto antes de morrer arrebentado e retorcido. A senhora estendeu o braço direito, segurando 0 encosto da poltrona da frente, e então me dei conta de que aquela mulher de cara um pouco magra e dura tinha um belo braço, harmonioso e musculado.

Fiquei a olhá-lo devagar, desde o ombro forte e suave até as mãos de dedos longos. E me veio uma saudade extraordinária da terra, da beleza humana, da empolgante e longa tonteira do amor. Eu não queria mais morrer, e a idéia da morte me pareceu tão errada, tão feia, tão absurda, que me sobressaltei. A morte era uma coisa cinzenta, escura, sem a graça, sem a delicadeza e o calor, a força macia de um braço ou de uma coxa, a suave irradiação da pele de um corpo de mulher moça.

Mãos, cabelos, corpo, músculos, seios, extraordinário milagre de coisas suaves e sensíveis, tépidas, feitas para serem infinitamente amadas. Toda a fascinação da vida me golpeou, uma tão profunda delícia e gosto de viver uma tão ardente e comovida saudade, que retesei os músculos do corpo, estiquei as pernas, senti um leve ardor nos olhos. Não devia morrer! Aquele meu torpor de segundos atrás pareceu-me de súbito uma coisa doentia, viciosa, e ergui a cabeça, olhei em volta, para os outros passageiros, como se me dispusesse afinal a tomar alguma providência.

Meu gesto pareceu inquietar a senhora. Mas olhando novamente para a vidraça adivinhei casas, um quadrado verde, um pedaço de terra avermelhada, através de um véu de neblina mais rala. Foi uma visão rápida, logo perdida no nevoeiro denso, mas me deu uma certeza profunda de que estávamos salvos porque a terra existia, não era um sonho distante, o mundo não era apenas nevoeiro e havia realmente tudo o que há, casas, árvores, pessoas, chão, o bom chão sólido, imóvel, onde se pode deitar, onde se pode dormir seguro e em todo o sossego, onde um homem pode premer o corpo de uma mulher para amá-la com força, com toda sua fúria de prazer e todos os seus sentidos, com apoio no mundo.

No aeroporto, quando esperava a bagagem, vi de perto a minha vizinha de poltrona. Estava com um senhor de óculos, que, com um talão de despacho na mão, pedia que lhe entregassem a maleta. Ela disse alguma coisa a esse homem, e ele se aproximou de mim com um olhar inquiridor que tentava ser cordial. Estivera muito tempo esperando; a princípio disseram que o avião ia descer logo, era questão de ficar livre a pista; depois alguém anunciara que todos os aviões tinham recebido ordem de pousar em Campinas ou em outro campo; e imaginava quanto incômodo me dera sua senhora, sempre muito nervosa. "Ora, não senhor." Ele se despediu sem me estender a mão, como se, com aqueles agradecimentos, que fora constrangido pelas circunstâncias a fazer, acabasse de cumprir uma formalidade desagradável com relação a um estranho - que devia permanecer um estranho.

Um estranho — e de certo ponto de vista um intruso, foi assim que me senti perante aquele homem de cara desagradável. Tive a impressão de que de certo modo o traíra, e de que ele o sentia.

Quando se retiravam, a senhora me deu um pequeno sorriso. Tenho uma tendência romântica a imaginar coisas, e imaginei que ela teve o cuidado de me sorrir quando o homem não podia notá-lo, um sorriso sem o visto marital, vagamente cúmplice. Certamente nunca mais a verei, nem o espero. Mas o seu belo braço foi um instante para mim a própria imagem da vida, e não o esquecerei depressa.


Rubem Braga

O texto acima foi publicado no livro “Os melhores contos – Rubem Braga”, seleção de Davi Arrigucci Jr., Global Editora – São Paulo, e selecionado por Ítalo Moriconi para compor o livro “Os cem melhores contos brasileiros do século”, Editora Objetiva – Rio de Janeiro, 2000, pág. 169.

Geração absalônica


De acordo com uma pesquisa realizada pela Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da USP, 62% dos entrevistados se declaram deprimidos ou frustrados por não gostarem de seu corpo e de sua imagem. O problema é mais feminino do que masculino, embora o número de homens se candidatando a uma cirurgia plástica tenha aumentado de 5% para 30% nos últimos 5 anos.

Por incrível que pareça, um dos grandes fatores de depressão feminina são os espelhos instalados nos salões de ginástica. Por não verem resultados imediatos ao se colocarem diante dos espelhos depois dos exercícios físicos, as mulheres se sentem menos relaxadas emocionalmente e mais pessimistas. O estudo, publicado no início de agosto na revista “Health Psychology”, foi realizado com 58 universitárias nos EUA.

O médico Jairo Bouer, que escreve para o ‘Folhateen” todas as semanas, diz que “o consumo de hormônios anabolizantes (entre garotos) e moderadores de apetite (entre garotas) é alto entre os jovens”. Eles estão mais preocupados com as formas do corpo do que com a saúde. Só na cidade do Rio de Janeiro há 470 clínicas de estética.

Já que a estética está tomando o lugar da ética (não deixe de ler “A lipoaspiração do ego”), não é de se estranhar o surgimento de uma geração absalônica.

Absalão viveu mil anos antes de Cristo. Era filho do casamento de Davi com a princesa Maaca (2 Sm 3.3). A Bíblia registra que “em todo o Israel não havia homem tão elogiado por sua beleza como Absalão: da cabeça aos pés não havia nele nenhum defeito” (2 Sm 14.25, NVI).

Poucas pessoas, porém, foram tão ordinárias quanto esse príncipe. Para vingar o mal que seu meio-irmão Amnom havia feito à irmã Tamar, Absalão matou o impetuoso jovem à traição (2 Sm 13.23-39). Valendo-se de sua projeção nacional (só porque era bonito) e do escândalo sexual do pai, que fez cair o índice de sua popularidade, Absalão roubou com mentiras e promessas demagógicas o coração do povo para si mesmo e liderou um levante que derrubou o próprio pai e o fez assentar-se no trono de Davi (2 Sm 15.1-37). Por último, para se tornar repugnante para o pai e mostrar ousadia aos seus asseclas, Absalão deitou-se ostensivamente com as concubinas de Davi que ficaram em Jerusalém para cuidar do palácio quando o rei foi obrigado a fugir (2 Sm 16.15-23).

Geração absalônica é aquela da qual se diz: “Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento”. A beleza não combina com o caráter repugnante e o fedor que sai de dentro daquele que está cheio de “todo tipo de imundície” (Mt 23.27, NVI).

Há 80 anos, o “Jornal do Brasil” publicou o seguinte anúncio: “Moça honesta, mas de má aparência, deseja proteção de senhor sério e de posição. Cartas para Everarda, neste jornal”.

É bem provável que a moça bonita por dentro e feia por fora ainda esteja à espera de seu príncipe encantado.


Roberto de Albuquerque Cezar

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Certas Esperanças

É preciso — é mais do que preciso, é forçoso — dar boas festas, trocar embrulhinhos, querer mais intensamente, oferecer com mais prodigalidade, manter o sorriso e, acima de tudo, esquecer tristezas e saudades.

Façamos um supremo esforço para lembrar e sermos lembrados, porque assim manda a tradição e é difícil esquecer à tradição. Enviemos cartões e telegramas de felicitações àqueles que amamos e também àqueles que — sabemos perfeitamente — não gostam da gente. O Correio, nesta época do ano, finge-se de eficiente e já lá tem prontos impressos para que desejemos coisas boas aos outros, nivelando a todos em nossos augúrios.

Depois de abraçar e ser abraçado, desejar sincera e indiferentemente, embrulhar e desembrulhar presentes, cada um poderá fazer votos a si mesmo, desejar para si o que bem entender. Subindo na escala das idades, este sonhou todo o mês com um trenzinho elétrico, aquele com uma bicicleta (com farol e tudo), o outro certa moça, mais além um quarto sonhador esteve a remoer a idéia de ser ministro e o rico... bem, o rico só pensa em ser mais rico. O rico detesta amistosamente os ministros, já não tem olhos para a graça da moça, pernas para pedalar uma bicicleta e, muito menos, tempo para brincar com um trenzinho.

Dos planos de cada um, pouquíssimos serão transformados em realidade. Alguns hão de abandoná-los por desleixo e a maioria, mal o ano de 56 começar, não pensará mais nele, por pura desesperança. O melhor, portanto, é não fazer planos. Desejar somente, posto que isso sim, é humano e acalentador.

De minha parte estou disposto a esquecer todas as passadas amarguras, tudo que o destino me arranjou de ruim neste ano que finda. Ficarei somente com as lembranças do que me foi grato e me foi bom.

No mais, desejarei ficar como estou porque, se não é o que há de melhor, também não é tão ruim assim e, tudo somado, ficaram gratas alegrias. Que Deus me proporcione as coisas que sempre me foram gratas e que — Ele sabe — não chegam a fazer de mim um ambicioso.

Que não me falte aquele almoço honesto dos sábados (único almoço comível na semana), com aquele feijão que só a negra Almira sabe fazer; que não me falte o arroz e a cerveja — é muito importante a cerveja, meu Deus! —, como é importante manter em dia o ordenado da Almira.

Se não me for dado comparecer às grandes noites de gala, que fazer? Resta-me o melhor, afinal, que é esticar de vez em quando por aí, transformando em festa uma noite que poderia ser de sono.

E para os pequenos gostos pessoais, que me reste sensibilidade bastante para entretê-las. Ai de mim se começo a não achar mais graça nos pequenos gostos pessoais. Que o perfume do sabonete, no banho matinal, seja sempre violeta; que haja um cigarro forte para depois do café; uma camisa limpa para vestir; um terno que pode não ser novo, mas que também não esteja amarrotado. Uma vez ou outra, acredito que não me fará mal um filme da Lollobrigida, nem um uísque com gelo ou — digamos — uma valsa.

Nada de coisas impossíveis para que a vida possa ser mais bem vivida. Apenas uma praia para janeiro, uma fantasia para fevereiro, um conhaque para junho, um livro para agosto e as mesmas vontades para dezembro.

No mais, continuarei a manter certas esperanças inconfessáveis porém passíveis — e quanto — de acontecerem.


Stanislaw Ponte Preta


A crônica acima foi publicada na revista "Manchete" nº. 193, de 31/12/55.


Mais um dia de uma semana.
Acordo nesta manhã vértice
Nesta janela onde o sol está;
Mais um dia na mesa do café.
Tenho pressa, tenho pressa,
O bom seria é que meus dias
Fossem sempre na horizontal!


Teófilo Júnior

"(...) Em ensaio para o Cadernos de Literatura Brasileira, do Instituto Moreira Salles, Marco Vilaça, também imortal da ABL e o responsável pela candidatura do paraibano, narra um telefonema entre os dois:
- Você vai ser candidato único. Uma eleição tranquila.
- Você acha isso bom? E se eu perder pra ninguém? Se não atingir o quórum? Minha família é ruim de urna. Desde 1930, ninguém vence uma eleição!"

(Fragmento extraído do livro Ariano Suassuna: um perfil biográfico, Adriana Victor e Juliana Lins, Jorge Zahar Editor, 2007, p. 112.)


*Enviado ao blog pelo amigo e colaborador Adauto.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Dedico os dias a fertilidade de tudo que é memória. Somente ela o tempo não pode aplacar. De nada adianta a sisudez de todos os relógios nem o sombreiro da sucessividade dos segundos.

- Tudo o que me falta agora é a coragem de escever um poema!

domingo, 21 de novembro de 2010

Flávio Venturini

Fotografia

A foto é de Luiz Carlos Murauskas, feita na Cracolândia.
A Cracolândia está localizada no centro da cidade de São Paulo onde adultos e crianças fumam crack nas calçadas sem serem "importunados" pelo Poder Público.

O local também serve de cenário para propagandas eleitoreiras de autoridades que fingem combater as drogas ou implantar políticas públicas capazes de enfrentar o problema.

1987 - Você lembra ?

Declaração de males

Ilmo. Sr. Diretor do Imposto de Renda.

Antes de tudo devo declarar que já estou, parceladamente, à venda.
Não sou rico nem pobre, como o Brasil, que também precisa de boa parte do meu dinheirinho.
Pago imposto de renda na fonte e no pelourinho.
Marchei em colégio interno durante seis anos mas nunca cheguei ao fim de nada, a não ser dos meus enganos.
Fui caixeiro. Fui redator. Fui bibliotecário.
Fui roteirista e vilão de cinema. Fui pegador de operário.
Já estive, sem diagnóstico, bem doente.
Fui acabando confuso e autocomplacente.
Deixei o futebol por causa do joelho.
Viver foi virando dever e entrei aos poucos no vermelho.
No Rio, que eu amava, o saldo devedor já há algum tempo que supera o saldo do meu amor.
Não posso beber tanto quanto mereço, pela fadiga do fígado e a contusão do preço.
Sou órfão de mãe excelente.
Outras doces amigas morreram de repente.
Não sei cantar. Não sei dançar.
A morte há de me dar o que fazer até chegar.
Uma vez quis viver em Paris até o fim, mas não sei grego nem latim.
Acho que devia ter estudado anatomia patológica ou pelo menos anatomia filológica.
Escrevo aos trancos e sem querer e há contudo orgulhos humilhantes no meu ser.
Será do avesso dos meus traços que faço o meu retrato?
Sou um insensato a buscar o concreto no abstrato.
Minha cosmovisão é míope, baça, impura, mas nada odiei, a não ser a injustiça e a impostura.
Não bebi os vinhos crespos que desejara, não me deitei sobre os sossegos verdes que acalentara.
Sou um narciso malcontente da minha imagem e jamais deixei de saber que vou de torna-viagem.
Não acredito nos relógios... the pule cast of throught... sou o que não sou (all that I am I am not).
Podia ter sido talvez um bom corredor de distância: correr até morrer era a euforia da minha infância.
O medo do inferno torceu as raízes gregas do meu psiquismo e só vi que as mãos prolongam a cabeça quando me perdera no egotismo.
Não creio contudo em myself.
Nem creio mais que possa revelar-me em other self.
Não soube buscar (em que céu?) o peso leve dos anjos e da divina medida.
Sou o próprio síndico de minha massa falida.
Não amei com suficiência o espaço e a cor.
Comi muita terra antes de abrir-me à flor.
Gosto dos peixes da Noruega, do caviar russo, das uvas de outra terra; meus amores pela minha são legião, mas vivem em guerra.
Fatigante é o ofício para quem oscila entre ferir e remir.
A onça montou em mim sem dizer aonde queria ir.
A burocracia e o barulho do mercado me exasperam num instante.
Decerto sou crucificado por ter amado mal meu semelhante.
Algum deus em mim persiste
mas não soube decidir entre a lua que vemos e a lua que existe.
Lobisomem, sou arrogante às sextas-feiras, menos quando é lua cheia.
Persistirá talvez também, ao rumor da tormenta, algum canto da sereia.
Deixei de subir ao que me faz falta, mas não por virtude: meu ouvido é fino e dói à menor mudança de altitude.
Não sei muito dos modernos e tenho receios da caverna de Platão: vivo num mundo de mentiras captadas pela minha televisão.
Jamais compreendi os estatutos da mente.
O mundo não é divertido, afortunadamente.
E mesmo o desengano talvez seja um engano.


Paulo Mendes Campos

Amistad


Depois de alguns anos guardado na estante, revi o filme Amistad. A primeira vez que o assisti ainda era acadêmico de Direito da UFPB e o professor de Constitucional nos passou um trabalho sobre direitos humanos através dos anos. Nele, havia a expressa recomendação para ver "Amistad".


A película gravada em 1997 se passa na Costa de Cuba, 1839. Dezenas de escravos negros se libertam das correntes e assumem o comando do navio negreiro La Amistad. Eles sonham retornar para a África, mas desconhecem navegação e se vêem obrigados a confiar em dois tripulantes sobreviventes, que os enganam e fazem com que, após dois meses, sejam capturados por um navio americano, quando desordenadamente navegaram até a costa de Connecticut. Os africanos são inicialmente julgados pelo assassinato da tripulação, mas o caso toma vulto e o presidente americano Martin Van Buren (Nigel Hawthorn), que sonha ser reeleito, tenta a condenação dos escravos, pois agradaria aos estados do sul e também fortaleceria os laços com a Espanha, pois a jovem Rainha Isabella II (Anna Paquin) alega que tanto os escravos quanto o navio são seus e devem ser devolvidos. Mas os abolicionistas vencem, e no entanto o governo apela e a causa chega a Suprema Corte Americana. Este quadro faz o ex-presidente John Quincy Adams (Anthony Hopkins), um abolicionista não-assumido, sair da sua aposentadoria voluntária, para defender os africanos.

Ainda não viu ? Veja!!

Salmo 136


Nem por abandonadas se calavam
As harpas dos salgueiros penduradas.
Se os dedos dos hebreus as não tocavam,
O vento de Sião, nas cordas tensas,
A música da memória repetia.
Mas nesta Babilónia em que vivemos,
Na lembrança Sião e no futuro,
Até o vento calou a melodia.
Tão rasos consentimos nos pusessem,
Mais do que os corpos, as almas e as vontades,
Que nem sentimos já o ferro duro,
Se do que fomos deixarem as vaidades.

Têm os povos as músicas que merecem.


José de Sousa Saramago

TV Brasil: católicos e evangélicos fora do ar

Conselho Curador da EBC tende a vetar atrações que divulguem crença específica.

O Conselho Curador da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) deve tirar do ar os programas católicos e evangélicos hoje veiculados pela TV Brasil e pelas oito emissoras de rádio que compõem a rede pública criada pelo governo Lula.

Assim tendem a decidir os integrantes do conselho da EBC que analisarão a questão em 7 de dezembro.

O tema religião, porém, não será banido. A ideia é que seja abordado de forma mais ampla, sem programa específico sobre uma ou outra crença.

A proposta deve ser apresentada para votação do conselho sob a forma de uma minuta de resolução.

Está madura entre os conselheiros a ideia de que a rede pública deve aumentar o diálogo com as religiões.


Deu na Folha de S. Paulo

sábado, 20 de novembro de 2010

Vila do sossego - Cássia Eller

Papa diz que uso de preservativo pode ser justificado e cita uso na prostituição como possível passo para moralização


Declaração está em livro a ser lançado na próxima semana.

Em um livro de entrevistas a ser lançado na terça-feira (23), o Papa Bento XVI afirma que o uso de preservativos é justificado "em certos casos", especialmente para reduzir o risco de contaminação pelo vírus da Aids. O Papa cita como exemplo uma prostituta que, ao usar o preservativo para se proteger, estaria dando "o primeiro passo para uma moralização".

O livro, que será publicado na Alemanha e tem como título "Luz do mundo: o Papa, a Igreja e os sinais do tempo", é baseado em 20 horas de entrevistas conduzidas pelo jornalista Peter Seewald.

Até o momento, o Vaticano proíbe o uso de qualquer forma de contracepção - aceita apenas a abstenção -, mesmo como forma de evitar doenças sexualmente transmissíveis.

Bento XVI provocou reações internacionais em março de 2009 durante uma visita à África, continente devastado pela Aids, ao afirmar à imprensa que a doença era uma tragédia que não podia ser combatida com a distribuição de preservativos, o que na opinião dele até agravava o problema.



G1
Hoje o meu filho Yan, do alto de seus 4 aninhos, resolveu iniciar-se nas artes plásticas. Massa de modelar nas mãos e uma idéia de criança na cabeça, puxou-me ao chão da sala e pôs-se, entre suas mãozinhas, a dar vida a sua primeira obra de arte.

Ao final, além de assinar a tela, deu nome as criaturas: João Ferrão e Quenturinha!

Agora, é só esperar a ascensão do artista, certamente.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A idade do lobo (dos 40 aos 50)

Depois dos 40 anos de idade, o homem passa a percorrer pelo desconhecido mundo da meia-idade. É a maior transição enfrentada por ele. Para alguns é o deslocamento de águas plácidas e serenas, para um oceano revolto e agitado. A travessia quase sempre torna-se turbulenta e difícil.

É o momento em que o homem avalia seus sonhos, alvos e projetos e fica satisfeito ou frustrado; é quando ele passa a questionar tudo, inclusive a vida. Muitos dizem que na faixa dos 40 anos, os homens transformaram-se em "lobos vorazes", saindo à caça de presas, de amores antigos, que satisfaçam sua auto-afirmação masculina e cobiça. Mas a busca extraconjugal não passa de uma simples aspirina, um alívio temporário a conflitos emocionais mais sérios. Alguém descreveu a crise da meia-idade do homem como a época em que este se depara com quatro inimigos: o corpo (o passar dos anos começa a pesar), o trabalho (está realizado em relação a ele ou não?), a família (as muitas e diversas pressões que ela lhe impõe), Deus (ele é o culpado de todos os seus problemas). Enfim, quando ele reavalia seu valor pessoal, quando há alvos e sonhos não alcançados; quando a rotina e a monotonia massacram, a aventura ou uma nova forma de realização estão do outro lado da porta de sua casa, convidando-o. Quando a esposa e os filhos já não dependem tanto dele; quando ele inicia uma batalha para que sua aparência física ainda desperte admiração e desejo do sexo oposto; quando "cai a ficha" de que ele não viverá para sempre - o chão lhe foge dos pés e o homem entra em crise.

Como sobreviver à crise da meia-idade? Algumas dicas práticas seriam: reconhecer as mudanças; cuidar da auto-estima e identidade pessoais; incorporar as mudanças que o enriquecerão positivamente; estar aberto a transformações e possibilidades futuras; construir uma identidade adequada ampliando e diversificando papéis significativos em outras áreas de sua vida e expressar seus sentimentos. O homem precisa saber que não está sozinho em suas lutas. A expressão dos sentimentos equivale a uma declaração de que se é realmente um ser humano integral. Por mais que se enfatize, nunca será exagerado salientar a importância da amizade fiel, confiável. É muito importante e mais ameno percorrer os altos e baixos da crise da meia-idade na companhia de pessoas de confiança.

A esposa, os filhos e as pessoas que amam verdadeiramente este homem de meia-idade, terão que ter sabedoria suficiente para ajudá-lo a vencer esta difícil etapa de sua vida. A falta de compreensão, a crítica constante, a falta de carinho e dedicação serão como uma fórmula para perdê-lo.

"A sabedoria do homem prudente é discernir o caminho, mas a insensatez dos tolos é enganosa" (Provérbios 14:8)


* Adaptação do texto de autoria de Jaime Kemp.

Canção das mulheres

Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.


Lya Luft

Petisqueiro do tempo

Sobre a Escrita...


Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio.

Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.

Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo - é por esconderem outras palavras.

Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.

Simplesmente não há palavras.

O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita são como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal, e mineral e vegetal também. Sim, mas é a sorte às vezes.

Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranqüilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora.

Simplesmente as palavras do homem.


Clarice Lispector

Texto extraído do site "Sobrado".

Pecado da gula


Não teve jeito! Assim não há dieta que resista ao apelo de uma banana frita gratinada com queijo de coalho, banhada com mel de engenho e polvilhada com açucar, canela e chocolate em pó.

Dá para achar que a vida não é um doce? Durma-se com um pecado desses!!!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010


"Comovo-me em excesso, por natureza e por ofício.
acho medonho alguém viver sem paixões".


Graciliano Ramos

Minha felicidade.

Depois de estar cansado de procurar. Aprendi a encontrar. Depois que um vento se opôs a mim. Navego com todos os ventos.


Nietzsche - Gaia Ciência

Um jeito fácil de ser feliz

Você sabia que existe um jeito muito fácil de ser feliz? É simplificando as coisas.

Sabe aquela discussão boba e sem assunto com a mulher amada? Deixe de lado. Sabe aquele problema que parece insolúvel? Deixe o tempo se acomodar, que as respostas irão fluir. Sabe aquele projeto que não deu certo? Não fique se lamentando: outros mais virão pela frente.

Assim é a nossa vida. Um dia vive-se a glória, no outro nem tanto. Mas para que ficar esquentando a cabeça ou deixando que a ansiedade tome conta do seu pensamento, desperdiçando uma energia poderosa? Para que ficar martelando sobre assuntos e coisas sem futuro, insistindo em razões sem sentido ou impróprias para a nossa essência?

Assim, ao acordar pela manhã, faça uma promessa: a partir de hoje, usarei a simplicidade como um grande instrumento em busca da minha felicidade. Faça isso e seja feliz!


Adonai Zanoni de Medeiros

Os pobres não são bandidos

É notável o esforço nacional de erradicar a pobreza. Em dez anos conseguimos reduzir à metade o número de pessoas que vivem em situação degradante. Não é coisa pequena a se considerar que estamos falando de um contingente de 27 milhões de brasileiros. Na escalada social, outros 30 milhões ingressaram na classe média, que já representa mais de 50% da população. Eles passaram a participar de forma significativa do mercado de consumo, inclusive se tornaram alvo até das agências de viagem.

Compram refrigeradores, viajam de avião, têm TV de plasma, adquirem a casa própria, mas continuam sendo vítimas da violência. Como toda a sociedade brasileira, essas pessoas foram iludidas com a ideia de que bastaria romper o limiar da pobreza para que o sol nascesse generoso e trouxesse a paz social. Não foi o aconteceu. Ao contrário, enquanto os indicadores de renda e emprego tiveram melhora significativa, a criminalidade observou movimento inverso.

Os números são contundentes neste sentido e definitivamente não mentem. Conforme aponta o Mapa da Violência 2010, cuja base de dados é o Sistema de Informação sobre Mortalidades do DATASUS, o número de homicídios na população total cresceu no País 17,8% entre 1997 a 2007. No Nordeste, o incremento foi de 97,9% no período; no Norte de 76,5%; no Sul de 62,1% e no Centro-Oeste de 33,8%. A tragédia não é maior porque houve queda significativa do número de assassinatos em São Paulo, onde o decréscimo verificado atingiu 50,3% e no Rio de Janeiro, com menos 20,8%, Estados que representam quase um terço da população.

Há indicadores ainda mais expressivos sobre o aumento significativo da violência no Brasil. De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional, a população carcerária experimentou um crescimento de 60,1% no intervalo de dezembro de 2003 a junho de 2010. Já nos últimos cinco anos, o número de presos por roubo qualificado saltou de 51.883 para 79.933. No caso do furto qualificado, a população carcerária cresceu 97%, enquanto os presos por extorsão aumentaram em 121%. O pior indicador é do número de encarcerados por tráfico de drogas, cujo crescimento foi de 207%.

A pergunta que se impõe é justamente essa: não era só diminuir a pobreza para que os indicadores de violência despencassem? Certamente os arautos das causas sociais como fontes exclusivas da criminalidade devem estar revendo os próprios conceitos de que o pobre é necessariamente bandido. O crime contra o patrimônio é fertilizado exatamente no meio onde há riqueza e não o oposto. A tendência praticamente consagrada de o Brasil superar a miséria e se projetar como quinta economia do mundo poderá implicar em mais criminalidade, uma vez que temos uma legislação penal leniente com a bandidagem e a cultura arraigada da não punição dentro do próprio Ministério da Justiça.

No Brasil se fala em cidadania como uma palavra de propriedade mágica, quando o vocábulo é só uma expressão da filosofia criminal pernóstica. O crime é uma ameaça real à sociedade brasileira e basta observar os dados da FIESP que apontam um custo anual da corrupção na ordem de R$ 69 bilhões, um pouco além do dobro de que o Brasil necessita para universalizar a Escola em Tempo Integral.

A cada dia as instituições e a democracia perdem substância para o avanço do tráfico de drogas, esse sim um dos grandes indutores da violência. Não há Pré-sal ou qualquer fonte retórica de grandeza que substitua a imperiosa necessidade de o Brasil encetar política nacional de segurança pública, o que significa eficiência dos sistemas policial, da Justiça criminal e penitenciário. Fora disso, falar só em causas sociais da violência é tergiversar. A autoridade que usa do argumento social seria mais produtiva caso se dedicasse à importantíssima tarefa de fritar bolinho de arroz


Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Aniversário

Pai, que não conheci (pois conhecer não é
Este engano de dias paralelos,
Este tocar de corpos distraídos,
Estas palavras vagas que disfarçam
O intransponível muro):
Já nada me dirás, e eu não pergunto.
Olho, calado, a sombra que chamei
E aceito o futuro.


José de Sousa Saramago

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Hora de relaxar. Jardim Zen

Pensamentos soltos


“Sem advogado não se faz justiça” – essa frase aparece freqüentemente em adesivos colados em carros. Ela não é verdadeira. Se um advogado acredita que ela é verdadeira, falta-lhe inteligência. Sugiro a substituição da dita frase por “O advogado, se quiser, pode ajudar a fazer justiça. Se não quiser, pode ajudar a fazer injustiça.” O “fazer justiça” não pertence à profissão do advogado. Ninguém vira “fazedor de justiça” por ter diploma de advogado. O Lalau que o diga. A justiça pertence à ordem da ética – que é uma condição espiritual que o indivíduo advogado pode ou não ter.


· Os compositores colocam no início das partituras indicações sobre o tempo e o espírito com que devem ser tocadas: Allegro vivace, Largo, Allegretto, Lantgsam und sehnsuchtsvoll, Andante espressivo, Grave, etc. Acho que os escritores deveriam fazer a mesma coisa com seus textos. As pessoas lêem mal porque não sabem o ritmo e o espírito do texto. Sobre isso falarei mais.


· Estou me roendo de vontade de escrever umas estorinhas cômicas a partir da Bíblia. Por exemplo: Quem diria que Caim matou Abel porque Deus não era vegetariano? E a mula de Balaão que falou hebraico? E o “monte dos prepúcios”? E a praga de hemorróidas que Javé enviou sobre os soldados filisteus que haviam roubado a Arca? E o profeta careca – como eu – Eliseu, que invocou um urso que comeu um bando de meninos que estavam rindo da sua careca? E as duas filhas que embebedaram o pai para transar com ele? E a mulher que virou para trás e se transformou numa estátua de sal? No meio de coisas maravilhosas a Bíblia contém também muito humor. Claro, para quem tem senso de humor...


· “O povo unido jamais será vencido”. Afinal de contas, o que é “povo”? “Povo” me parece uma palavra tão vazia quanto Deus. Todo mundo fala “povo”, todo mundo fala “Deus”. Os ditadores falam em nome do povo. Os líderes partidários falam em nome do povo. Mas, o que é o povo? Torcida de futebol? As pessoas vendo o programa do Ratinho? As multidões dançando as missas do Pe. Marcelo?: Os eleitores depositando seus votos?


· Da minha cadeira vejo os sanhaços azuis comendo os coquinhos da areca-bambu. Ver os sanhaços me faz feliz. Lembro-me de que eles gostam de fazer buracos nos mamões maduros e entrar lá dentro para comer mais confortavelmente...


· Meu filho mais velho, o Sérgio, com a companheira, Ana Marta, fizeram a caminhada a pé até Machupichu (Não sei se é assim que se escreve). Contou dos cenários maravilhosos que iam aparecendo à medida em que subiam. Chegando a um lugar onde deveriam descansar por 40 minutos, ficaram extasiados contemplando os vales e as montanhas. Uma turista americana, entretanto, deitou debaixo de uma árvore e pôs-se a ler o livro. Não estava interessada em ver as belezas que havia no caminho. O seu objetivo era só chegar lá em cima. O livro era mais interessante. Nietzsche fala muito sobre os turistas estúpidos que se esfalfam para chegar ao alto da montanha sem perceber as belezas que existem no caminho.


· Veio-me, faz uns minutos, sem que eu quisesse, uma coisa que estava escrita na porta do laboratório de um colega meu da UNICAMP, se não me engano o Paulo Ana Bobbio: “Havendo Deus colocado limites definidos à nossa inteligência, é profundamente lamentável que ele não tivesse colocado limites também para a nossa ignorância”.


· Florais de Bach: confesso minha ignorância. Nada sei sobre os seus poderes. Mas sei muito sobre os poderes terapêuticos dos “Corais de Bach”. A música tem poderes mágicos. Nietzsche fala sobre isso no seu livro O nascimento da tragédia grega – a partir do espírito da música. A música entra no corpo e o possui. A experiência estética com a música é uma experiência de “possessão”.


· Uma amiga querida que acaba de me visitar me contou da sua experiência com a quimioterapia. O mal-estar terrível, sobre o fundo sombrio da doença. A impossibilidade de comer qualquer coisa, inclusive de beber água. Media a água que bebia com colherinhas, para não vomitar. Quando melhorou e conseguiu beber uns golinhos d’água, experimentou algo que nunca tinha sentido antes: a absurda felicidade de beber água. Vou prestar mais atenção na água, na próxima vez que for beber...


· No seu leito de morte, o velhinho de repente sentiu um desejo: “Minha filha, estou com muita vontade de comer um pastel de carne...” Ao que ela lhe respondeu: “Mas papai, pastel tem colesterol...” Um médico, dirigindo-se a uma velhinha de 90 anos, exames de laboratório perfeitos, exceto um discreto aumento na taxa de glicemia: “A senhora tem de comer menos doces...”


Rubem Alves

sábado, 13 de novembro de 2010


Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
"As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos".
O meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa....
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!


Mário de Andrade

Bob Marley

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

As Minhas Mãos


As minhas mãos magritas, afiladas,
Tão brancas como a água da nascente,
Lembram pálidas rosas entornadas
Dum regaço de Infanta do Oriente.

Mãos de ninfa, de fada, de vidente,
Pobrezinhas em sedas enroladas,
Virgens mortas em luz amortalhadas
Pelas próprias mãos de oiro do sol-poente.

Magras e brancas... Foram assim feitas...
Mãos de enjeitada porque tu me enjeitas...
Tão doces que elas são! Tão a meu gosto!

Pra que as quero eu - Deus! - Pra que as quero eu?!
Ó minhas mãos, aonde está o céu?
...Aonde estão as linhas do teu rosto?


Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

O Recuo das Organizações da Sociedade Civil organizada de Pombal


Costumo dizer que vivemos um grande dilema da lutas de classes, em conseqüência de vivermos Governos dito “esquerda” que tem inchaço nas administrações denominadas de cunho “democrático e Popular”, por cooptar militantes/militontos, que afirma que as mudanças já acontecem e não mais participa as lutas de Classes.

Quero dizer que temos assistido, observado e vivenciado nestes últimos anos, o verdadeiro vácuo das discussões de defesa de interesse público, por acreditar que a “maquina administrativa” já consegue resolver os problemas e não o problemão que a classe mais pobre e necessitada almeja.

Há de lembrar que luta de classe tem uma história importante na vida do povo Brasileiro, é não é diferente em nosso Município.

É interessante fazer uma releitura da luta pela constituição de 88, entender a essência de onde surgiram os movimentos sociais no Brasil, para compreender o contexto de onde estamos inseridos e que caminhos seguir.
Vejamos um pouco de nossa História.

A análise dos movimentos sociais no Brasil revelam forte enfoque teórico oriundo do marxismo, sejam eles vinculados ao espaço urbano e/ou rural.
Tais movimentos, quando se referiam ao espaço urbano possuíam um leque amplo de temáticas como por exemplo, as lutas por creches, por escola pública, por moradia, transporte, saúde, saneamento básico, infância e adolescência etc.

Cada um dos movimentos possuía uma reivindicação específica, no entanto, todos expressavam as contradições econômicas e sociais presentes na sociedade brasileira.E em nosso município como tem sido seu comportamento?

No início do século XX, era muito mais comum a existência de movimentos ligados ao rural, assim como movimentos que lutavam pela conquista do poder político.

Os movimentos populares urbanos foram impulsionados pelas Sociedades Amigos de Bairro - SABs - e pelas Comunidades Eclesiais de Base - CEBs. Nos anos 1960 e 1970, mesmo diante de forte repressão policial, os movimentos não se calaram.

Entendendo o nosso município, através dos Conselhos setoriais, o que tem feito o Conselho da Criança e do adolescente?, E o conselho de saúde, onde estar sua representação? Sem falar que o Conselho de Assistência social si quer sabemos que são seus membros.

Afinal de contar, o que aconteceu com o controle social em Pombal?

O mais engaçado é não saber onde estão os companheiros que constituíram a luta por conselhos setoriais na Cidade, e um agravo maior, não sabemos onde encontrar.


José Ribeiro da Silva

É ex-educando do antigo Clube do Menor Trabalhador, hoje Centro de Educação Integral “Margarida Pereira da Silva” (CEMAR) onde hoje é o Presidente. Antes fora eleito Conselheiro Tutelar do município de Pombal tendo larga militância no trabalho com crianças e adolescente atuando também como educador social do MNMMR (Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua) desde 1985, foi ex-educador social da Prefeitura de Santo André – São Paulo, ex-chefe de equipamentos sociais do município de Mauá-SP e ex-educador social do projeto meninos e meninas de rua de São Bernardo do Campo - SP. Há anos vem desempenhando suas atividades a frente do CEMAR, dando continuidade ao profícuo trabalho de Margarida Pereira da Silva

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo.


Guimarães Rosa

Balé de Genebra. Coreografia: Annabelle Lopez Ochoa. Dançarinos: Celine Cassone e Gregory Batardon. Música: J.S. Bach.

Por que ver televisão hoje?

Quem hoje em dia se senta em frente à TV experimenta uma sensação antiga e nova ao mesmo tempo. O motivo que levava romanos às arenas e leva ainda hoje os espanhóis a touradas, brasileiros a rinhas de galo, americanos à luta livre, foi modificado pela sensação de paz muito próxima do atordoamento que sempre foi prometida pela representação ficcional em geral. Quem quer assistir à guerra, à violência, à miséria, quer também que seu voyerismo – seu insano desejo de ver – esteja protegido e que seu corpo não esteja ameaçado. Espera ver algo real, mas protegido pelo como se fosse real. A promessa das artes, da literatura, do cinema e do visual em geral foi a de que seria possível apreciar a violência ou o horror, porém, sem se envolver com ela, ficar em paz. A televisão superespecializou esta possibilidade.

A distância que temos do real e do atual (o mundo material e de relações compartilhado) é produzida pela escrita, pelo teatro, pela arte em geral. A fotografia e o cinema enquanto funcionaram em preto e branco deixaram clara a separação entre a ficção e a realidade. O que era imagem estava “preto no branco” literalmente. Esta distância permitia “pensar criticamente” o que era visto. Tratava-se de imagem e isto era claro. Hoje, sob o paradigma da videosfera inaugurada com a Tv colorida nos anos sessenta, é possível dizer que “vejo e logo existo” ou que só existo porque vejo. A promessa de paz que a representação produzia, por ser representação e não realidade, inaugurou um problema novo, bem antigo, porém, na filosofia: o que é o real? A confusão entre visual e real só existe porque o olhar se tornou incompetente, mas isso porque talvez ele tenha sido por demais enganado. O olhar regrediu?

A televisão é o ápice de um processo de evolução dos mecanismos óticos e de representação que culmina com o estágio atual da regressão da visão. Assim como muitos não sabem ler, há tantos outros que não sabem ver. Se o espectador não for ajudado a ver a diferença entre ele mesmo e o que ele vê, entre a vida real e atual e o que é representado na tela da televisão, ele corre o risco de se tornar uma distorção real do que ele mesmo contempla. A idéia oriental de que cada um se torna o que contempla pode ajudar a pensar o estágio atual de nossa inabilidade em ver. A televisão neste caso é uma anamorfose, ou seja, uma imagem que precisa de um olhar cuidadoso, que conheça o ângulo próprio para conhecer o mecanismo, para mostrar sua verdade.

É o estatuto da imagem e da realidade que a televisão hoje coloca em xeque ao por em cena uma programação “ao vivo” ou que “parece” ser ao vivo, que simula a instantaneidade do tempo. Não se trata apenas de tentar responder à pergunta “quem sou eu enquanto vejo televisão”, mas de entender o que faz uma coletividade abdicar de tantas outras atividades para ver televisão sendo que constantemente a programação da TV também não atende às suas expectativas? Se a idéia básica de que meu desejo foi seqüestrado numa sociedade das imagens não responde a tudo, será que é pela entrega à visualização que eu adquiro o direito muito mais interessante, o de ser inativo? Que lucro será este?

É valioso, neste ponto, recuperar a questão de Vilém Flusser sobre o desinteresse das pessoas pela vida real em função da avalanche das imagens no seu modo de vida contemporâneo. Será que se espera que as imagens possam restituir algo que perdemos e nem sabemos que perdemos? Nós mesmos, nossa complexidade, nossa intimidade, nossos segredos. Será que como na antiguidade o desejo de ver o horror na tragédia grega que nos ensinava a pensar na própria vida equivale ao desejo de devassar a vida alheia justamente porque perdemos nossa interioridade e esperamos recuperar algo nosso de autêntico em migalhas sempre ofertadas em programas “espontâneos” e “ao vivo”?

Até que ponto quem vê televisão é vítima desta ilusão? Ver televisão hoje é um modo de se emocionar imediatamente numa sociedade que perdeu de vista o cuidado com sua própria sensibilidade. Uma sociedade que se alimenta intelectualmente da visualização da miséria e da violência como se elas pudessem sanar alguma falta pessoal ao modo das hienas que se alimentam das sobras não comidas pelos leões. Com isto é preciso que se diga que o espectador precisa ser ajudado a ver e isso só é possível se lhe forem dadas as chances para que abra os olhos.

***

A promessa da televisão para o espectador foi complexa. Ao lado da paz proveniente da ação de ficar diante da máquina colorida que simula o real e atual, quem assiste também presencia um conteúdo especial e comum à história humana desde aqueles tais tempos imemoriais que nada mais são do que a barbárie que conhecemos tão bem ainda hoje. As imagens da violência, habituais ao meio, não são gratuitas. Explicar a audiência do sensacionalismo pelo desejo de sangue e violência não é fácil, por que talvez a questão não seja o desejo de violência, mas a falta de outro desejo que anime a vida. Por isso, a inércia diante da TV talvez não seja mera busca de entretenimento, farra e festa, mas ao contrário, desconhecimento de outras possibilidades. E isso define que a forma TV talvez possa ser mudada pela modificação de seu conteúdo.

O conteúdo se faz como forma, a ela pertence. O principal conteúdo da TV para o povo é a violência: a violência física que se pode “contemplar” ou violência simbólica que só se pode absorver inconscientemente. O pequeno gesto de sentar-se diante do aparelho exige um auto-abandono à inércia, misto de contemplação infecunda e ócio físico que dá muito prazer. A isso se chama entretenimento. Com ele nossa cultura cansada de si mesma tece o elogio da sua própria aniquilação. Nenhuma grande experiência espiritual é proposta num meio como a TV porque já não é possível se pensar nisso desde que “entreter” e fazer passar o tempo com a rapidez de uma vida que não quer saber de si, são sinônimos. A própria TV já é fruto da tecnologia que previu a decadência do humano, ele mesmo a grande invenção que cai por terra diante do avanço da técnica.

A indolência diante da TV é uma caricatura da paz que o filme promovia ao jogar o espectador no mundo sempre mais confortável do irreal, da ficção como objeto de contemplação por oposição às dores e horrores da vida real. Aquela função benevolente do espetáculo para amainar as consciências tem outro papel na TV que, quanto mais pretende ser entretenimento, menos promete a ficção. O que ela vende é “o real” que promete substituir o real doloroso da vida mesmo oferecendo um real ainda mais doloroso. A única saída para o espectador é descobrir seu próprio estatuto. A tarefa da televisão é ser honesta com quem nela presta atenção preservando a inteligência necessária antes que a atenção seja eliminada socialmente e diante de aparelhos apenas sobrevivam os que não se importam em ser robôs.

Quem vê televisão precisa saber que se trata apenas de televisão e que isto é muito sério.


Marcia Tiburi

* Publicado na Revista Ponto Tv do Jornal do Brasil n. 26 de 06 de maio de 2007 (p. 7) e n. 27 de 13 de maio de 2007 (p.7).

"Somente onde há sepulturas há também ressurreições"

(Nietzsche)
_____________________________________________________________

Se eu morrer de manhã
abre a janela devagar
e olha com rigor o dia que não tenho.
Não me lamentes. Eu não me entristeço:
ter tido a morte é mais do que mereço
se nem conheço a noite de que venho.
Deixa entrar pela casa um pouco de ar
e um pedaço de céu
- o único que sei.
Talvez um pássaro me estenda a asa
que não saber voar
foi sempre a minha lei.
Não busques o meu hálito no espelho.
Não chames o meu nome que eu não venho
e do mistério nada te direi.
Diz que não estou se alguém bater à porta.
Deixa que eu faça o meu papel de morta
pois não estar é da morte quanto sei."


[Se eu morrer de manhã, Rosa Lobato de Faria]

quarta-feira, 10 de novembro de 2010


E no entanto, eu olho para a chuva, que goteja meus olhos, que molha a minha cabeça!

Os justos

Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.


Jorge Luís Borges
...e tem hora que a vida parece nos faltar almofada!

Nunca se escreve para si mesmo


O escritor não prevê nem conjectura: projecta. Acontece por vezes que espera por si mesmo, que espera pela inspiração, como se diz. Mas não se espera por si mesmo como se espera pelos outros; se hesita, sabe que o futuro não está feito, que é ele próprio que o vai fazer, e, se não sabe ainda o que acontecerá ao herói, isto quer simplesmente dizer que não pensou nisso, que não decidiu nada; então, o futuro é uma página branca, ao passo que o futuro do leitor são as duzentas páginas sobrecarregadas de palavras que o separam do fim.

Assim, o escritor só encontra por toda a parte o seu saber, a sua vontade, os seus projectos, em resumo, ele mesmo; atinge apenas a sua própria subjectividade; o objecto que cria está fora de alcance; não o cria para ele. Se relê o que escreveu, já é demasiado tarde; a sua frase nunca será a seus olhos exactamente uma coisa. Vai até aos limites do subjectivo, mas sem o transpor; aprecia o efeito dum traço, duma máxima, dum adjectivo bem colocado; mas é o efeito que produzirão nos outros; pode avaliá-lo, mas não senti-lo.

Proust nunca descobriu a homossexualidade de Charlus, uma vez que a decidiu antes de ter começado o livro. E se a obra adquire um dia para o autor o aspecto de objectividade, é porque os anos passaram, porque a esqueceu, porque já não entra nela, e seria, sem dúvida, incapaz de a escrever. Aconteceu isto com Rousseau ao reler o Contrato Social no fim da vida.

Não é portanto verdade que se escreva para si mesmo: seria o pior fracasso; ao projectar as emoções no papel, a custo se conseguiria dar-lhes um prolongamento langoroso. O acto criador é apenas um momento incompleto e abstracto da produção duma obra; se o autor existisse sozinho, poderia escrever tanto quanto quisesse; nem a obra nem o objecto veriam o dia, e seria preciso que pousasse a caneta ou que desesperasse.

Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo dialético, e estes dois actos conexos precisam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor e do leitor que fará surgir o objecto concreto e imaginário que é a obra do espírito. Só há arte para os outros e pelos outros.


Jean-Paul Sartre, in 'Situações II'