Em 1999, a repórter Ana Dalla Pria e o cinegrafista Francisco Maffezoli estiveram no Ceará com Patativa do Assaré, e produziram uma bela reportagem sobre o poeta. Em homenagem ao grande poeta brasileiro, o Globo Rural revisitou um trecho da reportagem feita na época.
Vale do rio Jaguaribe, sertão do Ceará. O nome do vilarejo, Assaré. O passarinho cinza-azulado, de temperamento dócil e cantar melodioso é a patativa. Juntando patativa, com Assaré, o resultado é poesia.
“Sou filho das matas,
cantor da mão grossa,
trabalho na roça,
de verde vestido.
A minha choupana,
é tratado de barro,
só fumo cigarro,
de palha de milho.”
Estamos no alto da serra de Santana, lugar onde nasceu Patativa do Assaré, que serviu de inspiração para muitos dos seus poemas e que nunca abandonou, mesmo depois de ganhar fama. No local, Patativa cultivou a terra e as letras.
“Foi aqui,
nessa terra de Santana,
que no dia 5 de março de 1909,
nasceu esse seu poeta,
Patativa do Assaré.”
Pelo nome verdadeiro, Antônio Gonçalves da Silva, pouca gente sabe quem é. Mas pelo apelido Patativa do Assaré, se tornou conhecido de gente de todas as idades do nordeste do Brasil.
Aos 90 anos, Patativa mantinha lucidez de menino, e pouco se incomodava com os problemas de saúde. Ouvia mal, era cego de uma vista desde a infância, enxergava pouco com a outra e caminha com dificuldade.
O Globo Rural foi encontrá-lo no sítio onde nasceu. Patativa sempre viveu da terra. Foi agricultor igual a muitos outros desse sertão.
“Eu fui agricultor, desde criança vivi apegado à roça. Meu pai foi agricultor muito pobre e o que nos deixou foi um diminuto terreno. Gostei de viver assim, em contacto com a natureza, ouvindo cachorro latir, vaqueira boiar”, conta ele.
“Patativa do Assaré se tornou um ser intuitivo, poeticamente intuitivo e criticamente intuitivo. Ele teve pouco tempo de escola e naquela época já dizia que saída da escola porque o professor não sabia nada. Então ele não ia perder tempo ouvindo coisas erradas”, revela Assis Ângelo, jornalista.
“Não tenho sapiência,
pois nunca estudei,
apenas eu sei,
meu nome assinar.
Meu pai, coitadinho,
vivia sem cobre,
e filho dum pobre,
num pode estudar.”
“E começou então, por condições próprias, a ler Camões, José de Alencar, a descobrir os grandes poetas e romancistas da sua época”, prossegue Assis Ângelo.
“Foi com essa leitura constante que eu pude obter vocabulário com o qual eu posso reproduzir, em versos, tudo aquilo que vejo, sinto e quero. Tanto na poesia cabocla como em forma literária”, conta o poeta.
“Tendo por berço o lago cristalino,
folga a peixe a nadar todo inocente,
medo eu retenho do povo inocente,
pois vive incauto do fatal destino.
Se na ponta de um fio,
longo e fino,
a isca avista,
ferra inconsciente,
ficando o pobre peixe, de repente,
preso ao anzol do pescador ladino.
O camponês, também do nosso estado,
ante a campanha eleitoral, coitado,
daquele peixe tem a mesma sorte.
Antes de um pleito, riso e gosto,
Depois do pleito, imposto e mais imposto,
pobre matuto do sertão no norte.”
Mesmo sem ter freqüentado um só ano de escola, Patativa do Assaré publicou cinco livros. Fez seus primeiros versos aos 13 anos, inspirado pelos cantadores de cordel. Quase 80 anos de amor pelas letras. Patativa só passou seis meses na escola. Isso não o impediu de ser Doutor Honoris Causa de pelo menos três universidades e ainda hoje é estudado na Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular Universal, sob a regência do Professor Raymond Cantel.
O passeio pela feria de Assaré era um dos preferidos de Patativa. Aos 90 anos, ele ainda conservava o jeito galanteador. Ele encontrava fãs e amigos, e declarava sua preferência pelos mais humildes. “Não sou muito de granfino. Quanto mais pobre mais bem eu quero, porque ele merece mais atenção. Goza menos na vida e eu dou esse carinho a eles, esse prazer deles ouvir (sic) minhas poesias.”
“Pobre agregado, força de gigante,
escuta amigo, que te digo agora.
Para saíres da fatal fadiga,
do horrível julgo, que cruel te obriga,
a padecer situação precária,
Lutai altivo,
Corajoso, esperto,
pois só verás o teu país liberto,
se conseguires a reforma agrária.”
“Não há maior injustiça, como eu digo, do que o camponês não ter terra para trabalhar. É um negócio muito injusto e triste. Quase como que um crime nascer um camponês e trabalhar até o fim da vida sem possuir um palmo de terra”, lamenta Patativa.
“De noite tu vives na tua palhoça,
de dia na roça,
de enxada na mão.
Julgando que Deus é um pai vingativo,
não vês o motivo, da tua opressão.
Tu és desta vida um fiel penitente,
Um pobre inocente, no bando do réu.
Caboclo não guarde,
contigo essa crença,
a tua sentença,
não parte do céu.”
“Eu canto, tirando essa superstição que o camponês sempre tem, de achar que tudo quando sofre é permitido por Deus”, teoriza ele.
Não se aprende a ser poeta? “Não. Pode aprender a versejar, mas é uma poesia mecânica, que não tem graça.”
Além de Fágner, muitos cantores transformaram as poesias de Patativa em música. O primeiro sucesso da música dele foi “Triste partida”, na voz da Luiz Gonzaga.
Na reportagem do Globo Rural, na ocasião com 90 anos completos, Patativa continuava criando versos. E encarava o futuro com serenidade. O senhor tem medo da morte? “Não. Não tenho.”
“Cachimbando,
sem ver e nem tá ouvindo,
para mim não é absurdo,
vou meu caminho seguindo.
Nunca pensei em morrer,
quem morre cumpre um desígnio,
quando chegar o meu fim,
eu sei que a terra me come,
mas fica vivo o meu nome,
para os que gostam de mim."
Vale do rio Jaguaribe, sertão do Ceará. O nome do vilarejo, Assaré. O passarinho cinza-azulado, de temperamento dócil e cantar melodioso é a patativa. Juntando patativa, com Assaré, o resultado é poesia.
“Sou filho das matas,
cantor da mão grossa,
trabalho na roça,
de verde vestido.
A minha choupana,
é tratado de barro,
só fumo cigarro,
de palha de milho.”
Estamos no alto da serra de Santana, lugar onde nasceu Patativa do Assaré, que serviu de inspiração para muitos dos seus poemas e que nunca abandonou, mesmo depois de ganhar fama. No local, Patativa cultivou a terra e as letras.
“Foi aqui,
nessa terra de Santana,
que no dia 5 de março de 1909,
nasceu esse seu poeta,
Patativa do Assaré.”
Pelo nome verdadeiro, Antônio Gonçalves da Silva, pouca gente sabe quem é. Mas pelo apelido Patativa do Assaré, se tornou conhecido de gente de todas as idades do nordeste do Brasil.
Aos 90 anos, Patativa mantinha lucidez de menino, e pouco se incomodava com os problemas de saúde. Ouvia mal, era cego de uma vista desde a infância, enxergava pouco com a outra e caminha com dificuldade.
O Globo Rural foi encontrá-lo no sítio onde nasceu. Patativa sempre viveu da terra. Foi agricultor igual a muitos outros desse sertão.
“Eu fui agricultor, desde criança vivi apegado à roça. Meu pai foi agricultor muito pobre e o que nos deixou foi um diminuto terreno. Gostei de viver assim, em contacto com a natureza, ouvindo cachorro latir, vaqueira boiar”, conta ele.
“Patativa do Assaré se tornou um ser intuitivo, poeticamente intuitivo e criticamente intuitivo. Ele teve pouco tempo de escola e naquela época já dizia que saída da escola porque o professor não sabia nada. Então ele não ia perder tempo ouvindo coisas erradas”, revela Assis Ângelo, jornalista.
“Não tenho sapiência,
pois nunca estudei,
apenas eu sei,
meu nome assinar.
Meu pai, coitadinho,
vivia sem cobre,
e filho dum pobre,
num pode estudar.”
“E começou então, por condições próprias, a ler Camões, José de Alencar, a descobrir os grandes poetas e romancistas da sua época”, prossegue Assis Ângelo.
“Foi com essa leitura constante que eu pude obter vocabulário com o qual eu posso reproduzir, em versos, tudo aquilo que vejo, sinto e quero. Tanto na poesia cabocla como em forma literária”, conta o poeta.
“Tendo por berço o lago cristalino,
folga a peixe a nadar todo inocente,
medo eu retenho do povo inocente,
pois vive incauto do fatal destino.
Se na ponta de um fio,
longo e fino,
a isca avista,
ferra inconsciente,
ficando o pobre peixe, de repente,
preso ao anzol do pescador ladino.
O camponês, também do nosso estado,
ante a campanha eleitoral, coitado,
daquele peixe tem a mesma sorte.
Antes de um pleito, riso e gosto,
Depois do pleito, imposto e mais imposto,
pobre matuto do sertão no norte.”
Mesmo sem ter freqüentado um só ano de escola, Patativa do Assaré publicou cinco livros. Fez seus primeiros versos aos 13 anos, inspirado pelos cantadores de cordel. Quase 80 anos de amor pelas letras. Patativa só passou seis meses na escola. Isso não o impediu de ser Doutor Honoris Causa de pelo menos três universidades e ainda hoje é estudado na Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular Universal, sob a regência do Professor Raymond Cantel.
O passeio pela feria de Assaré era um dos preferidos de Patativa. Aos 90 anos, ele ainda conservava o jeito galanteador. Ele encontrava fãs e amigos, e declarava sua preferência pelos mais humildes. “Não sou muito de granfino. Quanto mais pobre mais bem eu quero, porque ele merece mais atenção. Goza menos na vida e eu dou esse carinho a eles, esse prazer deles ouvir (sic) minhas poesias.”
“Pobre agregado, força de gigante,
escuta amigo, que te digo agora.
Para saíres da fatal fadiga,
do horrível julgo, que cruel te obriga,
a padecer situação precária,
Lutai altivo,
Corajoso, esperto,
pois só verás o teu país liberto,
se conseguires a reforma agrária.”
“Não há maior injustiça, como eu digo, do que o camponês não ter terra para trabalhar. É um negócio muito injusto e triste. Quase como que um crime nascer um camponês e trabalhar até o fim da vida sem possuir um palmo de terra”, lamenta Patativa.
“De noite tu vives na tua palhoça,
de dia na roça,
de enxada na mão.
Julgando que Deus é um pai vingativo,
não vês o motivo, da tua opressão.
Tu és desta vida um fiel penitente,
Um pobre inocente, no bando do réu.
Caboclo não guarde,
contigo essa crença,
a tua sentença,
não parte do céu.”
“Eu canto, tirando essa superstição que o camponês sempre tem, de achar que tudo quando sofre é permitido por Deus”, teoriza ele.
Não se aprende a ser poeta? “Não. Pode aprender a versejar, mas é uma poesia mecânica, que não tem graça.”
Além de Fágner, muitos cantores transformaram as poesias de Patativa em música. O primeiro sucesso da música dele foi “Triste partida”, na voz da Luiz Gonzaga.
Na reportagem do Globo Rural, na ocasião com 90 anos completos, Patativa continuava criando versos. E encarava o futuro com serenidade. O senhor tem medo da morte? “Não. Não tenho.”
“Cachimbando,
sem ver e nem tá ouvindo,
para mim não é absurdo,
vou meu caminho seguindo.
Nunca pensei em morrer,
quem morre cumpre um desígnio,
quando chegar o meu fim,
eu sei que a terra me come,
mas fica vivo o meu nome,
para os que gostam de mim."
Patativa do Assaré,
1909 – 2002