sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A caverna de Platão


Por isso, a alegoria da caverna de Platão, sobre a qual trata o livro 7 de uma das mais importantes obras deste filósofo, a República, é ainda relevante hoje. Muitos conhecem o famoso texto como uma interpretação da lucidez dos filósofos contra a ignorância dos que não pensam e permanecem a crer nas sombras dentro da caverna.

Esta é uma interpretação correta, mas podemos ir além. A caverna da alegoria é uma habitação. As pessoas vivem ali cegas do que se passa ao seu redor. Não tem experiência do que vivem e por isso podemos dizer que não habitam. Olham as sombras projetadas no fundo da caverna como se fossem as coisas reais. Para elas tanto faz o que acontece.

Quando Platão desenvolve esta narrativa seu interesse é dizer que as idéias, não as coisas, é que são verdadeiras; que há algo mais verdadeiro além do mundo que a visão alcança. Hoje em dia podemos resumir a idéia de Platão à desatenção que temos pelo mundo que nos cerca.

Pensar e morar

Platão escreveu a República pensando numa utopia, na organização perfeita de uma cidade. A casa estava dentro dela e não deveria ser uma caverna. As pessoas teriam que ter paciência para sair dela.

Hoje, porém, a caverna, que para Platão era uma metáfora, tornou-se também real. Sair da caverna hoje significa enfrentar a verdade da rua. Perceber o quanto nossa casa, nosso modo de morar é o resultado do que nos oferece a nossa sociedade. Nossa casa é o resultado da vida comum, do que entendemos que é a rua hoje. Apartamentos pequenos com cômodos onde apenas um pode entrar, muros altos, grades protetoras. Um dos aspectos mais significativos é o tamanho minúsculo das janelas dos apartamentos em prédios novos. Grandes vidraças ou sacadas são um luxo em tempos em que ver a rua, a cidade com suas luzes e sombras se tornou acessível a poucos. Ver é um luxo. Como posso entrar em casa e perceber que o mundo que está lá fora também me pertence? Que o que está fora de casa faz parte de minha casa se sempre aparece separado do que eu vivo? Onde está a arquitetura que deveria nos ajudar a habitar o lugar onde vivemos?

A minha casa

Espaço é um luxo tão grande quanto o tempo. O espaço é a dimensão do corpo e da relação entre os corpos que nos permite ter sensação de aproximação e distância. A distância é o lugar onde não podemos habitar. É a rigor um não lugar? Nosso mundo está cheio dela.

Por isso, vivemos sem lugar e encontrar um traz a sensação de completude.
Todos os seres animais e humanos precisam abrigo, esconderijo, descanso, conforto. Uma casa significa tudo isso.

Mas podemos morar nela sem habitá-la. É o que acontece conosco quando desistimos de pensar no universo, no planeta Terra, no continente, no país, na sociedade, na cidade, no bairro, na comunidade. Nosso lar é onde aprendemos o que é habitar. Nele a aproximação deve estar acima da distância. Nossa casa mais próxima, a das quatro paredes ao nosso redor, pode se tornar uma caverna como a de Platão. Lugar onde nos escondemos e aos nossos tesouros, lugar sem relação com o mundo fora dele.

A caverna é uma crença que deveríamos tentar desmistificar quando a tendência é que as casas se transformem em cavernas.

Que a distância supere a aproximação. Nosso mundo será bárbaro se isto acontecer. Hoje, enquanto o espaço diminui, a distância entre nós aumenta.

Saber da distância é o único jeito de ser maior do que ela.



Marcia Tiburi

Um comentário:

Unknown disse...

CASA É UMA PALAVRA MARAVILHOSA; PELO MENOS PARA MIM, PORQUE SEI QUE PARA MUITOS NÃO É; POIS A MESMA PODE SIGNIFICAR BRIGAS,CONFUSÃO,VIOLÊNCIA DOMESTICA...ENFIM. ACHO QUE A NOSSA CASA DEVE SER O REFLEXO MATERIAL DO NOSSO EU INTERIOR; EU ,PELO MENOS QUANDO CHEGO EM CASA,PARECE QUE ESTOU ENTRANDO NO CÉU, JÁ QUE O MUNDO LÁ FORA... (É NA NOSSA CASA QUE PODEMOS SER O QUE VERDADEIRAMENTE SOMOS, NÃO QUE NO MUNDO LÁ FORA DEIXEMOS DE SER AUTÊNTICOS; O PROBLEMA É QUE EM UM MUNDO DE INÚMERAS FORMAS DE VIOLÊNCIA, A NOSSA CASA, AO LADO DE QUEM AMAMOS, É QUE PODEMOS ABRIR POR COMPLETO A NOSSA ALMA, JUNTAMENTE COM UM SER IGUAL A NÓS MESMOS E QUE SE TORNA O MESMO QUE NÓS. CÚMPLICE,AMANTE,AMIGA...AMOR. TALVEZ POR ISSO O MUNDO JAMAIS SUBSTITUIRÁ A NOSSA CASA, MAS A NOSSA CASA PODE SUBSTITUIR O MUNDO INTEIRO.