Pode ser nostalgia das quatro estações, na verdade é, mas acho que o Rio
seria melhor se as tivesse de forma nítida, diferenciada, não todas num só dia,
como às vezes acontece, e sim cada uma a seu tempo, a exemplo do que ocorre com
a vida da gente e na bela música de Vivaldi.
Com o atual desequilíbrio climático, não se fazem mais estações como
antigamente, quando os poetas e seresteiros escolhiam a preferida para cantar.
Carlos Drummond de Andrade exaltou a primavera, a exemplo de Rubem Braga.
Já outro cronista, Paulo Mendes Campos, dizia que o Rio era “praticamente o
mês de fevereiro”. Ele garantia: “Quem vive esses dias viveu tudo (ou quase
tudo).” Manuel Bandeira escolheu o verão para uma elegia cheia de evocações:
“Deem-me as cigarras que ouvi menino.”
Do nosso cancioneiro popular, um dos mais pungentes hinos do amor perdido se
passa nesse período de agora, fim de verão/começo de outono. É “As rosas não
falam”, do grande Cartola. “Bate outra vez/Com esperança o meu coração/Pois já
vai terminando o verão, enfim” (nessa música, há uma divertida autocorreção do
poeta, fingindo dar-se conta de que disse uma tolice: “Queixo-me às rosas,/Mas
que bobagem,/As rosas não falam”). E ele continua: “Volto ao jardim/Na certeza
que devo chorar/Pois bem sei que não queres voltar/Para mim.”
De minha modesta parte, curto o verão e gosto tanto do calor que — meu
dermatologista que não ouça — costumo expor a careca ao sol inclemente do
meio-dia, sem chapéu, só com um cremezinho que não protege muito.
O suor escorrendo, a cabeça cozinhando, a endorfina agindo, é um prazer quase
erótico. Mas mesmo assim preferiria que o verão, como o pensamento, não fosse
único. Embora admitindo que frio não dá samba nem poesia, o inverno carioca me
tenta, porque é quando a cidade é mais amena, a luz mais transparente, o ar mais
fresco e o sol menos tórrido, aquecendo, em vez de queimar.
Mas voltando à desordem ecológica. Nada melhor para ilustrar seus trágicos
efeitos (e o descaso das autoridades) do que as águas de março. Cantadas como
“promessas de vida” por Tom Jobim, elas se tornaram, ao contrário, ameaças de
morte nas cidades serranas fluminenses, com enchentes, desabamentos e, em
consequência, centenas de vítimas nestes últimos anos.
A triste ironia é que a linda música de Tom foi composta em seu sítio Poço
Fundo, na região de Petrópolis, quando das chuvas torrenciais resultava poesia,
não a morte de mais de 30 pessoas, como agora.
Zuenir Ventura é jornalista
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário