quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A arte de espremer cravos da pessoa amada - II

Retomo alguma esperança na humanidade.

A primeira manifestação amorosa que testemunhei no ano novo foi uma mulher tirando cravos do seu homem.

No caminho entre a praia de Carneiros e o Recife. Precisamente no bar do Marcão, Maracaípe, parada do almoço, com rock progressivo na sonoridade ambiente.

O sol por testemunha, velho Hemingway, acredite: naquela cena havia a reinvenção do macho e da fêmea.

Ela resgatava a grande arte de tirar cravos na napa do seu mancebo. Uma arte que anda um tanto quanto obsoleta, uma arte quase morta.

O velho Hemingway gostava tanto de ter o rosto mexido pela costela amada que retribuía o ato, como vemos ai na foto com a sua bela Mary.

Retomo a esperança na humanidade.

O melhor é que era uma gazela moderna. Nem combinava com aquele viejo e cansado rock progressivo que saía do violão do moço.

Moderníssima protagonista de uma cena que parecia tão demodê, tão das antigas.

Preferimos, aqui neste panfleto inaugural de 2012, incentivar a prática de espremer cravos e espinhas a testemunhar o horror e o triunfo da invasão dos homens nos salões de beleza.

Na manifestação feminina de Maracaípe vi Deus refazer o macho-jurubeba a partir da costela das Evas futuras.

Retomo alguma esperança na humanidade.

A derradeira vez que havia visto uma mulher fazendo a revolução dos cravos com os indicadores foi numa parada de ônibus na avenida Sapopemba, ZL de SP, ano 2009.

Suburbanos corações espremidos.

A parada de ônibus é o sítio perfeito para tal gesto. Um olho no destino do coletivo e outro na cândida face de um marido resignado como um Cristo de Semana Santa.

Não tem a menor graça, nesse mundo tão imbecilmente profissionalizado, a limpeza de pele dos salões de beleza. Seu rosto ali entregue a amistosas funcionárias sem nenhuma intimidade, mulheres que nunca ouviram os nossos roncos e gemidos de noite na cama.

É o tipo de serviço que exige intimidade. Tal arte carece de pelo menos um mês de namoro ou acasalamento. Não é tarefa para qualquer uma.

É tão delicado quanto tirar a roupa pela primeira vez na frente de outrem - e, pensando bem, uma reveladora prova de devoção.

A menos que seja uma perversa incatalogável, uma gazela não escarafuncha nossas crateras à toa. Quando ela posiciona aqueles dois indicadores sobre a bíblica face parece aceitar a convivência harmoniosa até com as nossas mais indignas impurezas.

Você, amiga, tem nojinho ou pratica, na buena, a tal arte sob o sol dos trópicos?


Xico Sá

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