sábado, 31 de dezembro de 2011
Caro(a) internauta,
Chegamos ao término de mais um ano. Compartilhamos, ao longo desses tantos dias, de momentos agradáveis e sua companhia diária muito enriqueceu esse nosso espaço virtual.
Quero, portanto, externar o meu mais sincero agradecimento por sua visita ao nosso blog durante todo o ano de 2011. Com certeza, a sua presença foi o nosso post mais importante. Muito obrigado!
E, cá entre nós, foi maravilhoso estarmos juntos durante 2011.
Um feliz 2012 a todos.
Teófilo Júnior
Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.
Carlos Drummond de Andrade
Xô, ano velho!
Deu outro dia no Ancelmo: "O brasileiro pobre acha que a vida melhorou nos últimos anos. Pesquisa do Ipespe, de Antonio Lavareda, mostrou que, para 85% dos brasileiros da classe C, a vida deles está melhor, comparada à de seus pais. E, para 87%, a vida de seus filhos ainda será melhor. Para os próximos meses, 81% planejam comprar casa própria; 61%, uma TV de plasma; 60%, um carro; e 56%, um computador."
E isso deve ser mesmo verdade. Os ingleses acabam de anunciar que já somos a sexta economia do mundo, tendo ultrapassado o próprio Reino Unido. E a presidente Dilma diz que, no ano que vem, o crescimento do PIB será de 5%, e a inflação não passará da meta.
Aliás, o Ibope apurou que, em seu primeiro ano de mandato, a presidente tem uma aprovação popular superior às de Fernando Henrique e Lula no mesmo período. Bem que o comercial da Caixa Econômica Federal vem nos garantindo que a vida do brasileiro continua melhorando e que 2011 "foi um ano inesquecível para o Brasil e para milhões de brasileiros".
Mas para tudo há sempre controvérsias. Somos a sexta economia do mundo, mas nosso ministro da Fazenda avisa que ainda estamos muito aquém dos europeus em matéria de renda per capita. Ou seja, o Brasil vai muito bem; o brasileiro, nem tanto.
A controvérsia não acaba nunca; cada vez que damos um passo à frente, um novo obstáculo surge diante de nós. Talvez seja esse o modo mais simples de explicar o que é a vida.
A nova classe média brasileira cresce; mas ainda temos uns 20 milhões de cidadãos (todos o são) abaixo da linha de pobreza. João Gilberto ganhou ação contra a EMI, recuperando o direito de proteger suas obras-primas; mas teve que cancelar os shows em que celebraria seus 80 anos de idade. A chamada partícula de Deus, o bóson de Higgs que decifra todos os mistérios da matéria, parece que foi enfim encontrada; mas cientistas europeus e americanos criaram em laboratório uma linhagem mortal de vírus da gripe aviária. Antonio Pimenta Neves e Nem foram finalmente presos; mas tantos corruptos e corruptores (esses também existem) andam à solta por aí. Kim Jong-il morreu; mas Vaclav Havel também. E assim por diante.
Não sou do contra, reconheço que 2011, de um modo geral, foi mesmo um ano muito bom para todo mundo. Mas peço licença para dizer que, para mim, foi uma boa porcaria.
Sobretudo porque nele perdi dois irmãos que me fazem muita falta. Um, Raphael de Almeida Magalhães, bem mais velho que eu, me ensinou muita coisa, além de me dar o exemplo permanente de generosidade e solidariedade, de obsessão pelo Brasil. Sendo essa última uma virtude igualmente presente no caráter do outro que se foi, Gustavo Dahl, meu querido companheiro de geração, o mais elegante e culto militante do Cinema Novo.
Menos graves foram os desentendimentos com pessoas de quem gosto (o amor pode ser unilateral, de mão única), como o jornalista e escritor Arnaldo Bloch. Ele andou escrevendo umas coisas que provocaram minha justa ira, não deixei a cabeça esfriar, respondi com o coração ainda em chamas, fui excessivo. Mas como o mundo é redondo e nós estamos aí, um dia a gente se esbarra. Feliz ano novo, Arnaldo.
Gosto do afeto solidário da festa de réveillon; mas gosto mesmo é de Natal, de todos os natais. Tudo que começa com alegria e esperança merece nossa adesão, mesmo que depois nos decepcione. O poeta, romancista e pintor Jorge de Lima, no ensaio "Todos cantam sua terra", compara as culturas portuguesa e espanhola, a partir de suas tradições cristãs. Enquanto para os espanhóis a representação máxima do cristianismo está na Paixão, a crucificação e morte de Cristo, para os portugueses o centro da religião está em seu nascimento, na candura do presépio de Natal.
Em "Andrei Roublev", de Andrei Tarkovski, invasores asiáticos massacram um vilarejo de camponeses russos, na Idade Média. Ao entrar na igreja local, um invasor curioso pergunta ao pároco quem é o homem a sangrar numa cruz. O padre responde que é o Cristo, o Deus de sua religião. O mongol reage com ira, se julga ludibriado, imagine se um deus vai se deixar sofrer daquele jeito. E corta a cabeça do pároco.
A grande virtude do cristianismo dos evangelhos e das primeiras pregações sempre foi a sua humanidade.
Qualquer um podia se identificar com um Deus que se torna homem, ao contrário da tradição politeísta em que homens se transformam em deuses violentos e cruéis. O cristiniamo começou a perdê-la com a ordenação disciplinar das epístolas paulinas, os penduricalhos rituais criados na Idade Média, a cruel cegueira da Inquisição, o aparato milionário que resiste ao tempo. O Deus que se tornou homem e se deixou flagelar foi sendo, aos poucos, sufocado por homens que se julgaram deuses.
O ano já ia acabar quando me deparei, na primeira página dos jornais, com aquela fotografia do menino sardônico ao lado do pai todo satisfeito. Olhos bem abertos, o filho de Jader Barbalho nos mostrava a língua e abanava as orelhas com a mão, a nos dizer claramente: "Vocês são uns otários, seus burros! Papai é que é fogo!"
Que 2012 não nos leve mais ninguém querido e nos devolva a candura do Cristo na lapinha. E que nos poupe dos meninos espertos e de seus pais vitoriosos.
Cacá Diegues
Fonte: Blog do Ricardo Noblat
Fonte: Blog do Ricardo Noblat
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Tempus fugit: a arte de viver
Em muitas casas, no passado, havia um móvel cuja função era ser um guardião do tempo, refiro-me aos relógios de carrilhão, capazes de marcar as horas com seu canto de passagem e até mesmo os minutos com um tic-tac tão sonoro que se podia ouvir durante todo o dia, particularmente no silêncio da noite. Um antigo mestre, Rubem Alves, costuma dizer que estes relógios, bem como todos os demais, falam conosco, dizem: tempus fugit, o tempo foge, escoa, escapa por entre os nossos dedos. Quanto mais eu vivo, mais me convenço de que isto é verdade. Posso dividir a minha vida em duas fases: a primeira, em que as pessoas me diziam: “você é novo demais pra isso...” e a segunda, em que elas me dizem: “você não vê que já está velho demais pra isso...”. Aí não há como evitar que bata uma angústia. Será que nunca estamos prontos para os desafios da vida? Será que haverá sempre uma inadequação entre a maturidade/capacidade que as pessoas percebem em nós e aquilo que a vida demanda?
Eu, de minha parte, jamais liguei para estes “alertas”. Aprendi que eu estou no ponto para viver o dia de hoje! Fiz sempre o que as pessoas não queriam que eu fizesse por ser novo demais e almejo, um dia, me tornar um velho que escandalize até mesmo os meus melhores amigos, fazendo o que não se faz em “certas idades”. O meu compromisso é com a vida e não com a conveniência; com a verdade que se coloca diante dos meus olhos e não com o consenso; com o amor ao próximo e não com o aplauso do próximo. Não quero ser coerente, eu não posso ser.Eu nasci do ventre de minha mãe sozinho e um dia partirei para o ventre da mãe-terra igualmente só, portanto levo a vida com os outros e não para os outros. Quero expressar respeito e carinho, mas não submissão e passividade.
Não exijo que ninguém ande comigo, nem que concorde com o meu modo de caminhar. Peço apenas que me respeitem e que me compreendam como um homem fazendo escolhas, as suas escolhas, que é o único modo de se viver.O Senhor me ensinou que a melhor maneira de existir é viver plenamente este fugidio momento que se chama presente, o dia de hoje. O presente é um presente de um Deus presente. Eu preciso torná-lo único, especial, memorável. Para isso, faz-se necessário que eu me desvencilhe do passado. Quero olhar para trás sem mágoas e ressentimentos. Distribuo prodigamente o perdão, a minha “luta não é contra a carne e contra o sangue”, não é contra as pessoas, mas contra idéias, posturas, atitudes e estas foram já não são. Não há porque lutar hoje contra o que só existiu ontem.Também não sou um cruzado, empreendendo “guerras santas”. Deus cuida de si e do que é seu. Se a terra é santa, o é porque Ele a guarda, não eu.
A única terra sacrossanta que me foi confiada é o meu próprio coração. Que nele não habitem os ídolos da vaidade, da arrogância, da auto-suficiência; que nele não se erijam altares para a ilusão das riquezas, à opulência mentirosa dos títulos e patentes, à maligna petulância piegas que despreza o abraço e o sorriso.Até hoje nunca vi um soldado-raso prestando continência pra túmulo de general. Os mais belos, os mais sábios, os mais fortes, os mais ricos, os mais virtuosos entre nós, cedo ou tarde, vão virar refeição de tapuru. Mas também não me preocupo com eles. Que esperem muito por mim, porque hoje estou ocupadíssimo vivendo.
Quero amar minha mulher debaixo dos nossos lençóis, viajar com meu filho, dançar uma valsa com minha filha, sorrir muito de estórias idiotas com meus amigos, chorar lendo um poema de Drummond, rever velhos filmes, ouvir Chico e quedar-me silencioso ante a beleza inexprimível de um crepúsculo no sertão. Isto é vida, o resto são coisas que fazemos enquanto estas não vêm.Também aprendi a arte de travestir de prazer tudo que se chama obrigação. Quando os professores exigem que leia pilhas de textos sobre assuntos desinteressantes. Eu brinco com os livros, rio deles, chamo-os para passear comigo. Às vezes penso que sou capaz de me divertir lendo até lista telefônica. Nada é impossível pra quem tomou a decisão de rir, sobretudo de si mesmo e de suas inúteis e efêmeras construções.
Quando estou preparando um sermão ou escrevendo um texto como este, não penso nas transformações que eles podem promover na vida das pessoas. Sinto a alegria terna e simples de fazer, de pré-parar, como uma mulher que sente tanto prazer em se vestir para o amor como em amar propriamente.Também aprendi a fazer do futuro o meu melhor amigo. Quando penso sobre ele só vejo coisas boas. Não antevejo nem a ruína nem a dor. Se estas me sobrevierem me tomarão de surpresa. Quero que seja assim. Não vou, como já vi muitos, me preparar para o que não quero viver, pois fazê-lo seria um modo de lhe invocar. Ansiedade não é pensar no futuro, é sofrer com o futuro, mas o meu futuro não me faz sofrer, posto que é meu amigo. No futuro eu sou sábio e magro, amado e amante, mestre e aprendiz. Não sou rico, porque ser rico dá muito trabalho.
No futuro eu morro, que morrer não é ruim, é só uma viagem que nos “convidam” a fazer antes da hora, e eu embarco em sua nau cheio de curiosidade. Deixo pra trás meus amigos e inimigos chorando, estes por nunca terem me pegado, aqueles por nunca terem me perdido.
Martorelli Dantas
Opressão
Samira Ibrahim
Desde que Samira Ibrahim foi detida pelos militares no dia 9 de Março – e forçada, juntamente com outras ativistas, a realizar testes de virgindade –, até ao massacre de 17 de Dezembro na praça Tahir, terão sido muitas as tentativas de pôr à prova a liberdade de expressão no Egito.
Praça Tahrir, Cairo, fotografia Reuters, 17.12.2011
E., “In support of Aliaa Magda Elmahdy”, ilustração
Dani Bardo by Marcia Sandres, “Nudephotorevolutionary”
40 mulheres israelitas posam nuas por Aliaa Elmahdy
Telavive, fotografia de Anat Cohen / Reuters, 19.11.2011
“Em todo o mundo, em todas as épocas, existiram pessoas que ousaram defender pontos de vista detestados pela opinião pública. Quando os que partilham essas opiniões tem a coragem de sustentá-las e defendê-las é absolutamente certo que, ao final, a verdade prevalece.
(Oscar Wilde 1854-1900 escritor poeta e dramaturgo irlandês)
O suplício de escrever
Escrever é um suplício para quem gosta de escrever. E para quem leva a sério o ofício de escrever. Não acreditem em quem diz o contrário.
Paris pode ser uma festa. Escrever não é uma festa. Não é, sequer, um ato prazeroso.
Dá prazer ler um texto bem escrito. Fazê-lo não dá prazer. Dá trabalho.
Escrever não é um dom que se tem. É uma habilidade que se adquire como qualquer outra habilidade.
Entrei em crise quando li o colombiano Gabriel García Márquez pela primeira vez ali pelos idos de 70. A leitura de “Cem Anos de Solidão”, o romance de estréia dele, deixou-me confuso.
Parei de escrever durante quase seis meses depois de ter me deslumbrado com a descrição do momento em que o velho coronel Aureliano Buendia descobriu o gelo, e com o relato da ascensão aos céus de Remédios, a bela, envolta num imaculado lençol branco.
Se era possível ler com naturalidade que borboletas amarelas sempre precediam às aparições do namorado de uma das filhas de Buendia, e se era possível a um escritor extrair tanta beleza do simples ato de alguém tocar uma pedra de gelo pela primeira vez, bem... tudo que eu lera até então envelhecera de repente. Tudo.
E aqueles contos, ou esboços de conto ou ainda fiapos de contos que guardava no fundo de um baú herdado da minha bisavó, estavam condenados a permanecer ali para sempre. Como de fato permanecem até hoje.
Não existe uma receita única para que se escreva bem. Na verdade, não existe receita alguma. Pode-se dizer, como disse Samuel Johnson, que “o que é escrito sem esforço geralmente é lido sem prazer”. Pode-se dizer também, como disse Miguel de Unamuno, que “só escreve claro quem concebe claro”.
De García Márquez, por exemplo, não se dirá que é um escritor econômico de palavras. Nem se dirá o mesmo de Jorge Amado.
Graciliano Ramos, autor de “Vidas Secas”, esse, sim, economizou todas as palavras que pôde economizar. Torturava-se sem piedade quando se debruçava sobre uma folha de papel em branco.
Graciliano reescrevia suas histórias de maneira obsessiva. Cortava parágrafos inteiros, amputava tudo que fosse dispensável, barrava a entrada no texto de qualquer adjetivo, até que sua prosa parecesse tão esquálida, tão enxuta, tão árida quanto os personagens que lhe davam vida.
O modelo de texto que pede o jornalismo está mais para o despojamento de Graciliano do que para o excesso de espuma e de fogos de artifício de Jorge Amado.
Enfim, coitados dos que se devotam a escrever e sonham em fazê-lo bem. Todos os pecados lhes deveriam ser perdoados.
Ricardo Noblat
Fonte: Blog do Ricardo Noblat
Semi-deuses e o CNJ
Texto de Marinho Mendes, Promotor de Justiça da Paraíba
Falarei aqui sem nenhum remorso de que sinta alguma inveja pela magistratura, uma vez que fui um dos primeiros colocados num concurso de juiz, fui nomeado duas vezes e me recusei a assumir as "altas funções", achei que ficaria engessado e não poderia produzir a contento em prol dessa massa esquálida, sofrida, sem rosto, sem visibilidade, queria ser PROMOTOR DE JUSTIÇA E SOU COM MUITA HONRA, COM A ALEGRIA MAIS SENTIDA e tenho certeza, acertei na escolha.
Jamais engoli a empáfia da maioria dos juízes, os quais, atrasados no tempo e no espaço, pensam serem os senhores da razão, não tiveram a percepção de sentir que o mundo evoluiu e nessa evolução todo o trabalho produzido é importante, não tiveram a sensatez de perceberem que essa classe se configura num retrato 3X4 da mais retrógada burocracia, que nas farras do poder de outrora e hodiernamente, em orgias palacianas, somente consomem e nada produzem. ME DIGAM O QUE PRODUZ O JUDICIÁRIO PARA O POVO BRASILEIRO? produz um trabalho formal arrogante que só serve à elite desse País e o pior de tudo, como dantes, continua a charfurdar nas orgias das salas de honra, nos gabinetes refinados e repletos de apaniguados chamados modernamente de assessores, onde se consome de tudo, menos a luta contra o sofrimento do povo brasileiro, é uma casta cega, não consegue captar que o país não é mais propriedade de senhores feudais e que suas colendas sesmarias devem se abrir ao mundo dos que lhes custeiam, os contribuintes, e devem também quebrar as fechaduras das suas casas grandes (as salas de audiência, a sala do tribunal pleno, as salas das turmas e das câmaras recursais), para que os habitantes da senzala possam nela penetrar, percorrer seus corredores, pois, o mundo mudou, o país avançou, se modernizou e só os míopes, os tetraplégicos de inteligência ainda pensam que vivem nos vetustos tempos medievos da senzala, acordem juízes, ou vão padecer depois da linha do equador acocorados, humilhados, de forma calada e rancorosa.
Os magistrados brasileiros, não conseguem entender que a sua falta de humanismo diáletico está gerando novos espaços de resolução de conflitos dentro das comunidades onde surgem os espaços de mediação, é o direito achado na rua, é o direito restaurativo, a demosntarem que uma sociedade esclarecida não precisa da tutela de juízes e mais ainda, esses novos paradigmas expressam uma emancipação da tutela judiciária, que órfã de visão, com suas togas dos tempos de antanho se fechou à modernidade e não conseguiu enxergar os novos tempos.
Nesses novos tempos, não se tolera privilégios, é extremamente boçal o conceito de casta e o mais sintomático, que todas as profissões são igualmente importantes e aquelas que ostentaram regalias durante o correr dos tempos, são vistas com desconfiança pela opinião pública, pela nação de uma forma geral, e que semi-deuses, só existem nos contos de fadas, na mitologia grega, nos poemas épicos de Homero, a Ilíada e Odisséia, em poetas como Plutarco e Pausânias, sendo correto inferir e afirmar-se que a magistratura atual é despossuída de hércules, ulisses, isto é bem cristalino, mas a cegueira crônica não permite aos membros do poder judicante, vislumbrar luzes, mas somente as trevas do passado que nada cosntruíram, e é correto verberar que os raios das luzes da razão ainda não adentraram nos salões nobres, para dali removerem o mofo do mais absurdo arcaismo.
Desta forma, entendemos que o posicionamento da Corregedoria do CNJ é o correto, imagine termos colegas milionários, percebendo os mesmos estipêndios que nós, desfilando ao sol do meio dia a pino, se exibindo de forma despudorada, sem a obrigação de se justificarem, de forma que eles tem que sair das sombras e explciarem qual a mágica utilizada, não só lá no judiciário, mas também aqui, temo que tenhamos milionários que não conseguirão justificar seu vasto e valioso patrimônio e então que morram o atraso, o enriquecimento injustificado e suspeito, o pensamento ultrapassado e infeliz da casta privlegiada e desprovida da clareza solar do conhecimento, que morra o sentimento de semi-deuses dessa classe de burocratas e que VIVAM as iniciativas do CNJ e que contagie também o nosso CNMP, pois, quem é limpo não tem nada a temer. Um feliz ano novo
(Marinho Mendes).
Fonte: Tião Lucena
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
Tensão pré-menstrual como circunstância de diminuição de pena
Até o final do século XIX, quando se pensava nas mulheres, associava-se a sua imagem a um símbolo angelical, de modo que se pensava que elas não tinham a capacidade de praticar crimes ou atos de violência. Quando agiam de forma considerada fora de seus padrões normais, como por exemplo, na gravidez, no parto ou na menstruação, elas eram tratadas como se estivessem doentes ou com raiva, mas nunca como se tivessem o instinto ruim.
Durante todo aquele século, com o apoio de alguns filósofos e com a quebra de muitos tabus concernentes à menstruação, as mulheres passaram a ser consideradas vítimas dos ciclos menstruais. Com o passar do tempo, as mulheres passaram a ser consideradas vítimas de seus ovários. E, apenas no ano de 1920, a mudança de comportamento das mulheres levou a acreditar que elas sofriam em virtude das alterações hormonais.
No entanto, no início da década de 1950, começou-se a estudar acerca da ligação existente entre a crise pré-menstrual e a alteração do comportamento feminino. Até que, no dias atuais, em muitos dos países desenvolvidos, a Tensão Pré-Menstrual passou a ser utilizada como defesa ou atenuante ou circunstância de diminuição de pena em muitos processos que tenham no pólo passivo mulheres que dela sofrem.
Nesse sentido, partindo do princípio que o estado puerperal é considerado uma circunstância de diminuição de pena, pretende-se demonstrar que a tensão pré-menstrual deve ser considerada também como tal, vez que a mulher, tanto no estado puerperal como quando acometida da tensão ora em estudo torna-se incapaz de compreender o caráter ilícito do ato praticado ou de determinar-se de acordo com o entendimento que possui do caráter ilícito de seus atos. Quando acometidas da tensão pré-menstrual, algumas tornam-se mais sensíveis, podendo essa sensibilidade exacerbada, quando combinada com outros fatores, ser prejudicial ao discernimento da mulher.
Assim, com o presente estudo não se procura justificar que a mulher somente praticou o crime por causa da tensão pré-menstrual, mas tenta-se demonstrar que a TPM representa um estopim para a conduta criminosa. É como se ela vivesse sendo espancada pelo marido, e quando acometida da TPM, por estar com o seu estado emocional normal prejudicado, ela se torna mais agressiva e mais propensa ao cometimento de crimes.
Em síntese, a tensão pré-menstrual pode ser definida como um conjunto de alterações físicas e emocionais que algumas mulheres sofrem nos dias que antecedem a menstruação. O DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, ou seja, Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais) denominou a tensão pré-menstrual como sendo um transtorno disfórico pré-menstrual, dispondo que:
Transtorno disfórico pré-menstrual: na maioria dos ciclos menstruais durante o ano anterior, sintomas (por ex., humor acentuadamente deprimido, ansiedade acentuada, acentuada instabilidade afetiva, interesse diminuído por atividades) ocorreram regularmente durante a última semana da fase lútea (e apresentaram remissão alguns dias após o início da menstruação). Estes sintomas devem ser suficientemente severos para interferir acentuadamente no trabalho, na escola ou atividades habituais e devem estar inteiramente ausentes por pelo menos 1 semana após a menstruação.
Muitos são os sintomas que acometem as mulheres que sofrem com a TPM, de modo que mais de 150 já foram documentados, porém, dentre eles, destacam-se os seguintes:
- Irritabilidade - Agressividade
- Ansiedade - Oscilações de humor
- Hostilidade - Depressão
- Tensão - Inchaço
- Enxaqueca - Tontura
- Compulsão por açúcar - Ganho de peso
- Dor e inchaço nas articulações
- Seios inchados e doloridos - Garganta inflamada
- Dos nas costas - Dos de cabeça
- Desmaio - Tremor
- Sensibilidade - Cólica
- Alergias - Asma
- Prisão de ventre
Esses sintomas começam a ser externalizados, geralmente, de 10 a 14 dias antes do início da menstruação, e, aos poucos, vão se agravando, até que, finalmente, desce a menstruação e, em algumas mulheres, os sintomas desaparecem. Vale ressaltar que, em uma quantidade inferior de mulheres, os sintomas da TPM persistem mesmo depois de iniciada a menstruação.
Diante dos sintomas observáveis no período da TPM e sabendo ser ela um conjunto de alterações físicas e emocionais que certas mulheres apresentam nos dias que antecedem a menstruação, pode-se afirmar que as principais alterações emocionais que podem ser elencadas são o humor irritável, depressivo ou instável, podendo haver mudanças rápidas de atitude afetivas, como por exemplo, a mulher estar alegremente conversando com os amigos de forma a exercitar sua sociabilidade, sem motivo aparente, ela se irrita e começa a chorar.
Citadas alterações, assim como as provenientes do estado puerperal, devem ser levadas em consideração quando do julgamento de uma mulher pelo cometimento de determinado crime, devendo, deste modo, dependendo do grau das alterações, a pena a ser aplicada de forma atenuada. No entanto, importante frisar que, nem todas as mulheres sofrem alterações físicas e psíquicas de tão grandiosas proporções que as impulsionariam ao cometimento de crimes.
Essa minoria de mulheres que sofrem de tensão pré-menstrual de uma forma mais severa, geralmente, quando acometidas de TPM, são violentas, apresentam ilusões e alucinações, não conseguindo controlar tais sintomas.
Essas características podem aparecer, em algumas mulheres, de forma tão severa, que em alguns estados dos Estados Unidos da América, a TPM é também conhecida como a "síndrome do descontrole", vez que, pessoas próximas às mulheres que dessas síndrome sofrem têm relatados que, quando elas não são devidamente acompanhadas e tratadas, ficam completamente fora de controle. Nesta ordem de idéias, não é tão simples utilizar-se da justificativa de que a mulher, quando do cometimento do crime, estava acometida da tensão pré-menstrual, vez que, para que ela seja utilizada como uma circunstância de diminuição de pena alguns requisitos básicos hão de ser demonstrados:
- A mulher, quando do cometimento do crime, não poderia ter conhecimento prévio de que sofria de tensão pré-menstrual. Se ela já tinha conhecimento do fato de que próximo ao período de sua menstruação ela sofria de exacerbada alteração de humor, ela não poderá utilizar-se da TPM como uma circunstância de diminuição de pena, vez que, neste caso, ela assumiu o risco posto que não procurou tratamento.
- Reincidência, no sentido de que, ao ser observada a folha de antecedentes criminais da mulher que apresenta a tendência ao cometimento de crimes quando acometida dos sintomas da tensão pré-menstrual observar-se-á que os crimes por ela cometidos são, geralmente, similares, ou seja, quando não for o mesmo tipo penal será outro a ele assimilado. Isso se dá pelo fato de que o impulso que leva a mulher ao cometimento desse ou daquele crime ser estipulado de acordo com os sintomas apresentados no período que antecede a menstruação.
- Os crimes são cometidos apenas pela mulher que sofre dos sintomas da TPM, ou seja, não haverá co-autores ou partícipes. Assim, uma mulher que planeje um roubo a uma banco acompanhada de mais 04 (quatro) homens, nunca poderá alegar que quando do cometimento do crime estava sob o domínio da TPM.[1]
- Como uma conseqüência do requisito anterior, deve-se destacar que, para que se configure o crime praticado sob a influência dos sintomas da TPM e para que a mulher possa se utilizar dessa circunstância de diminuição de pena, o crime não pode ter sido premeditado e quase nunca se encontra qualquer evidência de que o crime tenha sido anteriormente planejado. Assim, o ato criminal deve pegar a todos de surpresa.
- O ato criminoso não possui qualquer motivo aparente. Destarte, além de o crime não poder ser premeditado, ser praticado sem concurso de pessoas, ele deve ser praticado sem apresentação de qualquer motivo para tanto, de modo que o ato criminoso somente poderia ser compreendido por uma pessoa que conhecia o estado da mulher que o praticara quando a mesma encontrava-se acometidas dos sintomas da TPM.[2]
- Após a prática delituosa, a mulher não tenta se evadir do distrito de culpa, não tenta escapar da prisão. Como é de conhecimento notório, a reação normal de uma pessoa que acaba de cometer um crime é tentar se esquivar da polícia, seja tentando evitar uma prisão, ou fugindo da cena onde foi praticado o crime, ou escondendo os itens roubados, ou tentando encontrar um álibi, dentre outras. No entanto, a pessoa que pratica o crime quando está influenciada pelos sintomas da TPM, como alguns dos sintomas são: amnésia, perturbação e falta de discernimento, ela fica incapacitada de fugir, vez que ela não tem nem noção de que algum tipo penal tenha sido praticado. Em muitos casos acontece de a própria mulher, após o cometimento do crime, ligar para a polícia de um telefone público e ficar esperando junto ao mesmo até que a polícia chegue ao local do crime.
- Na maioria das vezes constata-se que a mulher, quando do cometimento desses crimes, passou um longo período sem alimentar-se, esse longo intervalo varia de 06 (seis) a 08 (oito) horas antes do cometimento do fato criminoso. Essa falta de alimentação ocasiona o aumento de adrenalina[3] no sangue, que, conseqüentemente, aumenta a pressão sanguínea. A Adrenalina é hormônio da luta, do terror, do medo e do êxtase e quando a adrenalina resta acumulada ela pode causar amnésia, perturbação ou uma onda de violência incontrolável.
A partir do momento em que a defesa se utiliza da circunstância de diminuição de pena relativa à tensão pré-menstrual, ela deve ficar ciente de que o juiz deverá designar um tratamento à base de progesterona que deverá ser realizado pela acusada em aplicações mensais, sempre no período próximo à menstruação, e supervisionado pela Justiça.
Outrossim, importante destacar que, a simples alegativa por parte da defesa de que a acusada sofre de severas crises de tensão pré-menstrual não é suficiente para minorar a punição a ser aplicada. Essa alegação deverá ser corroborada por laudos médicos que serão realizados através de um acompanhamento clínico para que se possa realmente constatar que a mulher sofre de tensão pré-menstrual de um grau tal que ela não consegue se controlar e evitar a prática de atos violentos.
Ademais, para que a mulher seja diagnosticada como sofredora dos sintomas caracterizadores da TPM, ela tem de sofrer esses sintomas na maioria dos seus ciclos menstruais. Se ela sofreu os sintomas apenas uma vez, não significa que ela é acometida da tensão pré-menstrual. O objetivo do reconhecimento da tensão pré-menstrual como atenuante não é ajudar as mulheres que realmente são culpadas pelo cometimento de crimes a se livrar da aplicação da lei e das reprimendas legais.
A finalidade da circunstância de diminuição de pena relativa à tensão pré-menstrual é demonstrar que certas mulheres, devido à severidade das alterações originadas pela TPM, acabam por sofrer uma perturbação em sua saúde mental, não devendo, deste modo, ser punidas da mesma forma que as mulheres que cometem determinado crime dolosamente e que possui absoluta certeza do caráter ilícito de suas condutas e de acordo com estas certezas conseguem controlar suas emoções.
Em 1981, uma mulher nômade de 34 (trinta e quatro) anos de idade e um homem desempregado com quem ela vivia foram denunciados pelo homicídio de um senhor de idade avançada em seus aposentos. Eles se dirigiram à casa desse senhor preparados para a prática de um roubo e levaram consigo substâncias inflamáveis para após o roubo atearem fogo na casa, e fazer com que todo o crime parecesse um incêndio acidental. A mulher, quando do cometimento do crime, estava em seu período que antecede o ciclo menstrual e a sua defesa tentou argumentar, em seu favor, que a circunstância de diminuição de pena em virtude do acometimento de sintomas provenientes da TPM fosse aceita pelo Tribunal. Foi em vão.
Por Guilherme Farias Rôla
Advogado
O Grande Mistério
Há dias já que buscavam uma explicação para os odores esquisitos que vinham da sala de visitas. Primeiro houve um erro de interpretação: o quase imperceptível cheiro foi tomado como sendo de camarão. No dia em que as pessoas da casa notaram que a sala fedia, havia um soufflé de camarão para o jantar. Daí...
Mas comeu-se o camarão, que inclusive foi elogiado pelas visitas, jogaram as sobras na lata do lixo e — coisa estranha — no dia seguinte a sala cheirava pior.
Talvez alguém não gostasse de camarão e, por cerimônia, embora isso não se use, jogasse a sua porção debaixo da mesa. Ventilada a hipótese, os empregados espiaram e encontraram apenas um pedaço de pão e uma boneca de perna quebrada, que Giselinha esquecera ali. E como ambos os achados eram inodoros, o mistério persistiu.
Os patrões chamaram a arrumadeira às falas. Que era um absurdo, que não podia continuar, que isso, que aquilo. Tachada de desleixada, a arrumadeira caprichou na limpeza. Varreu tudo, espanou, esfregou e... nada. Vinte e quatro horas depois, a coisa continuava. Se modificação houvera, fora para um cheiro mais ativo.
À noite, quando o dono da casa chegou, passou uma espinafração geral e, vitima da leitura dos jornais, que folheara no lotação, chegou até a citar a Constituição na defesa de seus interesses.
— Se eu pago empregadas para lavar, passar, limpar, cozinhar, arrumar e ama-secar, tenho o direito de exigir alguma coisa. Não pretendo que a sala de visitas seja um jasmineiro, mas feder também não. Ou sai o cheiro ou saem os empregados.
Reunida na cozinha, a criadagem confabulava. Os debates eram apaixonados, mas num ponto todos concordavam: ninguém tinha culpa. A sala estava um brinco; dava até gosto ver. Mas ver, somente, porque o cheiro era de morte.
Então alguém propôs encerar. Quem sabe uma passada de cera no assoalho não iria melhorar a situação?
- Isso mesmo — aprovou a maioria, satisfeita por ter encontrado uma fórmula capaz de combater o mal que ameaçava seu salário.
Pela manhã, ainda ninguém se levantara, e já a copeira e o chofer enceravam sofregamente, a quatro mãos. Quando os patrões desceram para o café, o assoalho brilhava. O cheiro da cera predominava, mas o misterioso odor, que há dias intrigava a todos, persistia, a uma respirada mais forte.
Apenas uma questão de tempo. Com o passar das horas, o cheiro da cera — como era normal — diminuía, enquanto o outro, o misterioso — estranhamente, aumentava. Pouco a pouco reinaria novamente, para desespero geral de empregados e empregadores.
A patroa, enfim, contrariando os seus hábitos, tomou uma atitude: desceu do alto do seu grã-finismo com as armas de que dispunha, e com tal espírito de sacrifício que resolveu gastar os seus perfumes. Quando ela anunciou que derramaria perfume francês no tapete, a arrumadeira comentou com a copeira:
— Madame apelou para a ignorância.
E salpicada que foi, a sala recendeu. A sorte estava lançada. Madame esbanjou suas essências com uma altivez digna de uma rainha a caminho do cadafalso. Seria o prestigio e a experiência de Carven, Patou, Fath, Schiaparelli, Balenciaga, Piguet e outros menores, contra a ignóbil catinga.
Na hora do jantar a alegria era geral. Nas restavam dúvidas de que o cheiro enjoativo daquele coquetel de perfumes era impróprio para uma sala de visitas, mas ninguém poderia deixar de concordar que aquele era preferível ao outro, finalmente vencido.
Mas eis que o patrão, a horas mortas, acordou com sede. Levantou-se cauteloso, para não acordar ninguém, e desceu as escadas, rumo à geladeira. Ia ainda a meio caminho quando sentiu que o exército de perfumistas franceses fora derrotado. O barulho que fez daria para acordar um quarteirão,quanto mais os da casa, os pobres moradores daquela casa, despertados violentamente , e que não precisavam perguntar nada para perceberem o que se passava. Bastou respirar.
Hoje pela manhã, finalmente, após buscas desesperadas, uma das empregadas localizou o cheiro. Estava dentro de uma jarra, uma bela jarra, orgulho da família, pois tratava-se de peça raríssima, da dinastia Ming.
Apertada pelo interrogatório paterno Giselinha confessou-se culpada e, na inocência dos seus 3 anos, prometeu não fazer mais.
Não fazer mais na jarra, é lógico.
Stanislaw Ponte Preta
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
Foto Kostas Angelopoulos
"Às vezes é preciso recolher-se. O coração não quer obedecer, mas alguma vez aquieta; a ansiedade tem pés ligeiros, mas alguma vez resolve sentar-se à beira dessas águas. Ficamos sem falar, sem pensar, sem agir. É um começo de sabedoria, e dói. Dói controlar o pensamento, dói abafar o sentimento, além de ser doloroso parece pobre, triste e sem sentido. Amar era tão infinitamente melhor; curtir quem hoje se ausenta era tão imensamente mais rico. Não queremos escutar essa lição da vida, amadurecer parece algo sombrio, definitivo e assustador. Mas às vezes aquietar-se e esperar que o amor do outro nos descubra nesta praia isolada é só o que nos resta. Entramos no casulo fabricado com tanta dificuldade, e ficamos quase sem sonhar. Quem nos vê nos julga alheados, quem já não nos escuta pensa que emudecemos para sempre, e a gente mesmo às vezes desconfia de que nunca mais será capaz de nada claro, alegre, feliz. Mas quem nos amou, se talvez nos amar ainda há de saber que se nossa essência é ambigüidade e mutação, este silencio é tanto uma máscara quanto foram, quem sabe, um dia os seus acenos."
Lya Luft
"Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! tinha textura a minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se acaso distraído eu perguntasse “para onde estamos indo?” – não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: “estamos indo sempre para casa”.
[Raduan Nassar, Lavoura Arcaica; Relógio D’Água]
Vereador de Vila Velha quer proibir que noivas se casem sem calcinhas
O vereador Ozias Zizi (PRB), autor de projetos polêmicos, lançou mais um que já está dando o que falar. O parlamentar protocolou projeto que proíbe que mulheres sem calcinhas se casem em cerimônias religiosas nas igrejas do município de Vila Velha.
A iniciativa foi tomada depois que a mania ganhou a Internet como simpatia para prolongar a duração do matrimônio. O parlamentar considera um desrespeito aos princípios religiosos. Os decotes das noivas também serão proibidos e só vão poder atingir até o meio das costas.
O vereador justifica que como agente público precisa intervir para evitar que esses modismos tomem conta das cerimônias realizadas em igrejas católicas e evangélicas do município. "O casamento não se apega a usar ou não a peça íntima. Mas a igreja, independente do credo religioso, é um local sagrado. Se a pessoa acha que ele pode casar de qualquer jeito que faça em uma praia ou num retiro", justificou.
Nas ruas é difícil achar alguém que queira casar sem calcinha. O membro da ONG Transparência Capixaba Edmar Camata critica a proposta e lembra quais são os deveres dos parlamentares.
"O vereador tem constitucionalmente papéis básicos que são legislar e fiscalziar o poder Executivo. Obviamente pegar questões que não afetam o dia a dia da sociedade na nossa opinião passa bem longe da tarefa do vereador", disse.
Para o pastor Enoque de Castro, o projeto do vereador de Vila Velha é "ridículo" e essa fiscalização não deve ser feita pela igreja. Ele não vê problemas nas noivas casarem sem a peça. "Tem pessoas que fazem opção de não usar roupa íntima. Isso não tem nada a ver. É um absurdo ter que fiscalizar uma coisa dessas, saber ou não se alguém está com a roupa íntima".
Texto de Wilson Yoshio.blogspot
Do Folha Vitória
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
Hoje não escrevo
Chega um dia de falta de assunto. Ou, mais propriamente, de falta de apetite para os milhares de assuntos.
Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, purê de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.
O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam para depois comentá-los com a maior cara-de-pau (“com isenção de largo espectro”, como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego - às vezes nem isso, porque no painel imenso você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a madeira. Sim, senhor, que importância a sua: sentado aí, camisa aberta, sandálias, ar condicionado, cafezinho, dando sua opinião sobre a angústia, a revolta, o ridículo, a maluquice dos homens. Esquecido de que é um deles.
Ah, você participa com palavras? Sua escrita - por hipótese - transforma a cara das coisas, há capítulos da História devidos à sua maneira de ajuntar substantivos, adjetivos, verbos? Mas foram os outros, crédulos, sugestionáveis, que fizeram o acontecimento. Isso de escrever O Capital é uma coisa, derrubar as estruturas, na raça, é outra. E nem sequer você escreveu O Capital. Não é todos os dias que se mete uma idéia na cabeça do próximo, por via gramatical. E a regra situa no mesmo saco escrever e abster-se. Vazio, antes e depois da operação.
Claro, você aprovou as valentes ações dos outros, sem se dar ao incômodo de praticá-las. Desaprovou as ações nefandas, e dispensou-se de corrigir-lhe os efeitos. Assim é fácil manter a consciência limpa. Eu queria ver sua consciência faiscando de limpeza é na ação, que costuma sujar os dedos e mais alguma coisa. Ao passo que, em sua protegida pessoa, eles apenas se tisnam quando é hora de mudar a fita no carretel.
E então vem o tédio. De Senhor dos Assuntos, passar a espectador enfastiado de espetáculo. Tantos fatos simultâneos e entrechocantes, o absurdo promovido a regra de jogo, excesso de vibração, dificuldade em abranger a cena com o simples par de olhos e uma fatigada atenção. Tudo se repete na linha do imprevisto, pois ao imprevisto sucede outro, num mecanismo de monotonia... explosiva.
Na hora ingrata de escrever, como optar entre as variedades de insólito? E que dizer, que não seja invalidado pelo acontecimento de logo mais, ou de agora mesmo? Que sentir ou ruminar, se não nos concedem tempo para isso entre dois acontecimentos que desabam como meteoritos sobre a mesa? Nem sequer você pode lamentar-se pela incomodidade profissional. Não é redator de boletim político, não é comentarista internacional, colunista especializado, não precisa esgotar os temas, ver mais longe do que o comum, manter-se afiado como a boa peixeira pernambucana. Você é o marginal ameno, sem responsabilidade na instrução ou orientação do público, não há razão para aborrecer-se com os fatos e a leve obrigação de confeitá-los ou temperá-los à sua maneira. Que é isso, rapaz. Entretanto, aí está você, casmurro e indisposto para a tarefa de encher o papel de sinaizinhos pretos. Concluiu que não há assunto, quer dizer: que não há para você, porque ao assunto deve corresponder certo número de sinaizinhos, e você não sabe ir além disso, não corta de verdade a barriga da vida, não revolve os intestinos da vida, fica em sua cadeira, assuntando, assuntando...
Então hoje não tem crônica.
Carlos Drummond de Andrade
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
À Cabidela
Dizem que “o que os olhos não vêem o coração não sente”. A regra atribuída aos amantes, de certo, não se aplica ao paladar nem ao olfato que quase sempre nos enche de saudades sem nenhuma ajudazinha dos olhos. Isso mesmo, uma das formas mais autênticas de se sentir saudade é se notar a falta de alguns sabores. Se os olhos traem o coração, a língua não!
A degustação nos é agradável até por pensamento. Quem já não encheu a boca de água só em pensar naquela delícia que mais nos apetece. O ato de comer, de uma boa garfada, de saborear um bom prato ainda é um dos nossos grandes prazeres e de grandes significados.
Outro dia li num noticioso que se pode definir uma época ou o padrão de uma sociedade com base apenas na culinária servida àquele povo.
A mesma fonte informava ainda que restos de alimentos encontrados “fossilizados” são suficientes até para determinação daquela civilização, seus aspectos culturais, gastronômicos e religiosos.
Mas o que eu quero dizer mesmo é que ultimamente, ou melhor, há alguns anos, venho sentindo saudades de alguns sabores próprios à minha infância. Hábitos interioranos, herdados de nossos pais e avós, a exemplo da família reunida na mesa de jantar. Até mesmo a geografia da disposição dos pratos sobre a mesa parecia obedecer um certo ritual. Tudo em sua ordem, inclusive os talheres. As refeições ganhavam um “ar” quase que sagrado. Uma áurea de respeito e agradecimento a Deus pelo alimento posto à mesa dominava aquela cena.
Não só os alimentos se alinhavam à mesa, as pessoas também. O patriarca sentava-se à cabeceira do móvel e num sentido horário seguia-se D. Mariinha, e os três filhos, além da nossa ajudante de cozinha que, por pura adoção afetiva, compunha a nossa família.
O almoço era servido cedo. O apito da Brasil Oiticica era quem ditava o início da refeição: 11 horas em ponto. Lembro ainda que o grito da Oitica também servia para ajustarmos os relógios. Era mais confiável e pontual que o horário anunciado pela rádio globo do Rio de Janeiro no velho motorádio portátil que tínhamos.
A variedade dos pratos era de encher a boca: “arroz solto” e arroz de leite com pedacinhos de queijo coalho, feijão em caroço temperado com coentro, manteiga de garrafa e carne de charque (há época havia a suspeita de que se tratava de carne de jegue), macarrão tipo espaguete (da marca pilar) feito ao molho de tomate (o molho era feito em casa, esmagando o tomante comprado na feira), vez por outra tinha “mala-assada” atualmente conhecida como omelete, o ovo era de galinha capoeira. Às vezes, servia-se também mungunzá salgado com mocotó de boi e farofa molhada ou com manteiga da terra, acompanhada de umas folhas de alface e batata-doce. Havia ainda o Ki-Suco de groselha como refresco e o arroz de festa (cozido no caldo da galinha).
Em dias de festas ou aos domingos então era a vez dela: a inigualável e indefectível galinha à cabidela e seus acompanhamentos. Até hoje lembro direitinho a receita que me fazia brilhar os olhos e estremecer o estômago: 1 galinha de capoeira grande e gorda, 2 colheres de sopa de vinagre, 4 limões, sal, pimenta do reino e cheiro verde a gosto, 2 dentes de alho socados, 1 cebola ralada, 2 colheres de sopa de óleo ½ pimentão cortado em tiras finas, 4 tomates picados sem pele e sem sementes, porção de sangue da galinha e 2 folhas de louro. Era isso que compunha aquela deliciosa provocação ao pecado da gula.
À tarde, lá pelas 15h30min, novamente estávamos à mesa. Era a hora do lanche. Nada de Iogurtes, Hambúrgueres, Pizzas, Toddynhos, refrigerantes nem salgadinhos. Um bule de café (de alumínio) e um amontoado de tapiocas com manteiga nos aguardavam esparramadas feito guardanapos enrolados um por cima dos outros em um dos pratos, no outro, bolinhos de caco (também chamados de orelha-de-pau). Do outro lado, meia-dúzia de pão aguado com creme de leite batido. Uma iguaria onde só no sertão se tem notícia.
Esse era o lanche, digamos, oficial, porque o oficioso era o que a gente comia na rua. Desse cardápio se via: rosário de cocos-catulés enfiados em imbiras, alfininho, consolo de açúcar, broa branca ou preta, cocorote, pirulito enrolado em papel de seda vendido na tradicional “tábua de pirulito”, quebra-queixo (que podíamos trocar por garrafas, meia-garrafa e litro vazios), puxa puxa, din din e refresco em garrafinhas de vidro não descartáveis.
Hoje o que se percebe é que aqueles pratos tradicionais das nossas famílias nordestinas têm se distanciado da predileção dessa nova geração. A galinha a cabidela deu lugar ao galeto “bombado” de hormônios, o pão com creme foi trocado pelo rodízio de Pizza e o Ki-Suco não resistiu às investidas da Coca-Cola.
O tempo e a propaganda consumista cuidaram de modificar a disposição e os pratos de nossa mesa. Hoje os sabores são outros, menos tradicionais e muito menos saudáveis, obviamente.
A galinha à cabidela com certeza é estranha ao paladar dessa juventude, logo a galinha à cabidela que, historicamente, era tida como alimento nobre, comida de alguns brancos privilegiados, importada pelos portugueses embora as suas origens mais remotas nos conduzam à cozinha francesa, do poulet en barbouille, nas batalhas entre César e os gauleses.
Teófilo Júnior
domingo, 25 de dezembro de 2011
O tempo e as jaboticabas
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral. Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.'
O essencial faz a vida valer a pena.
Rubem Alves
Assinar:
Postagens (Atom)