domingo, 30 de abril de 2023
sábado, 29 de abril de 2023
"Na filosofia africana cada um é porque é os outros. Ou dito de outro modo: eu sou todos os outros. Chega-se a essa identidade coletiva por via da família. Nós somos como uma escultura maconde ujaama, somos um ramo dessa grande árvore que nos dá corpo e nos dá sombra.”
Mia Couto
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(Ph. Leni Riefenstahl)
[...]Quando chegou a minha vez, o cientista perguntou pela minha profissão. Menti. Não podia dizer aos brancos que era mineiro. O que poderia eu saber de pássaros se vivia com as toupeiras? Divaguei sobre as aves da nossa terra. E inventei nomes que não existiam em nenhuma língua: xinguitira, mururukweru, mbalalaia, xitutuíne, ntinituwe. E quando já nomeava o quinquagésimo pássaro, o europeu ergueu o braço.
– Nenhuma dessas aves indígenas nos interessa – disse o estrangeiro.
Fiquei desiludido com o desinteresse pela nossa fauna tão cheia de cor, tão cheia de cantos e, sobretudo, tão cheia de carne.
– Só nos interessam aves de migração – declarou o cientista.
Apeteceu-me dizer que aqui, na nossa aldeia, ninguém migra senão para dentro da terra. Limitei-me a esclarecer que o que ali mais abundava eram aves que vinham de longe para nos visitar. Risquei as nuvens com o meu dedo indicador e afirmei: “Os pássaros internacionais gostam muito deste nosso céu.”
– Não há aves internacionais – corrigiu o cientista. E repetiu que o que lhe interessava eram as aves europeias que atravessam o Mediterrâneo.
Aquilo, sinceramente, entristeceu-me. Porquê aquela discriminação? Os pássaros não se distinguem pela origem. Uns são bons de comer. Outros têm ossos, penas e pouco mais. Mas não deixei que os meus sentimentos viessem à superfície. Sou um mineiro, há muito que me enterro dentro de mim. Com convicção, anunciei que as aves europeias eram as nossas preferidas. Não lhes disse que as minas, com seus ruidosos fumos, há muito tinham afugentado toda a passarada da nossa região. Como dizia o meu avô, são os pássaros que fabricam o céu. E o nosso céu deixara de existir.
O cientista estendeu sobre a mesa um cartaz com imagens de pássaros. Eram fotografias a cores, e os bichos estavam todos bonitos e sorridentes. A mim nunca ninguém me tinha fotografado com toda aquela vaidade. O estrangeiro pediu que, daqueles bichos lustrosos, eu identificasse os que por ali apareciam. Todos, disse eu. O cientista sorriu e fixou o olhar na capulana que eu trazia sobre os ombros para disfarçar o meu defeito físico. Perguntou-me se eu era um chefe tradicional. E explicou que “a luta pela biodiversidade se deve apoiar nas chefias tradicionais”. Não entendi o que ele dizia, mas declarei-me logo um chefe muitíssimo tradicional. [...]
Mia Couto « O observatório « Mapeador de ilhas
sexta-feira, 28 de abril de 2023
Uma foto rara que registra um encontro entre Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, já bastante velhinho e debilitado.
Embora fosse mais de 15 anos mais novo que Bandeira, Drummond passou de fã a amigo. Juntos, travaram uma amizade que rendeu uma série de poemas e homenagens.
Um dos mais bonitos é esse poema de Drummond sobre Bandeira:
Tua violenta ternura,
tua infinita polícia,
tua trágica existência
no entanto sem nenhum sulco
exterior – salvo tuas rugas,
tua gravidade simples,
a acidez e o carinho simples
que desbordam em teus retratos,
que capturo em teus poemas,
são razões por que te amamos
e por que nos fazes sofrer...
[...]
és tu mesmo, é tua poesia,
tua pungente, inefável poesia,
ferindo as almas, sob a aparência balsâmica,
queimando as almas, fogo celeste, ao visitá-las;
é o fenômeno poético, de que te constituíste o misterioso portador
[...]
Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?
Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós?
A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia?
Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem o temor do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado,
nem a expressão do voto destas pessoas, nada disto conseguiu perturbar-te?
Não te dás conta que os teus planos foram descobertos?
Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem?
Quem, dentre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, onde estiveste, com quem te encontraste, que decisão tomaste?
Oh tempos, oh costumes!
Marcus Tullius Cícero
Miguel Torga
“Guarda o segredo
Do meu amor,
Que nem por sombras possam suspeitar
Que todos os poemas que escrevi
Os soubeste primeiro.
Que fiz da tua imagem
A imagem do mundo
E que nunca te vi ao natural,
Musa irreal.
Mulher incerta da minha certeza,
Bela como a beleza.”
quinta-feira, 27 de abril de 2023
quarta-feira, 26 de abril de 2023
segunda-feira, 24 de abril de 2023
domingo, 23 de abril de 2023
sábado, 22 de abril de 2023
Napoleão Bonaparte classificava os seus soldados em 4 tipos de pessoas:
1. Os inteligentes com iniciativa;
2. Os inteligentes sem iniciativa;
4. Os ignorantes com iniciativa.
Aos inteligentes com iniciativa, Napoleão dava funções de comandantes como generais e estrategistas...
Aos inteligentes sem iniciativa, Napoleão atribuía cargos oficiais, que recebiam ordens superiores para as cumprir com diligência.
Os ignorantes sem iniciativa, Napoleão colocava-os na frente da batalha, para serem "carne para canhão".
Os ignorantes com iniciativa Napoleão não os queria nem perto dos seus exércitos...
Um ignorante com iniciativa faz o que não deve, diz o que não pode, envolve-se com quem não deve, estraga tudo aquilo em que mexe, e depois diz que não foi por mal.
(...)Michael Faraday descobriu a corrente elétrica, um homem pobre e sem muita escolaridade. No meio do caminho o seu chefe com inveja o colocou para descobrir a fórmula de um vidro. E ele parou suas pesquisas por 4 anos para trabalhar naquilo inutilmente. Então ele guardou um pedaço do vidro como troféu de seu fracasso. Anos depois foi com o vidro do fracasso que ele achou o efeito do magnetismo sobre a radiação.
sexta-feira, 21 de abril de 2023
Estou sentado sobre a minha mala
No velho bergantim desmantelado...
Quanto tempo, meu Deus, malbaratado
Joguei a minha bússola quebrada
Às águas fundas... E afinal sem norte,
Como o velho Sindbad de alma cansada
Eu nada mais desejo, nem a morte...
Delícia de ficar deitado ao fundo
Do barco, a vos olhar, velas paradas!
Se em toda parte é sempre o Fim do Mundo
Pra que partir? Sempre se chega, enfim...
Pra que seguir empós das alvoradas
Se, por si mesmas, elas vêm a mim?
quinta-feira, 20 de abril de 2023
quarta-feira, 19 de abril de 2023
terça-feira, 18 de abril de 2023
segunda-feira, 17 de abril de 2023
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos dos mares e dos pinhais.
Dos gestos agitados, irreais,
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais.
Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais, na voz do mar,
E em nós germinará a sua fala
Sophia de Mello Breyner Andresen
domingo, 16 de abril de 2023
sábado, 15 de abril de 2023
Um burro diz a um tigre que a erva é azul! "Não" retorque o tigre, "é verde"! A troca de ideias fica azeda e resolvem recorrer ao Rei Leão para arbitrar a disputa. Bem antes de chegarem à clareira onde o leão descansava, o burro põe-se a gritar - " Vossa Majestade, a erva é azul, não é azul, a erva, Majestade?" O leão responde-lhe:
- Sim, a erva é azul!
Diz então o burro: "Majestade, o tigre não está de acordo comigo e isso aborrece-me, que castigo lhe darás?"
O burro regozija e, saltando de contentamento, continua o seu caminho repetindo incansavelmente: " a erva é azul, a erva é azul..."
O tigre aceita a punição, mas pergunta ao leão: "Vossa Alteza porque me pune? Não é verde a erva, afinal?"
Diz-lhe o leão:
- Efetivamente é verde, a erva. "Porque me punis então?" pergunta o tigre.
Explica o leão:
- Isso não tem nada a ver com a questão de saber se a erva é azul ou verde. A tua punição deve-se ao fato de uma criatura corajosa e inteligente como tu tenha perdido o seu tempo a discutir com um louco fanático que não se ajusta à realidade ou à verdade, mas somente à vitória das suas crenças e ilusões. Nunca percas tempo com argumentos que não fazem sentido nenhum. Há pessoas que, quais que sejam as provas que lhes apresentemos, não têm a capacidade de entender o que lhes é dito. E outras há que, cegas pelo ego, pelo ódio e pelo ressentimento, não desejam senão uma coisa: ter razão, mesmo sem a ter. Ora, quando a ignorância grita, a inteligência cala-se, remata o leão, Rei da Selva.
Fábula tunisina citada por Pedro Melvill Araújo, no seu artigo de opinião, no Diário de Notícias (22 setembro 2021)
Ilustr. Aljoscha Blau (Rússia, 1972- )
“ O filósofo grego atravessará a vida com o sentimento íntimo que havia muitos mais escravos do que se pensava: para ele, era escravo quem não era filósofo; transbordava de orgulho quando considerava que até os mais poderosos da terra figuravam como escravos.”
Friedrich Nietzsche, em. A Gaia da Ciência.
“ A Morte de Sócrates “ - Louis David, 1787.
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