sábado, 31 de julho de 2021

"Você é o céu!.. Todo o resto é apenas o tempo.."


Pema Chödrön


"Você está vivo. Esse é o seu espetáculo. "

Cazuza

Esconderijos do tempo


O silêncio:

"Há um grande silêncio que está à escuta...
E a gente se põe a dizer inquietamente qualquer coisa, qualquer coisa, seja o que for,
desde a corriqueira dúvida sobre se chove ou não chove hoje até a tua dúvida metafísica, Hamleto!

E, por todo o sempre, enquanto a gente fala, fala, fala o silêncio escuta... e cala."

 



"A porta parece com a dona:
só abre por dentro,
não é preciso bater,
só batucar com sentimento."

Elisa Lucinda - (A estrada)


Seria possível ver através da pedra? Por meio de técnicas envolvendo o uso da luz e o polimento, o artista italiano Raffaelo Monti criou a ilusão de que isso pode ser feito. Em sua "virgem velada" (busto esculpido em mármore no ano de 1860), o topo da cabeça e os ombros da vestal são lisos e polidos, atraindo maior incidência de luz. Assim, a sombra se concentra principalmente no rosto, sugerindo a textura do tecido diáfano que encobre o rosto da modelo, coroada por delicadas flores esculpidas. Uma obra-prima desse gênero artístico.


 "- Quem estará nas trincheiras ao teu lado?
‐ E isso importa?
‐ Mais do que a própria guerra."


Ernest Hemingway

 



"Só as pequenas loucuras nos podem salvar das grandes loucuras."

Mia Couto "A Confissão da leoa"

sexta-feira, 30 de julho de 2021

 


 


 


 


 


Zygmunt Bauman, o sociólogo desencantado que encantou


“Em nossa sociedade, Expor o privado é uma virtude e um dever público.”

O sociólogo polonês conhecido por criar o conceito de “modernidade líquida”, que usou para definir os dias de hoje e os que vêm pela frente. A ideia colou: seus livros estão entre os mais vendidos – um feito e tanto pra um pensador que não é dos mais fáceis de ler.

A modernidade líquida parte do pressuposto de que, no passado, tudo era sólido. Por exemplo: uma família tinha um pai, uma mãe e um punhado de filhos. Agora o mundo estaria mais líquido. Ou, pelo menos, os conceitos, mais frouxos. E aí, seguindo o mesmo exemplo, as famílias “líquidas” passaram a ser aceitas com naturalidade. Hoje em dia, até mesmo um bando de solteiros que mora junto pode se considerar uma família.

Para Bauman, não são apenas as famílias que estão mais líquidas, mas o mundo. Na vida profissional, um desses sintomas é a instabilidade das carreiras. A liquidez interfere até na hora de ter medo: em vez de um inimigo nítido, surge o terrorismo, que pode atacar em qualquer lugar.

De qualquer maneira, não é só porque Bauman entendeu o mundo que ele passou a concordar com tudo isso que está aí. Pelo contrário: crítico do consumismo exacerbado, o sociólogo reclama que a fluidez também tornou mais flexíveis valores importantes, como a relação humana, o amor e o comprometimento. O curioso é que é justamente a defesa dos valores sólidos que fazem de Bauman um dos pensadores de maior sucesso.

Conheça um pouco do pensamento de Bauman:

“O medo está lá, saturando diariamente a existência humana, enquanto a desregulamentação penetra profundamente nos seus alicerces e os bastiões de defesa da sociedade civil desabam. O medo está lá – e recorrer a seus suprimentos aparentemente inexauríveis e avidamente renovados a fim de reconstruir um capital político depauperado é uma tentação à qual muitos políticos acham difícil resistir. E a estratégia de lucrar com o medo está igualmente bem arraigada, na verdade uma tradição que remonta aos anos iniciais do ataque liberal ao Estado social.”
– Zygmunt Bauman, em “Tempos líquidos”. [tradução Carlos Alberto Medeiros].Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 23.

“Massas cada vez maiores de pessoas desperdiçadas no equilíbrio político e social da coexistência humana planetária. A conseqüência da globalização do mercado financeiro e de trabalho, da modernização administrativa pelo capital, do modo de vida moderno, colaboram para os “escoadouros” humanos, excluindo os não pertencentes ao meio. […] A vida moderna produz uma “escala crescente: a população supérflua, supranumerária e irrelevante – a grande quantidade de sobras do mercado de trabalho e o refugo da economia orientada para o mercado, acima da capacidade dos dispositivos de reciclagem.”
– Zygmunt Bauman, em “Tempos líquidos”. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 35.

“Transformações sociais, culturais e políticas associadas à passagem do estágio “sólido” para o estágio “líquido” da modernidade, o afastamento da nova elite (localmente estabelecida, mas globalmente orientada e apenas ligada de forma distante ao lugar em que se instalou) de seu antigo compromisso com a população local e a resultante brecha espiritual/ comunicacional.”
– Zygmunt Bauman, em “Tempos líquidos”. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 84.

“Pensar tira nossa mente da tarefa em curso, que requer sempre a corrida e a manutenção da velocidade. E na falta do pensamento, o patinar sobre o gelo fino que é uma fatalidade para todos os indivíduos frágeis na realidade porosa pode ser equivocadamente tomado como seu destino.”
– Zygmunt Bauman, trecho do livro “Modernidade líquida”. [tradução Plinio Dentzien]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.

“Tomar distância, tomar tempo – a fim de separar o destino e a fatalidade, de emancipar o destino da fatalidade, de torná-lo livre para confrontar a fatalidade e desafiá-la: essa é a vocação da sociologia. E é o que os sociólogos pode fazer caso de esforcem consciente, deliberada e honestamente para refundir a vocação a que atendem – sua fatalidade – em seu destino.”
– Zygmunt Bauman, trecho do livro “Modernidade líquida”. [tradução Plinio Dentzien]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.

“Nós somos responsáveis pelo outro, estando atento a isto ou não, desejando ou não, torcendo positivamente ou indo contra, pela simples razão de que, em nosso mundo globalizado, tudo o que fazemos (ou deixamos de fazer) tem impacto na vida de todo mundo e tudo o que as pessoas fazem (ou se privam de fazer) acaba afetando nossas vidas.”
– Zygmunt Bauman, trecho do livro “Modernidade líquida”. [tradução Plinio Dentzien]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.

Zygmunt Bauman criou conceito de ‘modernidade líquida’ Foto: LEONARDO CENDAMO / Agência O Globo

OBRA DE ZYGMUNT BAUMAN PUBLICADA NO BRASIL

 

:: Ética pós-moderna, de Zygmunt Bauman. [tradução João Rezende Costa]. 1ª ed., São Paulo: Paulus Editora, 1997.
:: Modernidade e holocausto, de Zygmunt Bauman. [tradução Marcus Antunes Penchel]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
:: Modernidade e ambivalência, de Zygmunt Bauman. [tradução Marcus Antunes Penchel]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
:: Globalização: as consequências humanas, de Zygmunt Bauman. [tradução Marcus Penchel]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
:: O mal-estar da pós-modernidade, de Zygmunt Bauman. [tradução Cláudia Martinelli Gama e Mauro Gama]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1999. Disponível em pdf no link. (acessado em 13.9.2015).
:: Em busca da política, de Zygmunt Bauman. [tradução Marcus Antunes Penchel]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 2000. Disponível em pdf no link. (acessado em 13.9.2015).
:: Modernidade líquida, de Zygmunt Bauman. [tradução Plinio Dentzien]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.
:: Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, de Zygmunt Bauman. [tradução Plinio Dentzien]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2003.
:: Amor líquido, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2004.
:: Vidas desperdiçadas, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2005.
:: Identidade, de Zygmunt Bauman. (Entrevista a Benedetto Vecchi).. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2005.
:: Europa – uma aventura inacabada, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2005.
:: Vida líquida, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2007.
:: Tempos líquidos, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2007.
:: Medo líquido, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2008.
:: Vida para consumo, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2008.
:: A sociedade individualizada – vidas contadas e histórias vividas, de Zygmunt Bauman. [tradução José Gradel]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2008.
:: Confiança e medo na cidade, de Zygmunt Bauman. [tradução Eliana Aguiar]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2009.
:: A arte da vida, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2009.
:: Capitalismo parasitário, de Zygmunt Bauman. [tradução Eliana Aguiar]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.
:: Legisladores e interpretes, de Zygmunt Bauman. [tradução Renato Aguiar]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.
:: A ética é possível num mundo de consumidores?, de Zygmunt Bauman. [tradução Alexandre Vieira Werneck]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.
:: Aprendendo a pensar com a sociologia, de Zygmunt Bauman e Tim May. [tradução
Alexandre Vieira Werneck]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.
:: A vida a crédito, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.
:: Bauman sobre Bauman, de Zygmunt Bauman. (Biografia).. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2011.
:: Vida em fragmentos – sobre a ética pós-moderna, de Zygmunt Bauman.[tradução Alexandre Vieira Werneck]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2011.
:: 44 cartas do mundo líquido moderno, de Zygmunt Bauman. [tradução Vera Pereira]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2011.
:: Ensaios sobre o conceito de cultura, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2012.
:: A cultura no mundo líquido moderno, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2012.
:: Isto não é um diário, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2012.
:: Sobre a educação e juventude, de Zygmunt Bauman. (Conversas com Riccardo Mazzeo).. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013.
:: Danos colaterais – desigualdades sociais numa era global, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013.
:: Vigilância líquida, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2014.
:: Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2014.
:: A riqueza de poucos beneficia todos nós?, de Zygmunt Bauman. [tradução Renato Aguiar]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2014.
:: Para que serve a sociologia?, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2015.
:: Estado de crise, de Zygmunt Bauman e Carlo Bordoni. [tradução Renato Aguiar]. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
:: O retorno do pêndulo: Sobre a psicanálise e o futuro do mundo líquido, de Zygmunt Bauman e Gustavo Dessal. [tradução Joana Angélica d’Avila Melo]. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
:: Retrotopia, de Zygmunt Bauman. [tradução Renato Aguiar]. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
:: A individualidade numa época de incertezas, de Zygmunt Bauman e Rein Raud. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
:: Nascidos em tempos líquidos: Transformações no terceiro milênio, de Zygmunt Bauman e Thomas Leoncini. [tradução Joana Angélica d’Avila Melo]. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
:: Mal líquido: Vivendo num mundo sem alternativas, de Zygmunt Bauman e Leonidas Donskis. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. Rio de Janeiro: Zahar, 2019.

 

Livros sobre Zigmunt Bauman
SILVA, Paulo Fernando da.. Conceito de ética na contemporaneidade segundo Bauman. São Paulo: FEU – Fundação Editora Unesp); Cultura Acadêmica, 2013.

Fonte:  Revista Prosa Verso e Arte

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Sentido da primavera

Ao acordar, naquele dia preliminar da Primavera, senti imediatamente que alguma coisa tinha acontecido de muito fundamental na ordem do mundo. Eu, homem de despertar difícil, pulei da cama tão bem-disposto e leve que, por um momento, assustei-me com a sensação indizível que sentia. Ao pegar o copo habitual para a minha água matutina, notei que se achava cheio de uma substância volátil, penetrada de uma linda cor violeta. E não sei por que bebi do copo vazio, estranguladamente, o ar da Primavera, de gosto azul e fragrância fria, com um peso específico de sonho.

Durante alguns minutos nada me aconteceu. Tomei meu café, fumei um cigarro e dei uma olhada nas coisas. Mas de repente senti que em mim a matéria começava a se transformar. Palpitações violentas confrangeram-me o coração e eu mal conseguia respirar. Vi minha filhinha Susana distorcer-se à minha frente como ante um espelho côncavo e logo em seguida penetrou-me um cheiro tão monumental que pensei se me tivesse enlouquecido a imaginação. Era um cheiro de menininha, um cheiro que eu conhecia bem, próprio de minha filha, mistura de talco, suorzinho, lavanda, xixi, sabonete, leite e sono; mas desta vez com uma tal amplitude que eu podia perfeitamente distinguir cada um dos subcheiros da sua composição. No talco, por exemplo, senti um cheiro de polvilho que não o abona, talco tão caro!, e senti também que no leite havia um cheiro de água, o que só vem corroborar a certeza geral de que o leite, nesta cidade do Rio de Janeiro, anda sendo fartamente batizado.

Depois senti milhões de cheiros. Não os descreverei todos para não ferir, com o desagrado de alguns, os ouvidos — diria melhor: os narizes — do leitor mais delicado. Como todo mundo sabe, a praia do Leblon não cheira a rosas — e caiba-me aqui mais uma vez chamar a atenção das autoridades competentes para o crime que é despejarem os esgotos naquelas águas onde se banha o que de mais inocente há no bairro: a criançada rica, remediada e pobre das ruas pavimentadas e da Praia do Pinto. Enfim, estou a fugir do meu assunto, mas valha-me a referência para registrar um cheiro enorme que senti na ocasião: um cheiro de miséria, que só poderia provir da dita Praia do Pinto, lugar, como todo mundo sabe, onde se comprime, em barracões infectos, a mais negra, sórdida e desamparada indigência da zona.

Mas até já ia me esquecendo: senti um cheiro de nazismo, súbito. Ora — direis —, como é esse tal cheiro de nazismo? Reconheço a dificuldade de descrevê-lo em toda a sua complexidade, mas penso que era um cheiro branco, inodoro, perfeitamente ortodoxo, no entanto, com laivos de salsicha, chope e cachorro policial, um cheiro de radiotelegrafia e talvez de cemitério. Não podia, porém, precisar de onde ele vinha, querendo me parecer, sem haver nisso qualquer insinuação, que chegava da rua Visconde de Pirajá, possivelmente, de algum café ou bar, desses onde se reúnem os nazistas conhecidos e desconhecidos que continuam a se aporrinhar mutuamente em grupos, pelos bebedouros de importação germânica que ainda existem nesta cidade hospitaleira.

Tudo isso constituía um fenômeno muito curioso. Os cheiros mais estranhos, os mais perversos, os mais doces, os do amor, os da solidão, perseguiam-me como outros tantos espíritos da Primavera. Um cheiro dolorosíssimo de morte chegou-me ao mesmo tempo que um odor de nascimento. Soube que alguém morria e nascia naquele instante particular do mundo e senti o cheiro da minha vaidade de me saber dono de um tão grande privilégio. Curioso também: só não conseguia sentir bem, em meio àquela sinfonia de cheiros, o aroma das coisas obviamente cheirosas como as flores e as mulheres em geral. O perfume do mar, por exemplo, eu o sentia em toda a sua frescura, verde, salso, infinito, e também o cheiro da areia que por sua vez cheirava a nuvem. Cheiro horrível era o de uma mosca que naquela ocasião voejava à minha volta: bicho imundo! Tive que fugir para a varanda, onde senti o vigoroso cheiro da madeira dos troncos, um rubicundo cheiro de sol e… ah, esses gatos miseráveis! Um dia ainda passo fogo num!

Ao sentir um cheiro de cachaça pensei comigo que meu amigo… (não, não o desmoralizarei) devia estar por perto: e efetivamente, pouco depois chegava ele com um queijo de minas debaixo do braço, cujo cheiro me deu vertigens. Mas eu acho o cheiro de queijo tão bom (contra, bem sei, a opinião de quase todo mundo, que, estou certo, irá rir de mim) que seria capaz de usá-lo no lenço, quando, naturalmente, não houvesse ninguém por perto. Aliás, poderia usar no lenço também cheiro de graxa ou gasolina, cheiro de torrefação de café ou mesmo cheiro de padaria de madrugada, quando o pão é feito.

Tantos cheiros, tantos… O cheiro do teu riso, minha adorada, de tua boca quente e sem malícia. O cheiro de tua pureza, coisa inefável, parecendo sândalo ou alfazema. O cheiro da tua devoção de cada instante, cheirando a alecrim ou mato verde, o cheiro da tua emoção constante, como o da terra viva molhada de chuva…

E depois senti um cheiro de sobrenatural, um gigantesco cheiro de sobrenatural, um cheiro de éter, um cheiro de cristal transparente em vibração, um cheiro de luz antiga, ainda fria dos eternos espaços por onde passara em seu caminho para a Terra. A Primavera cheirava toda para mim, só para mim, desnudada, a dançar na manhã azul perfeita, embriagante, toda olhos claros e sorrisos, a abrir com beijos de brisa a boca infantil das corolas nascituras. E dentro da Primavera senti um cheiro mágico de Paz.

(Novembro de 1944)

Vinicius de Moraes, no livro “Para uma menina com uma flor”. [organização Eucanaã Ferraz] São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

 

 


quinta-feira, 29 de julho de 2021


Hoje eu estava na cidade de Santa Maria atendendo um cliente e este senhor chegou com o seu cavalo e sua carroça carregada de areia fina... quando iniciou a descarregar, começou uma forte chuva, logo, todos correram para se abrigar, mas não esse homem. Com a chuva forte e seu cavalo ficando agitado, ele apenas o abraçou e ficou lá por todo o tempo que a chuva se manteve forte (e estava muito forte)... quando passou a chuva ele percebeu que eu estava olhando para ele, sorriu e me disse: tenho que proteger meu melhor amigo né?

Moral da história: em tempos de fortes chuvas, não esqueça daqueles que te ajudaram nos dias de sol.

(Autoria não identificada) 

Luquinha de Piancó: o temido pistoleiro paraibano

Memórias traumáticas: quando o cérebro nos aprisiona ao passado


O cérebro parece viver aprisionado no passado e isto acontece porque as memórias traumáticas têm a capacidade de mediar processos cerebrais e até alterar vários processos orgânicos, causando somatizações e perturbações tão debilitantes, como por exemplo, a perturbação de stresse pós-traumático.

Existem memórias de eventos passados que deixam marcas profundas. A experiência de episódios emocionalmente ativadores e perturbadores (tais como ter sofrido abusos ou maus-tratos na infância ou adolescência, testemunhar um evento violento, ou viver em contexto de guerra) criam memórias traumáticas que são revividas com sofrimento e que influenciam diretamente a forma como pensamos, como sentimos e como nos relacionamos conosco próprios e com os outros.

O cérebro parece viver aprisionado no passado e isto acontece porque as memórias traumáticas têm a capacidade de mediar processos cerebrais e até alterar vários processos orgânicos, causando somatizações e perturbações tão debilitantes, como por exemplo, a perturbação de stresse pós-traumático.

A investigação científica tem demonstrado que as memórias de eventos traumáticos têm propriedades e características próprias que as diferenciam das memórias comuns. Estas memórias têm os seus próprios mecanismos para “perpetuar” a dor, aumentar a sensação de medo, experienciar o stresse de forma crônica e até afetar o funcionamento normal do cérebro. Desta forma, as memórias emocionais traumáticas levam-nos a criar padrões psicológicos e comportamentais repetitivos, tais como a hipervigilância (isto é estar sempre em estado de alerta), a necessidade de fugir, a angústia constante.

Todos estes processos fazem parte de um círculo de sofrimento permanente, mas que pode ser experienciado de forma diferente por cada pessoa e levar inclusivamente a alterações da própria memória. Por exemplo, há pessoas que passam a integrar memórias que não são inteiramente verdadeiras e que intensificam ainda mais o sofrimento e existem pessoas que bloqueiam certas experiências, funcionando como um mecanismo de defesa que tem como intenção diminuir o sofrimento (amnésia dissociativa).

É possível voltar à normalidade após uma situação traumática?

Nem sempre, pois irá depender do trauma, dos despoletadores do trauma, do acompanhamento terapêutico e da própria pessoa.

Embora seja possível superar os efeitos de um acontecimento traumático, o mesmo não se esquece. Os mecanismos de coping, ou seja, as estratégias que a pessoa utiliza, permitirão criar um espaço para outro tipo de normalidade, mas a experiência de eventos novos poderá estar sempre associada ao trauma, se não houver uma desconstrução dos mesmos.

A procura de ajuda profissional é fundamental. Com ajuda profissional especializada, o que vai acontecer é a criação de um programa psicoterapêutico com recursos personalizados a cada caso, que incluirá regulação emocional e recursos para lidar com o sofrimento. Pretende-se criar alicerces de segurança interna para que a pessoa consiga criar resiliência e um novo paradigma de pensamento, reestruturado e adaptativo. Para tal, é importante não criar a ilusão de que as pessoas que passarem por estas adversidades se tornam invariavelmente mais fortes. Há adversidades e adversidades. Por isso, é que cada plano tem que ser ajustado não só em função das experiências vividas, do tipo de trauma, mas também em função dos objetivos terapêuticos do cliente. Um dos grandes erros é tratarmos as perturbações de forma estandardizada e generalizada. Nestes e noutros casos, as especificidades podem ditar o sucesso da intervenção.

A cura não depende exclusivamente da força de vontade que a pessoa tem em superar. Alia-se antes ao desenvolvimento de capacidades, estratégias, ao aprender a ser flexível, resiliente e capaz de aceitar a dor e saber conviver com ela de forma funcional.

Sobrevivermos a algo tão negativo não é suficiente para sermos felizes. É preciso tratar o que dói para continuarmos a viver, é preciso ter ferramentas para superarmos o passado e permitirmo-nos viver um presente saudável, seguro e repleto de novas oportunidades e experiências profícuas. E para quem se quer libertar de correntes ao passado, os serviços de psicologia são absolutamente indispensáveis.

 

Um artigo da psicóloga clínica Laura Alho, da MIND | Psicologia Clínica e Forense.

 


 Cidade de Centuripe na Itália vista de cima.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

 



"Os leitores extraem dos livros, consoante o seu caráter, a exemplo da abelha ou da aranha que, do suco das flores retiram, uma o mel, a outra o seu veneno". 

Friedrich Nietzsche

Versículos do dia

Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos".

Mateus 28:19-20

Homem é expulso de restaurante por “comer demais” em rodízio

 Imagem meramente ilustrativa

Um homem foi expulso de um restaurante em São Paulo na última terça-feira (13) por “comer demais” durante um rodízio. O pintor João Carlos pagou R$ 19,90 e repetiu 14 vezes a refeição. Quando o cliente foi pegar o 15º prato, foi impedido pelos funcionários do estabelecimento.

“Os caras mandaram eu parar só por causa disso aqui ó: eu comi 14 pratos”, disse o pintor em vídeo que viralizou nas redes sociais. Na gravação, o homem aparece dando risada e exibindo uma mesa repleta de pratos sujos.

De acordo com ele, o restaurante devolveu o dinheiro pago no rodízio e pediu para que ele fosse embora e parasse de comer.

“Estou fazendo esse vídeo pra mostrar que isso não se faz, não. Me botaram para correr. O cara falou que não vai me servir mais, não, então estou deixando registrado”, continua.

Depois da repercussão do vídeo, o pintor decidiu ir ao restaurante de novo e, dessa vez, comeu 23 pratos de comida. “Esse é o resultado de me deixar comer a vontade, ó”, concluiu.
 
Fabricia Oliveira - PolêmicaParaíba

Argentina abre processo de compra de 10 mil pênis de madeira e gera debate em meio à crise de saúde

 


Edifício do Ministério da Saúde da Argentina, em Buenos Aires

O Ministério da Saúde da Argentina abriu uma licitação pública para a compra de materiais que incluem 10 mil pênis de madeira polida para serem usados em campanhas de saúde e prevenção de doenças sexualmente transmitidas. A aquisição dos produtos, que incluem também maletas e dispensers de preservativos, foi autorizada por um valor estimado de 13 milhões de pesos, ou cerca de R$ 690 mil.

A secretária de Acesso à Saúde do governo argentino, Sandra Marcelo Tirado, indicou através de uma resolução, com data de 24 de junho, que a compra dos insumos "permitirá assegurar uma ampla disponibilidade de materiais de promoção cuja finalidade seja conscientizar e evitar a propagação de enfermidades de transmissão sexual como o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis", noticiou o La Nación.

Os detalhes da compra aparecem no Portal de Compras Públicas da Argentina. Segundo os dados, trata-se da aquisição de 10 mil maletas de propileno de cor turquesa; 10 mil dispensers de preservativos; e 10 mil unidades de pênis de madeira polida.

O processo de compra dos materiais em meio à crise de saúde causada pela pandemia gerou debate nas redes sociais, com muitos questionando se a compra é adequada para o momento.
 
Por Gazeta do Povo

terça-feira, 27 de julho de 2021


 Por fora, já desistiu. Por dentro, sempre descobre alguma desculpa para recomeçar.

Fabrício Carpinejar


A minha mocidade há muito pus
No tranquilo convento da tristeza;
Lá passa dias, noites, sempre presa,
Olhos fechados, magras mãos em cruz...

Lá fora, a Noite, Satanás, seduz!
Desdobra-se em requintes de Beleza...
E como um beijo ardente a Natureza...
A minha cela é como um rio de luz...

Fecha os teus olhos bem! Não vejas nada!
Empalidece mais! E, resignada,
Prende os teus braços a uma cruz maior!

Gela ainda a mortalha que te encerra!
Enche a boca de cinzas e de terra
Ó minha mocidade toda em flor!

Florbela Espanca

 “Porque amar é uma arte e nem todo mundo é artista.”

Renato Russo


 


 


segunda-feira, 26 de julho de 2021


 “A vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida há um ponto final.”

Fernando Pessoa

 



“Da primeira vez em que me assassinaram, perdi um jeito de sorrir que tinha. Depois, de cada vez que me mataram, foram levando qualquer coisa minha.”

Mário Quintana.


 “- Por isso eu digo: não é o destino que conta mas o caminho”

Mia Couto, in “Terra Sonâmbula”

Drummond

 

"Gostaria de te desejar tantas coisas.
Mas nada seria o suficiente.
Então desejo apenas que você tenha muitos desejos. Desejos grandes e que eles possam te mover a cada minuto ao rumo da felicidade."

domingo, 25 de julho de 2021

 


 


O grande homem é aquele que não perdeu a candura de sua infância.

(Provérbio Chinês)

 


Que recado você escreveria para o Universo?


"Há pensamentos que são orações. Há momentos nos quais, seja qual for a posição do corpo, a alma está de joelhos."

Victor Hugo

 


sábado, 24 de julho de 2021


Se um livro é mau, nada o pode desculpar; sendo bom, nem todos os reis o conseguem esmagar.

Voltaire


(...) Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil.

Clarice Lispector


 Que minha coragem seja maior que meu medo e que minha força seja tão grande quanto minha fé.


"Como toda a gente, tentei, bem ou mal, corrigir a minha natureza pela moral.
Foi, ai de mim, o que me custou mais caro."

Albert Camus in
"O Acesso e o Direito"

 


Nosso fantástico sistema solar em escala. A terra está ali no cantinho inferior esquerdo!


Se alguém quiser saber de mim, diga-lhe que sobrevivi. Renasço em cada poesia!

Teófilo Júnior

 



"Os cientistas dizem
que somos feitos de átomos,
mas um passarinho me contou
que somos feitos de histórias."

Eduardo Galeano


Impressionante. O artista de rua, Kevin Lee, pintou essa obra com o título: "A invisibilidade da pobreza'' A arte como denúncia e expressão.