"Você é o céu!.. Todo o resto é apenas o tempo.."
Pema Chödrön
"Há um grande silêncio que está à escuta...
E a gente se põe a dizer inquietamente qualquer coisa, qualquer coisa, seja o que for,
desde a corriqueira dúvida sobre se chove ou não chove hoje até a tua dúvida metafísica, Hamleto!
E, por todo o sempre, enquanto a gente fala, fala, fala o silêncio escuta... e cala."
O sociólogo polonês conhecido por criar o conceito de “modernidade líquida”, que usou para definir os dias de hoje e os que vêm pela frente. A ideia colou: seus livros estão entre os mais vendidos – um feito e tanto pra um pensador que não é dos mais fáceis de ler.
A modernidade líquida parte do pressuposto de que, no passado, tudo era sólido. Por exemplo: uma família tinha um pai, uma mãe e um punhado de filhos. Agora o mundo estaria mais líquido. Ou, pelo menos, os conceitos, mais frouxos. E aí, seguindo o mesmo exemplo, as famílias “líquidas” passaram a ser aceitas com naturalidade. Hoje em dia, até mesmo um bando de solteiros que mora junto pode se considerar uma família.
Para Bauman, não são apenas as famílias que estão mais líquidas, mas o mundo. Na vida profissional, um desses sintomas é a instabilidade das carreiras. A liquidez interfere até na hora de ter medo: em vez de um inimigo nítido, surge o terrorismo, que pode atacar em qualquer lugar.
De qualquer maneira, não é só porque Bauman entendeu o mundo que ele passou a concordar com tudo isso que está aí. Pelo contrário: crítico do consumismo exacerbado, o sociólogo reclama que a fluidez também tornou mais flexíveis valores importantes, como a relação humana, o amor e o comprometimento. O curioso é que é justamente a defesa dos valores sólidos que fazem de Bauman um dos pensadores de maior sucesso.
“O
medo está lá, saturando diariamente a existência humana, enquanto a
desregulamentação penetra profundamente nos seus alicerces e os bastiões
de defesa da sociedade civil desabam. O medo está lá – e recorrer a
seus suprimentos aparentemente inexauríveis e avidamente renovados a fim
de reconstruir um capital político depauperado é uma tentação à qual
muitos políticos acham difícil resistir. E a estratégia de lucrar com o
medo está igualmente bem arraigada, na verdade uma tradição que remonta
aos anos iniciais do ataque liberal ao Estado social.”
– Zygmunt Bauman, em “Tempos líquidos”. [tradução Carlos Alberto Medeiros].Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 23.
“Massas
cada vez maiores de pessoas desperdiçadas no equilíbrio político e
social da coexistência humana planetária. A conseqüência da globalização
do mercado financeiro e de trabalho, da modernização administrativa
pelo capital, do modo de vida moderno, colaboram para os “escoadouros”
humanos, excluindo os não pertencentes ao meio. […] A vida moderna
produz uma “escala crescente: a população supérflua, supranumerária e
irrelevante – a grande quantidade de sobras do mercado de trabalho e o
refugo da economia orientada para o mercado, acima da capacidade dos
dispositivos de reciclagem.”
– Zygmunt Bauman, em “Tempos líquidos”. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 35.
“Transformações
sociais, culturais e políticas associadas à passagem do estágio
“sólido” para o estágio “líquido” da modernidade, o afastamento da nova
elite (localmente estabelecida, mas globalmente orientada e apenas
ligada de forma distante ao lugar em que se instalou) de seu antigo
compromisso com a população local e a resultante brecha espiritual/
comunicacional.”
– Zygmunt Bauman, em “Tempos líquidos”. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 84.
“Pensar
tira nossa mente da tarefa em curso, que requer sempre a corrida e a
manutenção da velocidade. E na falta do pensamento, o patinar sobre o
gelo fino que é uma fatalidade para todos os indivíduos frágeis na
realidade porosa pode ser equivocadamente tomado como seu destino.”
– Zygmunt Bauman, trecho do livro “Modernidade líquida”. [tradução
Plinio Dentzien]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.
“Tomar
distância, tomar tempo – a fim de separar o destino e a fatalidade, de
emancipar o destino da fatalidade, de torná-lo livre para confrontar a
fatalidade e desafiá-la: essa é a vocação da sociologia. E é o que os
sociólogos pode fazer caso de esforcem consciente, deliberada e
honestamente para refundir a vocação a que atendem – sua fatalidade – em
seu destino.”
– Zygmunt Bauman, trecho do livro
“Modernidade líquida”. [tradução Plinio Dentzien]. 1ª ed., Rio de
Janeiro: Editora Zahar, 2001.
“Nós somos responsáveis
pelo outro, estando atento a isto ou não, desejando ou não, torcendo
positivamente ou indo contra, pela simples razão de que, em nosso mundo
globalizado, tudo o que fazemos (ou deixamos de fazer) tem impacto na
vida de todo mundo e tudo o que as pessoas fazem (ou se privam de fazer)
acaba afetando nossas vidas.”
– Zygmunt Bauman,
trecho do livro “Modernidade líquida”. [tradução Plinio Dentzien]. 1ª
ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.
OBRA DE ZYGMUNT BAUMAN PUBLICADA NO BRASIL
:: Ética pós-moderna, de Zygmunt Bauman. [tradução João Rezende Costa]. 1ª ed., São Paulo: Paulus Editora, 1997.
:: Modernidade e holocausto, de Zygmunt Bauman. [tradução Marcus Antunes Penchel]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
:: Modernidade e ambivalência, de Zygmunt Bauman. [tradução Marcus Antunes Penchel]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
:: Globalização: as consequências humanas, de Zygmunt Bauman. [tradução Marcus Penchel]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
:: O mal-estar da pós-modernidade,
de Zygmunt Bauman. [tradução Cláudia Martinelli Gama e Mauro Gama]. 1ª
ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1999. Disponível em pdf no link. (acessado
em 13.9.2015).
:: Em busca da política, de
Zygmunt Bauman. [tradução Marcus Antunes Penchel]. 1ª ed., Rio de
Janeiro: Zahar, 2000. Disponível em pdf no link. (acessado em
13.9.2015).
:: Modernidade líquida, de Zygmunt Bauman. [tradução Plinio Dentzien]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.
:: Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, de Zygmunt Bauman. [tradução Plinio Dentzien]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2003.
:: Amor líquido, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2004.
:: Vidas desperdiçadas, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2005.
:: Identidade,
de Zygmunt Bauman. (Entrevista a Benedetto Vecchi).. [tradução Carlos
Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2005.
:: Europa – uma aventura inacabada, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2005.
:: Vida líquida, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2007.
:: Tempos líquidos, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2007.
:: Medo líquido, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2008.
:: Vida para consumo, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2008.
:: A sociedade individualizada – vidas contadas e histórias vividas, de Zygmunt Bauman. [tradução José Gradel]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2008.
:: Confiança e medo na cidade, de Zygmunt Bauman. [tradução Eliana Aguiar]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2009.
:: A arte da vida, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2009.
:: Capitalismo parasitário, de Zygmunt Bauman. [tradução Eliana Aguiar]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.
:: Legisladores e interpretes, de Zygmunt Bauman. [tradução Renato Aguiar]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.
:: A ética é possível num mundo de consumidores?, de Zygmunt Bauman. [tradução Alexandre Vieira Werneck]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.
:: Aprendendo a pensar com a sociologia, de Zygmunt Bauman e Tim May. [tradução
Alexandre Vieira Werneck]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.
:: A vida a crédito, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010.
:: Bauman sobre Bauman, de Zygmunt Bauman. (Biografia).. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2011.
:: Vida em fragmentos – sobre a ética pós-moderna, de Zygmunt Bauman.[tradução Alexandre Vieira Werneck]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2011.
:: 44 cartas do mundo líquido moderno, de Zygmunt Bauman. [tradução Vera Pereira]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2011.
:: Ensaios sobre o conceito de cultura, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2012.
:: A cultura no mundo líquido moderno, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2012.
:: Isto não é um diário, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2012.
:: Sobre a educação e juventude,
de Zygmunt Bauman. (Conversas com Riccardo Mazzeo).. [tradução Carlos
Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013.
:: Danos colaterais – desigualdades sociais numa era global, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013.
:: Vigilância líquida, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2014.
:: Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2014.
:: A riqueza de poucos beneficia todos nós?, de Zygmunt Bauman. [tradução Renato Aguiar]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2014.
:: Para que serve a sociologia?, de Zygmunt Bauman. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2015.
:: Estado de crise, de Zygmunt Bauman e Carlo Bordoni. [tradução Renato Aguiar]. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
:: O retorno do pêndulo: Sobre a psicanálise e o futuro do mundo líquido, de Zygmunt Bauman e Gustavo Dessal. [tradução Joana Angélica d’Avila Melo]. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
:: Retrotopia, de Zygmunt Bauman. [tradução Renato Aguiar]. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
:: A individualidade numa época de incertezas, de Zygmunt Bauman e Rein Raud. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
:: Nascidos em tempos líquidos: Transformações no terceiro milênio, de Zygmunt Bauman e Thomas Leoncini. [tradução Joana Angélica d’Avila Melo]. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
:: Mal líquido: Vivendo num mundo sem alternativas, de Zygmunt Bauman e Leonidas Donskis. [tradução Carlos Alberto Medeiros]. Rio de Janeiro: Zahar, 2019.
Livros sobre Zigmunt Bauman
SILVA, Paulo Fernando da.. Conceito de ética na contemporaneidade segundo Bauman. São Paulo: FEU – Fundação Editora Unesp); Cultura Acadêmica, 2013.
Fonte: Revista Prosa Verso e Arte
Ao acordar, naquele dia preliminar da Primavera, senti imediatamente que alguma coisa tinha acontecido de muito fundamental na ordem do mundo. Eu, homem de despertar difícil, pulei da cama tão bem-disposto e leve que, por um momento, assustei-me com a sensação indizível que sentia. Ao pegar o copo habitual para a minha água matutina, notei que se achava cheio de uma substância volátil, penetrada de uma linda cor violeta. E não sei por que bebi do copo vazio, estranguladamente, o ar da Primavera, de gosto azul e fragrância fria, com um peso específico de sonho.
Durante alguns minutos nada me aconteceu. Tomei meu café, fumei um cigarro e dei uma olhada nas coisas. Mas de repente senti que em mim a matéria começava a se transformar. Palpitações violentas confrangeram-me o coração e eu mal conseguia respirar. Vi minha filhinha Susana distorcer-se à minha frente como ante um espelho côncavo e logo em seguida penetrou-me um cheiro tão monumental que pensei se me tivesse enlouquecido a imaginação. Era um cheiro de menininha, um cheiro que eu conhecia bem, próprio de minha filha, mistura de talco, suorzinho, lavanda, xixi, sabonete, leite e sono; mas desta vez com uma tal amplitude que eu podia perfeitamente distinguir cada um dos subcheiros da sua composição. No talco, por exemplo, senti um cheiro de polvilho que não o abona, talco tão caro!, e senti também que no leite havia um cheiro de água, o que só vem corroborar a certeza geral de que o leite, nesta cidade do Rio de Janeiro, anda sendo fartamente batizado.
Depois senti milhões de cheiros. Não os descreverei todos para não ferir, com o desagrado de alguns, os ouvidos — diria melhor: os narizes — do leitor mais delicado. Como todo mundo sabe, a praia do Leblon não cheira a rosas — e caiba-me aqui mais uma vez chamar a atenção das autoridades competentes para o crime que é despejarem os esgotos naquelas águas onde se banha o que de mais inocente há no bairro: a criançada rica, remediada e pobre das ruas pavimentadas e da Praia do Pinto. Enfim, estou a fugir do meu assunto, mas valha-me a referência para registrar um cheiro enorme que senti na ocasião: um cheiro de miséria, que só poderia provir da dita Praia do Pinto, lugar, como todo mundo sabe, onde se comprime, em barracões infectos, a mais negra, sórdida e desamparada indigência da zona.
Mas até já ia me esquecendo: senti um cheiro de nazismo, súbito. Ora — direis —, como é esse tal cheiro de nazismo? Reconheço a dificuldade de descrevê-lo em toda a sua complexidade, mas penso que era um cheiro branco, inodoro, perfeitamente ortodoxo, no entanto, com laivos de salsicha, chope e cachorro policial, um cheiro de radiotelegrafia e talvez de cemitério. Não podia, porém, precisar de onde ele vinha, querendo me parecer, sem haver nisso qualquer insinuação, que chegava da rua Visconde de Pirajá, possivelmente, de algum café ou bar, desses onde se reúnem os nazistas conhecidos e desconhecidos que continuam a se aporrinhar mutuamente em grupos, pelos bebedouros de importação germânica que ainda existem nesta cidade hospitaleira.
Tudo isso constituía um fenômeno muito curioso. Os cheiros mais estranhos, os mais perversos, os mais doces, os do amor, os da solidão, perseguiam-me como outros tantos espíritos da Primavera. Um cheiro dolorosíssimo de morte chegou-me ao mesmo tempo que um odor de nascimento. Soube que alguém morria e nascia naquele instante particular do mundo e senti o cheiro da minha vaidade de me saber dono de um tão grande privilégio. Curioso também: só não conseguia sentir bem, em meio àquela sinfonia de cheiros, o aroma das coisas obviamente cheirosas como as flores e as mulheres em geral. O perfume do mar, por exemplo, eu o sentia em toda a sua frescura, verde, salso, infinito, e também o cheiro da areia que por sua vez cheirava a nuvem. Cheiro horrível era o de uma mosca que naquela ocasião voejava à minha volta: bicho imundo! Tive que fugir para a varanda, onde senti o vigoroso cheiro da madeira dos troncos, um rubicundo cheiro de sol e… ah, esses gatos miseráveis! Um dia ainda passo fogo num!
Ao sentir um cheiro de cachaça pensei comigo que meu amigo… (não, não o desmoralizarei) devia estar por perto: e efetivamente, pouco depois chegava ele com um queijo de minas debaixo do braço, cujo cheiro me deu vertigens. Mas eu acho o cheiro de queijo tão bom (contra, bem sei, a opinião de quase todo mundo, que, estou certo, irá rir de mim) que seria capaz de usá-lo no lenço, quando, naturalmente, não houvesse ninguém por perto. Aliás, poderia usar no lenço também cheiro de graxa ou gasolina, cheiro de torrefação de café ou mesmo cheiro de padaria de madrugada, quando o pão é feito.
Tantos cheiros, tantos… O cheiro do teu riso, minha adorada, de tua boca quente e sem malícia. O cheiro de tua pureza, coisa inefável, parecendo sândalo ou alfazema. O cheiro da tua devoção de cada instante, cheirando a alecrim ou mato verde, o cheiro da tua emoção constante, como o da terra viva molhada de chuva…
E depois senti um cheiro de sobrenatural, um gigantesco cheiro de sobrenatural, um cheiro de éter, um cheiro de cristal transparente em vibração, um cheiro de luz antiga, ainda fria dos eternos espaços por onde passara em seu caminho para a Terra. A Primavera cheirava toda para mim, só para mim, desnudada, a dançar na manhã azul perfeita, embriagante, toda olhos claros e sorrisos, a abrir com beijos de brisa a boca infantil das corolas nascituras. E dentro da Primavera senti um cheiro mágico de Paz.
(Novembro de 1944)
Vinicius de Moraes, no livro “Para uma menina com uma flor”. [organização Eucanaã Ferraz] São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
(Autoria não identificada)
Existem memórias de eventos passados que deixam marcas profundas. A experiência de episódios emocionalmente ativadores e perturbadores (tais como ter sofrido abusos ou maus-tratos na infância ou adolescência, testemunhar um evento violento, ou viver em contexto de guerra) criam memórias traumáticas que são revividas com sofrimento e que influenciam diretamente a forma como pensamos, como sentimos e como nos relacionamos conosco próprios e com os outros.
O cérebro parece viver aprisionado no passado e isto acontece porque as memórias traumáticas têm a capacidade de mediar processos cerebrais e até alterar vários processos orgânicos, causando somatizações e perturbações tão debilitantes, como por exemplo, a perturbação de stresse pós-traumático.
A investigação científica tem demonstrado que as memórias de eventos traumáticos têm propriedades e características próprias que as diferenciam das memórias comuns. Estas memórias têm os seus próprios mecanismos para “perpetuar” a dor, aumentar a sensação de medo, experienciar o stresse de forma crônica e até afetar o funcionamento normal do cérebro. Desta forma, as memórias emocionais traumáticas levam-nos a criar padrões psicológicos e comportamentais repetitivos, tais como a hipervigilância (isto é estar sempre em estado de alerta), a necessidade de fugir, a angústia constante.
Todos estes processos fazem parte de um círculo de sofrimento permanente, mas que pode ser experienciado de forma diferente por cada pessoa e levar inclusivamente a alterações da própria memória. Por exemplo, há pessoas que passam a integrar memórias que não são inteiramente verdadeiras e que intensificam ainda mais o sofrimento e existem pessoas que bloqueiam certas experiências, funcionando como um mecanismo de defesa que tem como intenção diminuir o sofrimento (amnésia dissociativa).
Nem sempre, pois irá depender do trauma, dos despoletadores do trauma, do acompanhamento terapêutico e da própria pessoa.
Embora seja possível superar os efeitos de um acontecimento traumático, o mesmo não se esquece. Os mecanismos de coping, ou seja, as estratégias que a pessoa utiliza, permitirão criar um espaço para outro tipo de normalidade, mas a experiência de eventos novos poderá estar sempre associada ao trauma, se não houver uma desconstrução dos mesmos.
A procura de ajuda profissional é fundamental. Com ajuda profissional especializada, o que vai acontecer é a criação de um programa psicoterapêutico com recursos personalizados a cada caso, que incluirá regulação emocional e recursos para lidar com o sofrimento. Pretende-se criar alicerces de segurança interna para que a pessoa consiga criar resiliência e um novo paradigma de pensamento, reestruturado e adaptativo. Para tal, é importante não criar a ilusão de que as pessoas que passarem por estas adversidades se tornam invariavelmente mais fortes. Há adversidades e adversidades. Por isso, é que cada plano tem que ser ajustado não só em função das experiências vividas, do tipo de trauma, mas também em função dos objetivos terapêuticos do cliente. Um dos grandes erros é tratarmos as perturbações de forma estandardizada e generalizada. Nestes e noutros casos, as especificidades podem ditar o sucesso da intervenção.
A cura não depende exclusivamente da força de vontade que a pessoa tem em superar. Alia-se antes ao desenvolvimento de capacidades, estratégias, ao aprender a ser flexível, resiliente e capaz de aceitar a dor e saber conviver com ela de forma funcional.
Sobrevivermos a algo tão negativo não é suficiente para sermos felizes. É preciso tratar o que dói para continuarmos a viver, é preciso ter ferramentas para superarmos o passado e permitirmo-nos viver um presente saudável, seguro e repleto de novas oportunidades e experiências profícuas. E para quem se quer libertar de correntes ao passado, os serviços de psicologia são absolutamente indispensáveis.
Um artigo da psicóloga clínica Laura Alho, da MIND | Psicologia Clínica e Forense.
Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos".
Mateus 28:19-20
Imagem meramente ilustrativa
Um homem foi expulso de um restaurante em São Paulo na última terça-feira (13) por “comer demais” durante um rodízio. O pintor João Carlos pagou R$ 19,90 e repetiu 14 vezes a refeição. Quando o cliente foi pegar o 15º prato, foi impedido pelos funcionários do estabelecimento.
A minha mocidade há muito pus
No tranquilo convento da tristeza;
Lá passa dias, noites, sempre presa,
Olhos fechados, magras mãos em cruz...
Lá fora, a Noite, Satanás, seduz!
Desdobra-se em requintes de Beleza...
E como um beijo ardente a Natureza...
A minha cela é como um rio de luz...
Fecha os teus olhos bem! Não vejas nada!
Empalidece mais! E, resignada,
Prende os teus braços a uma cruz maior!
Gela ainda a mortalha que te encerra!
Enche a boca de cinzas e de terra
Ó minha mocidade toda em flor!
Florbela Espanca