quinta-feira, 30 de janeiro de 2020
Dançando com o espantalho
Tenho dito ou insinuado aqui que amadurecer deveria ser visto como algo
positivo e que envelhecimento não é revogação da individualidade. Um dos
motivos de nossas frustrações, homens e mulheres, é vivermos numa
cultura que idolatra a juventude e endeusa a forma física além de
qualquer sensatez. Se maturidade é fruto da mocidade e velhice é
resultado da maturidade, viver é ir tecendo naturalmente a trama da
existência. Processo tão enganosamente trivial para aquele que o vive,
tão singular para quem o observa. Tão insignificante no contexto da
história humana. Seguindo esse fluxo, vestidos com nossas
circunstâncias, carregando a bagagem que nos foi dada e a que fomos
adquirindo, navegamos. Escolhemos algo do roteiro, desenhamos alguma
coisa nas margens, acompanhados por presenças positivas mas também pelo
monstro da nossa dificuldade de viver bem, sempre pronto a liquidar
conosco. Não nos damos sempre conta dele: faz parte da nossa cultura,
nossa educação, da mídia, da personalidade. Está nas revistas, na mente
dos que nos rodeiam e dos que amamos, está dentro de nós. Cresce e
prospera na medida em que não temos o costume de lidar com ele. O
inimigo é variado, tem muitas cabeças. Somos muitos, dizia o demônio que
possuíra um infeliz na literatura cristã. Todas elas nos controlam e
inibem: a imposição e aceitação de modelos inatingíveis; a
não-apreciação de si; a submissão a preconceitos, a ausência de valores
pessoais; a frivolidade nos relacionamentos afetivos mais variados. O
consequente temor do processo que em lugar de evolução e crescimento nos
assusta como aniquilamento. Precisamos superar a ideia de que estamos
meramente correndo para o nosso fim, num processo de deterioração e
apagamento. Esse é o nosso fantasma mais destrutivo, pois se alimenta
com nosso terror da morte, e cresce desmesuradamente porque nosso vazio
interior lhe concede um espaço extraordinário. Se quisermos, mais que
sobreviver, crescer enquanto humanos e pensantes, esse relógio sobre a
mesa-de-cabeceira ou no pulso – especialmente o relógio em nossa mente –
deve ser apenas aquilo que é: instrumento para medir e coordenar as
atividades cotidianas. Para marcar as fases com seus encantos e
limitações, sua riqueza e suas privações, mas de modo geral significando
crescimento, não mutilação. A cada transição executamos nossos rituais,
perdemos alguns bens e ganhamos outros, alguns duramente conquistados.
Falo dos bens de dentro.
Esses que nem o banco fechando nem
país falindo caducam; esses que nem o amado morrendo a gente perde;
esses que na dor nos iluminam, na alegria nos ajudam a curtir mais, e no
tédio – quando tudo parece tão sem graça – agitam correntes submersas
de energia mesmo se a superfície parece morta. Quando pensamos que tudo
acabou, que nunca mais teremos alegria ou emoção, tudo isso que estava
guardado e é bom emerge em plena vigência e força. É desses tesouros que
eu falo: eles podem vencer o que nos paralisa. Hão de superar essa
cultura do aqui e agora, do aproveitar, do adquirir, do estar na moda,
do estar por cima, do estar-se agitando e curtindo sem parar. Na
infância tudo é sempre agora.
Estamos ocupados em viver. Aos
poucos se distinguem antes e depois, talvez pela separação momentânea de
uma presença reconfortante que vai e retorna num tempo ainda não
medido. A ausência se torna real num lampejo quando essa pessoa
volta.”Ué, você não estava aí?” Por fim emergimos daquelas águas mornas e
percebemos que existimos – no tempo.
Estamos em processo, em
viagem, estamos em curso. O limbo assume nitidez e começa a nossa
história. Quando menina eu gostava de levantar ao amanhecer e saborear o
proibido, pois criança tinha de ficar quieta na cama até a mãe chamar.
Ia até a janela e abria, devagar para não fazer ruído. Como era mágico o
jardim naquela hora. Pleno da noite que terminava, pleno da espera pelo
dia que ia começar.
Já naquela época a alternância dos dias não
me parecia hostil, mas uma espécie de feitiço que provocava
transformações: o casulo com a promessa de asas cintilantes. Por que
necessariamente agora, com corpo agrandado, pele menos suave, rugas e
experiência, estarei em declínio e não em natural transformação – como
tudo o mais? O que é bonito num bebê desagrada num adolescente; o que
num jovem deslumbra, numa pessoa madura pode ficar deslocado; assim como
na velhice – se ela não for uma caricatura da juventude -, encanta o
que é próprio dela. “Mas o que pode haver de positivo em ficar velho?”
perguntaram-me um dia. “Diga uma coisa só, e vou acreditar.” As
qualidades interiores vão sobressaindo, afirmando-se sobre as físicas.
Ao contrário da pele, cabelos, brilho de olhar e firmeza de carnes, elas
tendem a se aprimorar: inteligência, bondade, dignidade, escutar o
outro. Capacidade de compreender. Mas é preciso que exista algo interior
para sobressair: o desgaste físico será compensado pelo brilho de
dentro. Não será preciso nem mutilar-se com cirurgias além do razoável,
maquilagem exagerada, roupas extravagantes.., nem ocultar-se porque
estamos maduros, ou já estamos velhos. Se a transformação que se efetua
em nosso corpo é inexorável, sua velocidade e características dependem
de genética, cuidados, saúde, vitalidade interior também. Com o
inexorável só há uma saída, e não será fugir: é vivenciá-lo do melhor
modo que posso. A questão não é que a vida fique suspensa, mas que a
gente viaje com ela, em lugar de paralisar-se e ficar atrás.
Se não formos demasiado tolos, gostaremos de nossa aparência em todos os estágios. Olhar-se no espelho e dizer: “Bom, essa sou eu”. Nem extraordinariamente conservada nem excessivamente destruída. Estou como se está nesta fase. E se eu sou assim, gosto de mim. Sou a minha história. Pois não somos só nossa aparência; mas somos também nossa aparência. Negá-la é negar o que, afinal, nos tornamos. Por isso, se é melancólico negligenciar a aparência, é patético querermos parecer ter 20 anos aos 40, ou 40 aos 70. Deveríamos querer ser belas, dignas, elegantes e vitais pessoas – de 60 ou 80 anos. Felizes, ainda, aos oitenta anos.
Se não formos demasiado tolos, gostaremos de nossa aparência em todos os estágios. Olhar-se no espelho e dizer: “Bom, essa sou eu”. Nem extraordinariamente conservada nem excessivamente destruída. Estou como se está nesta fase. E se eu sou assim, gosto de mim. Sou a minha história. Pois não somos só nossa aparência; mas somos também nossa aparência. Negá-la é negar o que, afinal, nos tornamos. Por isso, se é melancólico negligenciar a aparência, é patético querermos parecer ter 20 anos aos 40, ou 40 aos 70. Deveríamos querer ser belas, dignas, elegantes e vitais pessoas – de 60 ou 80 anos. Felizes, ainda, aos oitenta anos.
Emprestaram-me um livro onde estava sublinhada a
frase: a meta da vida é a morte. Bem, eu acredito que o final da vida é a
morte, mas que a meta da vida é uma vida feliz. Palavras gastam-se como
pedras de rio: mudam de forma e significado, de lugar, algumas
desaparecem, vão ser lama de leito das águas. Podem até reaparecer
renovadas mais adiante. Felicidade é uma delas. Banalizou-se porque
vivemos numa época de vulgarização de grandes emoções e desejos, tudo
fast food, prêt-à-porter, pronto para o micro-ondas, fácil e rápido… e
tantas vezes anêmico. Se por encantamento e profissão escolhi o
território das palavras, sei o quanto algumas se contaminam pelo uso e
se tornam agressivas ou contraditórias, têm ares de ironia ou de
ingenuidade. Tornam-se confusas e ineficientes, prestam-se a
mal-entendidos ou clareiam mais o significado. Conheço um pouco o modo
como se apoderam das nossas experiências e lhes dão rostos, roupas, ares
que nem tínhamos imaginado. Gosto das coisas – pessoas e palavras –
desconcertantes. Seus contornos imprecisos permitem que a gente exerça o
direito de refletir e de criar em cima delas. Mas algumas palavras e
circunstâncias me assustam quando espio por trás de seus sete véus.
Muitas
revestem as transformações de nosso tempo, mudança de padrões de
comportamento, progresso e avanço, mas também sombra e estéril angústia,
desperdício. Algumas têm a ver com ideais que não só raramente
atingimos, como, obtidos, pouco têm a ver com liberdade e com
felicidade. O curso do tempo significaria me tornar cada vez mais
completo, se eu não carregasse comigo o preconceito fundante de nossa
época: só a juventude é bela e tem direito de ser feliz, a maturidade é
sem graça e a velhice é uma maldição. A idade madura não precisa ser o
começo do fim, idade avançada não precisa ser isolamento e secura.
Podem-se
fortalecer laços amorosos, familiares, de amizade, variar de
interesses, curtir melhor o gozo das coisas boas. Existir é poder
refinar nossa consciência de que somos demais preciosos para nos
desperdiçarmos buscando ser quem não somos, não podemos, nem queremos
ser. “É assim, o tempo: devora tudo pelas beíradinhas, roendo,
corroendo, recortando e consumindo. E nada nem ninguém lhe escapará, a
não ser que faça dele seu bicho de estimação.” (O ponto cego, 1999)
Lya Luft
quarta-feira, 29 de janeiro de 2020
Da inquieta esperança
Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dê o Céu... quero é sonhar com ele
Na inquietação feliz do Purgatório.
Mário Quintana
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dê o Céu... quero é sonhar com ele
Na inquietação feliz do Purgatório.
Mário Quintana
terça-feira, 28 de janeiro de 2020
“Vivemos numa sociedade prostrada perante os valores da juventude”
“Envelhecer bem é trabalho para toda
a vida” foi o tema do painel apresentado por Júlio Machado Vaz no Fórum
Socialismo 2019. O médico psiquiatra abordou questões como a necessária
transformação dos cuidados de saúde.
Do esquerda.net (Portugal)
“A palavra velhice reenvia-nos,
queiramos ou não, para um estar. Para um ser. É algo, aliás, que está
completamente burocratizado. Um dia acordamos, temos 65 anos e somos
velhos oficialmente”, afirmou Júlio Machado Vaz no início da sua
intervenção.
O médico psiquiatra fez referência ao
relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) que “baseia as suas
recomendações na análise das mais recentes evidências a respeito do
processo de envelhecimento, e observa que muitas percepções e suposições
comuns sobre as pessoas mais velhas são baseadas em estereótipos
ultrapassados”.
“Como mostra a evidência, a perda das
habilidades comumente associada ao envelhecimento na verdade está apenas
vagamente relacionada com a idade cronológica das pessoas. Não existe
um idoso ‘típico’. A diversidade das capacidades e necessidades de saúde
dos adultos maiores não é aleatória, e sim advinda de eventos que
ocorrem ao longo de todo o curso da vida e frequentemente são
modificáveis, ressaltando a importância do enfoque de ciclo de vida para
se entender o processo de envelhecimento”, lê-se no documento.
Sublinhando que existe “uma mania muito
humana” de “cortarmos a vida às fatias”, o que nos dá uma falsa sensação
de “segurança”, Júlio Machado Vaz lembrou que “os colegas da neurologia
dizem-nos que a nível de desenvolvimento, a nível neuronal, por
exemplo, estar a falar de um fim de adolescência antes dos 24 anos não
faz sentido”.
A ideia de que a vida é um processo e de
que a nossa capacidade física e psicológica está apenas vagamente
relacionada com o passar dos anos esteve presente na sua intervenção.
Assumindo que a adoção de estilos de
vida saudável aumenta a probabilidade de envelhecermos com mais
qualidade de vida, o médico psiquiatra avançou que, a par da necessidade
de os profissionais de saúde respeitarem a liberdade individual de cada
pessoa, é necessário “evitar a armadilha” de considerar que estamos
perante uma “questão meramente individual” e assumir uma “postura
inquisitorial”, que se traduz numa “má prática clínica”.
“É ingênuo e insultuoso não levarmos em
linha de conta as condições de vida, em sentido lato, das pessoas”,
nomeadamente no que respeita às dificuldades econômicas de cada um,
defendeu.
De acordo com Júlio Machado Vaz, é
preciso transformar os sistemas de saúde: “Ao praticarmos uma medicina
baseada no profissional de saúde e não no doente não valorizamos o que
vem do outro lado”, sinalizou, avançando que, “se não existe essa
articulação, perdemos a ‘eficácia’ da nossa atividade”, já para não
falar na pedra basilar, que é o respeito pelo outro.
O profissional de saúde alertou que “não
fazer bem sai mais caro” e que, muitas vezes, estamos a “valorizar a
quantidade dos atos médicos e não a sua qualidade”, o que representa um
“erro crasso em termos éticos, mas também em termos de rentabilidade”,
já que a pessoa acaba por voltar aos serviços ou por sobrecarregar
outras unidades de saúde.
No que respeita à Saúde Pública, Júlio
Machado Vaz considera ainda que é fundamental ter sempre em conta a
diversidade física e mental dos mais velhos e priorizar “uma abordagem
integrada”, com a intervenção de várias profissões. Bem como é
prioritário apostar na formação em gerontologia e geriatria e nos
cuidados continuados e domiciliários. Outra questão levantada pelo
psiquiatra diz respeito ao facto de, muitas vezes, os profissionais de
saúde lidarem com a morte de uma forma impessoal e asséptica, não
priorizando o bem-estar da pessoa e diminuindo a qualidade de vida de
alguém ao tentar adiar a sua morte.
Durante a sua intervenção, Júlio Machado
Vaz abordou ainda a questão da discriminação a que os mais idosos estão
sujeitos: “Vivemos numa sociedade que vive totalmente prostrada perante
os valores da juventude. Uma das consequências é que a mensagem que a
mídia nos passa não é como envelhecer bem, é como fingir que não
envelhecemos, o que tem toda a lógica numa sociedade capitalista de
consumo”, frisou.
“A partir de certa altura,
interiorizamos essa discriminação e já não precisamos de ser
discriminados pelos outros. Temos polícias dentro de nós. E não há pior
censura do que aquela que foi interiorizada, porque arrastamo-la por
todo o lado”, acrescentou.
Júlio Machado Vaz apontou também a
discriminação explícita no que respeita à sexualidade dos mais idosos:
“Vivemos numa sociedade que decreta que é de mau gosto os mais velhos
apaixonarem-se, namorarem, quererem sentir-se bem. De tal maneira que
até o léxico é afetado”.
Também a forma como a sociedade lida com
a tristeza gera preconceitos e más práticas clínicas: “Vivemos numa
sociedade que tem uma tolerância baixíssima para os afetos
desagradáveis. A tristeza é um afeto completamente normal. Confundir
tristeza com depressões e encher as pessoas de drogas, bem como partir
do princípio que uma pessoa mais velha está deprimida apenas porque é
mais velha é péssimo na medicina”, destacou.
O médico psiquiatra ressaltou a
importância da participação social, assinalando que, com a reforma,
inúmeras vezes “descobrimos que temos poucos laços sociais, que não
temos hobbies, não temos interesses e isso pode ser catastrófico,
nomeadamente em termos psicológicos, o que está associado a determinadas
patologias”.
Júlio Machado Vaz alertou que “os
modelos antigos de cuidados informais são completamente impossíveis hoje
em dia” e que é urgente garantir os direitos dos cuidadores.
A necessidade de assegurar uma
supervisão governamental das medidas, mas com parcerias com as famílias e
comunidades; de remover barreiras arquitetônicas e adaptar o
planeamento urbano; de apostar na melhoria de salários e condições de
trabalho; de implementar verdadeiras políticas de gênero; de apoiar
iniciativas comunitárias; de garantir o direito à habitação e a proteção
contra a pobreza também constam das prioridades enumeradas pelo
psiquiatra.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2020
Frase
"A
humanidade não representa em absoluto uma evolução em direção ao
melhor, ao mais forte, ao mais elevado. O progresso é apenas uma ideia
moderna, ou seja, uma ideia falsa."
(Nietzsche)
(Nietzsche)
Meu blusão surrado e minhas sandálias de dedos.
O mundo não
vai lhe fazer feliz. Ele não está interessado com isso. O mundo só se
preocupa com a seu visual, com a sua "casca", com o seu pequeno, grande
ou inexistente patrimônio, com a marca da roupa que você veste ou com
as sandálias que você calça. O mundo lhe mede apenas pela sua
aparência. Você é para o mundo apenas o que lhe saltam aos olhos. A
felicidade do mundo está diretamente relacionada com a "coerência"
visual do outro e dura a efemeridade de suas exigências.
Considero que o externo não é essencial a alma, não, não é o externo,
não são suas vestes, não é o seu corpo gordo ou magro, alto ou baixo,
não é a quantidade do metal que você tem no bolso, não é a marca de suas
sandálias, não é o discurso do mundo sobre você que o tornará feliz. A
felicidade está em tudo aquilo que você edifica mentalmente. - Busque a
beleza da alma. Acredite, é lá onde mora a felicidade!
Teófilo Júnior
Teófilo Júnior
domingo, 26 de janeiro de 2020
sábado, 25 de janeiro de 2020
sexta-feira, 24 de janeiro de 2020
A Excalibur da vida real é, na verdade, italiana
O artefato se encontra em uma capela na Toscana, região de origem de um notório santo italiano
Uma espada medieval se encontra fincada em uma pedra na Capela de Montesiepi, localizada na bela Toscana da Itália. Porém, não se trata de nenhuma referência a lenda do Rei Arthur, mas sim da real história de um santo.
A
história arturiana pertence à Galgano Guidotti, nascido em 1148. O
jovem passou seus primeiros anos em meio à fortuna em uma família
abastada, mas aos 32 decidiu mudar de vida e seguir os ensinamentos de Jesus.
Retirando-se
como um eremita, ele tomou a decisão depois de receber aparições do
Arcanjo Miguel, falando para ele de um encontro com Deus e os doze apóstolos na colina de Monte Siepi (local onde mais tarde seria erguida a notória capela em que está a espada).
Em uma das aparições, Miguel falou para Guidotti que ele deveria se
desfazer de todos os seus bens mundanos, ao que o eremita respondeu que
seria difícil como partir uma pedra ao meio.
Para provar o seu
ponto, Galgano teria tentado fincar sua espada dentro de uma pedra, e,
para sua supresa, a espada perfurou e saiu do minério com muita
facilidade. Decidido a seguir a palavra do anjo, o homem cavalgou até o
topo do Monte Siepi e fincou sua espada em meio a uma impenetrável
pedra, onde permanece até hoje.
Um ano depois desse caso, Guidotti faleceu, e em 1185 Papa Lúcio III
santificou o homem, e a Capela de Montesiepi foi construída em volta da
espada fincada para preservar sua santidade.
Inúmeras foram as tentativas de ladrões e audaciosos de tirar o sabre da
rocha, e uma dessas tentativas permanecem expostas até hoje para os que
visitam a capela. Um ladrão, enquanto tentava remover a arma do lugar,
foi atacado por lobos e somente suas mãos sobraram da investida dos
animais.
Os membros mumificados resistem até hoje por razões desconhecidas,
mas servem de aviso para os mal-intencionados que hoje tem que passar
por uma proteção de vidro balístico para tocar no artefato.
Por
mais que tenha sido considerado um embuste por anos, a espada foi
examinada em 2001 e teve a sua idade avaliada. O metal e o estilo da
arma são consistentes com o fim dos anos 1100 e começo dos anos 1200.
Por mais que não seja possível verificar a autenticidade de sua
história, a idade, pelo menos, condiz com a lenda.
“Datar metais é
uma tarefa difícil, mas podemos dizer que a composição do metal e o seu
estilo são compatíveis com a era em que se passa a lenda”, disse Luigi
Garlaschelli, da Universidade de Pádua, “Fomos bem sucedidos em negar as
acusações de que a história é uma mentira recente”.
Análises
feitas por radares ainda contemplaram uma cavidade de 2 metros de altura
por 1 metro de largura, que provavelmente devem ser uma cova para o
corpo do santo. Além disso, as mãos mumificadas também tiveram sua idade
conferida, e condizem com um corpo do século 12.
Caio Tortamano
Aventuras na História
quinta-feira, 23 de janeiro de 2020
Evolução
Em milhões de anos, as narinas das baleias e demais cetáceos migraram do
focinho para o topo da cabeça, onde formaram os espiráculos.
terça-feira, 21 de janeiro de 2020
Da chegada do amor
Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.
Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.
Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.
Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.
Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.
Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.
Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.
Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.
Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.
Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.
Sem senãos.
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.
Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.
Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.
Sempre quis um amor não omisso
e que sua estórias me contasse.
Ah, eu sempre quis um amor que amasse.
que falasse
que soubesse o que sentisse.
Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.
Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.
Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.
Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.
Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.
Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.
Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.
Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.
Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.
Sem senãos.
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.
Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.
Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.
Sempre quis um amor não omisso
e que sua estórias me contasse.
Ah, eu sempre quis um amor que amasse.
Elisa Lucinda
Chuva com Lembranças
Começam a cair uns pingos de chuva. Tão leves e raros que nem as borboletas
ainda perceberam, e continuam a pousar, às tontas, de jasmim em jasmim. As
pedras estão muito quentes, e cada gôta que cai logo se evapora. Os meninos
olham para o céu cinzento, estendem a mão — e vão tratar de outra coisa.
(Como desejariam pular em poças dágua! — Mas a chuva não vem...)
Nas terras sêcas, tanta gente, a esta hora, estará procurando também no céu um sinal de chuva! E, nas terras inundadas, quanta gente a suspirar por um raio de sol!
Penso em chuvas de outrora: chuvas matinais, que molham cabelos soltos, que despencam as flôres das cêrcas, entram pelos cadernos escolares e vão apagar a caprichosa caligrafia dos exercícios.
Chuvas de viagens: tempestades na Mantiqueira, quando nem os ponteiros dos pára-brisas dão vencimento à água; quando apenas se avista, recortada na noite, a paisagem súbita e fosfórea mostrada pelos relâmpagos. Catadupas despenhando sôbre Veneza, misturando o céu e os canais numa água única, e transformando o Palácio dos Doges num imenso barco mágico, onde se movem, pelos tetos e paredes, os deuses do paganismo e os santos cristãos. Chuva da Galiléia, salpicando as ruas pobres de Nazaré, regando os campos virentes, toldando o lago de Tiberíades coberto ainda pelo eterno olhar dos Apóstolos. Chuva pontual sôbre os belos campos semeados da França, e na fluida paisagem belga, por onde imensos cavalos sacodem, com displicente orgulho, a dourada crina...
Chuvas antigas, nesta cidade nossa, de perpétuas enchentes: a de 1811, que, com o desabamento de uma parte do morro do Castelo, soterrou várias pessoas, arrastou pontes, destruiu caminhos e causou tal pânico que durante sete dias as igrejas e capelas estiveram abertas, acesas, com os sacerdotes e o povo a implorarem a misericórdia divina. Uma, de 1864, que Vieira Fazenda descreve minuciosamente, com árvores arrancadas, janelas partidas, telhados pelos ares, desastres no mar e “vinte mil Lampiões da iluminação pública completamente inutilizados”.
Chuvas modernas, sem trovoada, sem igrejas em prece, mas com as ruas igualmente transformadas em rios, os barracos a escorregarem pelos morros, barreiras, pedras, telheiros a soterrarem pobre gente. Chuvas que interrompem estradas, estragam lavouras, deixam na miséria aquêles justamente que desejariam a boa rega do céu para a fecundidade de seus campos.
Por enquanto, caem apenas algumas gôtas daqui e dali. Nem as borboletas ainda percebem. Os meninos esperam em vão pelas poças dágua onde pulariam contentes. Tudo é apenas calor e céu cinzento, um céu de pedra onde os sábios e avisados tantas coisas liam outrora:
"São Jerônimo, Santa Bárbara Virgem,
lá no céu está escrito, entre a cruz e a água benta:
Livrai-nos, Senhor, desta tormenta!”
Nas terras sêcas, tanta gente, a esta hora, estará procurando também no céu um sinal de chuva! E, nas terras inundadas, quanta gente a suspirar por um raio de sol!
Penso em chuvas de outrora: chuvas matinais, que molham cabelos soltos, que despencam as flôres das cêrcas, entram pelos cadernos escolares e vão apagar a caprichosa caligrafia dos exercícios.
Chuvas de viagens: tempestades na Mantiqueira, quando nem os ponteiros dos pára-brisas dão vencimento à água; quando apenas se avista, recortada na noite, a paisagem súbita e fosfórea mostrada pelos relâmpagos. Catadupas despenhando sôbre Veneza, misturando o céu e os canais numa água única, e transformando o Palácio dos Doges num imenso barco mágico, onde se movem, pelos tetos e paredes, os deuses do paganismo e os santos cristãos. Chuva da Galiléia, salpicando as ruas pobres de Nazaré, regando os campos virentes, toldando o lago de Tiberíades coberto ainda pelo eterno olhar dos Apóstolos. Chuva pontual sôbre os belos campos semeados da França, e na fluida paisagem belga, por onde imensos cavalos sacodem, com displicente orgulho, a dourada crina...
Chuvas antigas, nesta cidade nossa, de perpétuas enchentes: a de 1811, que, com o desabamento de uma parte do morro do Castelo, soterrou várias pessoas, arrastou pontes, destruiu caminhos e causou tal pânico que durante sete dias as igrejas e capelas estiveram abertas, acesas, com os sacerdotes e o povo a implorarem a misericórdia divina. Uma, de 1864, que Vieira Fazenda descreve minuciosamente, com árvores arrancadas, janelas partidas, telhados pelos ares, desastres no mar e “vinte mil Lampiões da iluminação pública completamente inutilizados”.
Chuvas modernas, sem trovoada, sem igrejas em prece, mas com as ruas igualmente transformadas em rios, os barracos a escorregarem pelos morros, barreiras, pedras, telheiros a soterrarem pobre gente. Chuvas que interrompem estradas, estragam lavouras, deixam na miséria aquêles justamente que desejariam a boa rega do céu para a fecundidade de seus campos.
Por enquanto, caem apenas algumas gôtas daqui e dali. Nem as borboletas ainda percebem. Os meninos esperam em vão pelas poças dágua onde pulariam contentes. Tudo é apenas calor e céu cinzento, um céu de pedra onde os sábios e avisados tantas coisas liam outrora:
"São Jerônimo, Santa Bárbara Virgem,
lá no céu está escrito, entre a cruz e a água benta:
Livrai-nos, Senhor, desta tormenta!”
Cecília Meireles
Texto extraído do livro “Quadrante 2 - 4ª Edição (com Biografias)”, Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1963, págs. 48 e 49.
segunda-feira, 20 de janeiro de 2020
Resultados digitais
Demorei, mas o fato é que estou entrando, pouco a pouco, na era digital. Em outubro ganhei de presente de aniversário do meu filho mais velho uma conta do Instagram, para que pudesse mostrar pro mundo inteiro as colheres que faço com bambu. Agora, no Natal, ele inventou de fazer a edição digital do livro “Crônica do meu primeiro infarto”, onde relato passagens e emoções do evento coronariano que tive há exatos 25 anos.
Dois de seus argumentos eram irrefutáveis: o livro trata de assunto que interessa a muita gente e era coisa muito fácil de fazer. Seria, por assim dizer, uma edição comemorativa e com lançamento mundial. Bastaria revisar o texto, fazer uma capa chamativa e preparar a divulgação em massa via internet, a começar pelo envio de mensagens aos conhecidos e postagens nas redes. Dito e feito: a versão beta já está nas nuvens, sem qualquer dependência de editores, livrarias e tudo o mais. Em breve sai a versão definitiva a custo zero.
Tudo isso me fez lembrar do lançamento da versão impressa, no Iate Clube. Festa animada e inesquecível para mais de 1000 pessoas queridas, com direito a show da banda de rock dos meninos, apelidada de Artéria Entupida por meu irmão Afonso, vitrines com colheres bem na passagem da fila de autógrafos, muita conversa animada e beijos e abraços em profusão. Verdadeira comemoração por estarmos todos vivos e saudáveis. De quebra, um recorde espetacular: mais de 400 exemplares vendidos. Em escala menor, porém com as mesmas emoções, a festa se repetiu em Cachoeiro, no Rio, em Brasília e em João Pessoa, por onde deixamos muitos amigos. Preparar as respectivas listas de convidados deu trabalho mas foi um belo exercício de recomposição de memórias. Tive enorme satisfação em ver que muito pouca gente faltou.
Espero que a edição digital cumpra o seu papel, ao permitir que a leitura do livro seja feita por um número bem maior de interessados, de qualquer lugar. Na falta dos abraços, seria ótimo se, ao menos, ela gerasse uma boa quantidades de likes, compartilhamentos e comentários, coisas que fazem bem pra qualquer coração.
Vitória, 09 de janeiro de 2020
Álvaro Abreu
Escrita para A GAZETA
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