sábado, 30 de novembro de 2019
Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há-de matar!
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há-de matar!
Álvares de Azevedo
Frase
O amor é a poesia dos sentidos. Ou é sublime, ou não existe. Quando existe, existe para sempre e vai crescendo dia a dia.
Círculo vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
- Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
que arde no eterno azul, como uma eterna vela !
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
- Pudesse eu copiar o transparente lume,
que, da grega coluna á gótica janela,
contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela !
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
- Misera ! tivesse eu aquela enorme, aquela
claridade imortal, que toda a luz resume !
Mas o sol, inclinando a rutila capela:
- Pesa-me esta brilhante aureola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume?
Machado de Assis
- Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
que arde no eterno azul, como uma eterna vela !
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
- Pudesse eu copiar o transparente lume,
que, da grega coluna á gótica janela,
contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela !
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
- Misera ! tivesse eu aquela enorme, aquela
claridade imortal, que toda a luz resume !
Mas o sol, inclinando a rutila capela:
- Pesa-me esta brilhante aureola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume?
Machado de Assis
Armas Brancas do Medo’ expõe objetos domésticos utilizados para agredir mulheres
Facas, peixeiras, enxadas, tesouras, espetos – artigos domésticos
presentes na maioria das residências brasileiras, e que, ao longo dos
tempos, vêm sendo utilizados com uma finalidade mórbida: ameaçar, ferir
ou matar mulheres. Itens como estes constam na maioria dos processos que
envolvem violência física e doméstica contra a mulher e, por este
motivo, foram reunidos na Exposição ‘Armas Brancas do Medo –
Desnaturalizar é preciso’, aberta na tarde desta segunda-feira (25), no
Fórum Criminal da Capital, por ocasião da XV Semana Justiça pela Paz em
Casa.
Na ocasião, a servidora da Vara da Violência Doméstica contra a
Mulher da Capital, Thayse Vilar, prestou informações sobre os utensílios
expostos e explicou que a ideia da exposição surgiu após o conhecimento
de uma pesquisa que avaliou mortes violentas de mulheres no Mundo, em
que se concluiu que o local mais perigoso para elas era a própria casa.
Entre as armas expostas, constam, ainda, palmatória, cassetete, paus,
pedras, machado, marreta, picareta, foice, corrente, algema, canivete, e
outras. Os transeuntes têm a oportunidade de ouvir histórias sobre os
casos e tocar nas peças, sentir o peso, a textura dos objetos e tirar
suas conclusões. Também têm acesso a depoimentos de vítimas, expostos em
um painel, com conteúdo de violência sexual, psicológica, física e
patrimonial.
“São objetos que parecem simples. Choca a ideia de serem coisas de
uso diário, que todo mundo tem em casa: a corrente da rede, a mangueira
do bujão com o registro, as faquinhas de serra de mesa, a faca peixeira.
Todo mundo tem estranhado, as pessoas se arrepiam. Elas sabem que
existe esta violência, mas ver os objetos em conjunto, como armas de
crimes, têm causado impacto”, avaliou Thayse.
A servidora disse, ainda, que as armas brancas não são menos graves
que as armas de fogo. “Elas passam mais despercebidas e, portanto, podem
gerar uma ameça mais contínua”, analisou, exemplificando com um dos
casos em que o cassetete ficava pendurado na parede da sala, numa
constante e silenciosa ameaça.
A coordenadora da Mulher em Situação de Violência do Tribunal de
Justiça da Paraíba, juíza Graziela Queiroga Gadelha, informou que a
exposição ficará no Fórum Criminal durante toda a semana e que a ideia é
torná-la itinerante, para que chegue a outras comarcas e até as escolas
e às universidades.
“Temos o objetivo de promover esta desnaturalização sugerida pelo
título, porque, de fato, olhando esses instrumentos utilizados para
ameaçar e agredir mulheres, a gente consegue dimensionar e tornar mais
profunda a reflexão sobre o que vem a ser esta chaga da violência contra
a mulher”, pontuou a magistrada.
Por Gabriela Parente / Gecom - TJPB
sexta-feira, 29 de novembro de 2019
Frase
Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é
necessário; o que é necessário é criar.
O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.
Alberto Caeiro
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.
Alberto Caeiro
Embriague-se
É preciso estar sempre embriagado. Isso é tudo: é a única questão. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que lhe quebra os ombros e o curva para o chão, é preciso embriagar-se sem perdão.
Mas de que? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser. Mas embriague-se.E se às vezes, nos degraus de um palácio, na grama verde de um fosso, na solidão triste do seu quarto, você acorda, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, pergunte ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunte que horas são e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio lhe responderão: “É hora de embriagar-se! Para não ser o escravo mártir do Tempo, embriague-se; embriague-se sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser”.
Charles Baudelaire
quinta-feira, 28 de novembro de 2019
quarta-feira, 27 de novembro de 2019
Passo pálida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela é! Parece morta!”
e eu que vou sonhando, vaga, absorta,
não tenho um gesto, ou um olhar sequer …
“Que branca que ela é! Parece morta!”
e eu que vou sonhando, vaga, absorta,
não tenho um gesto, ou um olhar sequer …
Que diga o mundo e a gente o que quiser!
– O que é que isso me faz? O que me importa? …
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!
O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!
E é tudo sempre o mesmo, eternamente …
O mesmo lago plácido, dormente …
E os dias, sempre os mesmos, a correr …
Florbela Espanca
O Livro de Mágoas
– O que é que isso me faz? O que me importa? …
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!
O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!
E é tudo sempre o mesmo, eternamente …
O mesmo lago plácido, dormente …
E os dias, sempre os mesmos, a correr …
Florbela Espanca
O Livro de Mágoas
terça-feira, 26 de novembro de 2019
segunda-feira, 25 de novembro de 2019
Poema da despedida
dizer adeus
Afinal,
só os mortos sabem morrer
Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser
Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo
Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos
Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo.
Mia Couto
só os mortos sabem morrer
Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser
Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo
Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos
Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo.
Mia Couto
Versos à boca da noite
Sinto que o tempo sobre mim abate
sua mão pesada. Rugas, dentes, calva.
Uma aceitação maior de tudo,
e o medo de novas descobertas.
Escreverei sonetos de madureza?
Darei aos outros a ilusão de calma?
Serei sempre louco? Sempre mentiroso?
Acreditarei em mitos? Zombarei do mundo?
Há muito suspeitei o velho em mim.
Ainda criança, já me atormentava.
Hoje estou só. Nenhum menino salta
de minha vida, para restaurá-la.
Mas se eu pudesse recomeçar o dia!
Usar de novo minha adoração,
meu grito, minha fome. Vejo tudo
impossível e nítido, no espaço.
Lá onde não chegou minha ironia,
entre ídolos de rosto carregado,
ficaste, explicação de minha vida,
como os objetos perdidos na rua.
As experiências se multiplicaram:
viagens, furtos, altas solidões,
o desespero, agora cristal frio,
a melancolia, amada e repelida,
E tanta indecisão entre dois mares,
entre duas mulheres, duas roupas.
Toda essa mão para fazer um gesto
que de tão frágil nunca se modela,
E fica inerte, zona de desejo
selada por arbustos agressivos.
(Um homem se contempla sem amor,
se despe sem qualquer curiosidade.)
Mas vêm o tempo e a ideia de passado
visitar-te na curva de um jardim.
Vem a recordação, e te penetra
dentro de um cinema, subitamente.
E as memórias escorrem do pescoço,
do paletó, da guerra, do arco-íris;
enroscam-se no sonho e te perseguem,
à busca de pupila que as reflita.
E depois das memórias vem o tempo
trazer novo sortimento de memórias,
até que, fatigado, te recuses
e não saibas se a vida é ou foi.
Esta casa, que miras de passagem,
estará no Acre? na Argentina? Em ti?
Que palavra escutaste, e onde, quando?
Seria indiferente ou solidária?
Um pedaço de ti rompe a neblina,
voa talvez para a Bahia e deixa
outros pedaços, dissolvidos no atlas,
em País-do-Riso e em tua ama preta.
Que confusão de coisas ao crepúsculo!
Que riqueza! Sem préstimo, é verdade.
Bom seria captá-las e compô-las
num todo sábio, posto que sensível:
uma ordem, uma luz, uma alegria
baixando sôbre o peito despojado.
E já não era o furor dos vinte anos
nem a renúncia às coisas que elegeu,
Mas a penetração no lenho dócil,
um mergulho em piscina, sem esforço,
um achado sem dor, uma fusão,
tal uma inteligência do universo
comprada em sal, em rugas e cabelo.
Carlos Drummond de Andrade
domingo, 24 de novembro de 2019
Epitalâmio
O alto fulgor desta paixão insana
Há-de cegar nossos corações
E deserdados da esperança humana
Palmilharemos por escuridões…
Há-de cegar nossos corações
E deserdados da esperança humana
Palmilharemos por escuridões…
Não mais te orgulharás da soberana
Beleza! e eu, minhas cálidas canções
Não mais dedilharei com mão ufana
Na harpa de luz das minhas ilusões!…
Beleza! e eu, minhas cálidas canções
Não mais dedilharei com mão ufana
Na harpa de luz das minhas ilusões!…
Pela realização que ora se ultima
Vai apagar-se em breve o alto fulgor
Que te inflama e ilumina o meu desejo…
Vai apagar-se em breve o alto fulgor
Que te inflama e ilumina o meu desejo…
Como no último verso a última rima,
Eu deporei, sem gozo e sem calor,
Meu derradeiro beijo no teu beijo!
Eu deporei, sem gozo e sem calor,
Meu derradeiro beijo no teu beijo!
Mário de Andrade
Puritanismo ou depravação
Tenho feito muitas críticas às letras escrachadas dos falsos forrós que
tocam por aí, o que tem me merecido respostas no tom de: “Que moralismo é
esse? O tempo da ditadura acabou”.
Essa resposta coloca uma questão interessante, porque, como se sabe, os anos da ditadura militar não tiveram apenas Censura política, mas também uma rígida censura de costumes. Nudez, palavrão, gandaia, referências a sexo, tudo isso era perseguido, proibido, cortado.
É um milagre que um jornal como “O Pasquim”, para citar apenas um exemplo, tenha conseguido publicar tudo que publicou. E que autores como Henry Miller tenham sido traduzidos e editados no Brasil durante esse período.
O que há é que com o fim da ditadura houve um “liberou geral” na imprensa, nas artes, na TV, na música. Foi uma melhora? Sem dúvida. Mas a melhora está ficando tão histérica que está acarretando uma piora na direção oposta.
E isto se deve ao fato, repetidamente afirmado nesta coluna, de que saímos da Ditadura Militar para a Ditadura do Mercado, que em alguns aspectos é mais confortável de viver do que a outra, mas a longo prazo é igualmente prejudicial.
Na ditadura militar, tudo era proibido. Na Ditadura do Mercado, tudo é mercadoria, tudo pode ser comprado com dinheiro, porque este é o valor que as pessoas mais prezam.
Na ditadura militar, as mulheres eram proibidas de mostrar o corpo. Na ditadura do mercado, as mulheres mostram o corpo, não porque se liberaram do moralismo, mas porque são encorajadas a se oferecer como mercadoria.
O Discurso Puritano interessava à ditadura militar, comandada por generais tradicionalistas e conservadores. Defendiam uma moralidade ascética, reprimida e repressora, inspirada na religião.
Já o Discurso Depravado interessa à ditadura do mercado. Sua estratégia é ditada por empresários cujo objetivo é o acúmulo rápido de dinheiro, pregando o consumo em alta escala e o cultivo de um estilo de vida hedonista, voltado para o desfrute de todos os prazeres oferecidos aos que são ricos e jovens.
Esta segunda ditadura, que a cada ano manda mais na indústria cultural brasileira, precisa ser tão questionada e combatida quanto a anterior. As duas são o extremo oposto uma da outra, mas as duas têm o mesmo efeito nocivo: amputar a totalidade da experiência humana, sabotar a liberdade, pegar populações de jovens e prepará-las cuidadosamente para obedecer aos seus comandos como um rato de laboratório.
Há trinta anos, a ditadura militar oferecia segurança e exigia repressão sexual. Hoje em dia, a ditadura do mercado oferece desfrute sexual ilimitado e está impondo um jogo cuja regra é: “Tudo tem preço. Quanto é o seu?”
Quanto é que você cobra para fazer algo que você é contra?
Quanto cobra pelo seu filho, pela sua filha, pela sua mãe?
Quanto é a aposta que eu vou lhe fazer uma proposta irrecusável?
Quanto é a aposta que meu dinheiro vale mais, para você, do que você mesmo?
Essa resposta coloca uma questão interessante, porque, como se sabe, os anos da ditadura militar não tiveram apenas Censura política, mas também uma rígida censura de costumes. Nudez, palavrão, gandaia, referências a sexo, tudo isso era perseguido, proibido, cortado.
É um milagre que um jornal como “O Pasquim”, para citar apenas um exemplo, tenha conseguido publicar tudo que publicou. E que autores como Henry Miller tenham sido traduzidos e editados no Brasil durante esse período.
O que há é que com o fim da ditadura houve um “liberou geral” na imprensa, nas artes, na TV, na música. Foi uma melhora? Sem dúvida. Mas a melhora está ficando tão histérica que está acarretando uma piora na direção oposta.
E isto se deve ao fato, repetidamente afirmado nesta coluna, de que saímos da Ditadura Militar para a Ditadura do Mercado, que em alguns aspectos é mais confortável de viver do que a outra, mas a longo prazo é igualmente prejudicial.
Na ditadura militar, tudo era proibido. Na Ditadura do Mercado, tudo é mercadoria, tudo pode ser comprado com dinheiro, porque este é o valor que as pessoas mais prezam.
Na ditadura militar, as mulheres eram proibidas de mostrar o corpo. Na ditadura do mercado, as mulheres mostram o corpo, não porque se liberaram do moralismo, mas porque são encorajadas a se oferecer como mercadoria.
O Discurso Puritano interessava à ditadura militar, comandada por generais tradicionalistas e conservadores. Defendiam uma moralidade ascética, reprimida e repressora, inspirada na religião.
Já o Discurso Depravado interessa à ditadura do mercado. Sua estratégia é ditada por empresários cujo objetivo é o acúmulo rápido de dinheiro, pregando o consumo em alta escala e o cultivo de um estilo de vida hedonista, voltado para o desfrute de todos os prazeres oferecidos aos que são ricos e jovens.
Esta segunda ditadura, que a cada ano manda mais na indústria cultural brasileira, precisa ser tão questionada e combatida quanto a anterior. As duas são o extremo oposto uma da outra, mas as duas têm o mesmo efeito nocivo: amputar a totalidade da experiência humana, sabotar a liberdade, pegar populações de jovens e prepará-las cuidadosamente para obedecer aos seus comandos como um rato de laboratório.
Há trinta anos, a ditadura militar oferecia segurança e exigia repressão sexual. Hoje em dia, a ditadura do mercado oferece desfrute sexual ilimitado e está impondo um jogo cuja regra é: “Tudo tem preço. Quanto é o seu?”
Quanto é que você cobra para fazer algo que você é contra?
Quanto cobra pelo seu filho, pela sua filha, pela sua mãe?
Quanto é a aposta que eu vou lhe fazer uma proposta irrecusável?
Quanto é a aposta que meu dinheiro vale mais, para você, do que você mesmo?
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
Humor
Certa manhã, um amigo meu abriu o jornal e encontrou o próprio nome no obituário. Telefonou imediatamente para mim e perguntou:
– Viu meu nome no obituário de hoje?
– Vi, sim – respondi. – Hum… de onde exatamente você está ligando?
Walt Schnurr
O fazedor de amanhecer
Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.
Manoel de Barros
Paraíba firma acordo para criação de Escritório Social em dezembro
A Paraíba será o primeiro estado do Nordeste a implantar o Escritório
Social, que visa qualificar o retorno de pessoas egressas do sistema
prisional à vida fora do cárcere.
Na segunda-feira (11/11) foi assinado Acordo de Cooperação Técnica entre
Conselho Nacional de Justiça, Tribunal de Justiça e governo estadual
para a instalação do equipamento.
A disseminação do Escritório Social é um dos campos de ação do
programa Justiça Presente, parceria do CNJ com o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e apoio do Ministério da Justiça e
Segurança Pública para enfrentar os gargalos estruturais do sistema
prisional.
O Escritório Social será inaugurado em dezembro deste ano no centro
de João Pessoa e vai reunir, em um mesmo local, atendimentos e serviços
para dar suporte aos egressos do sistema prisional e as suas famílias em
diversas áreas como saúde, educação, qualificação, encaminhamento profissional, atendimento psicossocial e moradia.
Criado pelo CNJ em 2016, o Escritório já funciona no Estado do Espírito
Santo e faz parte do Eixo 3 do Justiça Presente — na semana passada foi
inaugurado em Roraima e deve chegar a mais 10 estados nos próximos
meses.
O presidente do TJPB, desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos, e o
governador do estado, João Azevedo, assinaram o Acordo de Cooperação
Técnica para a instalação do equipamento. O presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministro Dias Toffoli, foi representado
pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ e coordenador do Departamento
de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário Nacional
(DMF/CNJ), Luís Geraldo Lanfredi.
Para o presidente do TJ-PB, desembargador Márcio Murilo da Cunha
Ramos, mais uma vez o Poder Judiciário estadual tem uma atitude de
vanguarda, ao se empenhar para inauguração do Escritório Social. “A
medida é fruto de muita cooperação entre os poderes constituídos, para
que o egresso tenha chances reais de ressocialização. Todos podem errar e
precisam de uma chance para se reabilitar. Estamos dando um passo longo
e firme para que a gente mude a política de enfrentamento ao crime, com
a ressocialização das pessoas que deixam os presídios”, destacou.
A Paraíba também recebeu, na última semana, evento de formação regional
de equipes que atuarão não apenas no Escritório Social do estado, mas
que também atenderão egressos em Alagoas, Bahia, Pernambuco, Rio Grande
do Norte e Sergipe. O objetivo das formações é disseminar metodologias
de trabalho e mobilizar atores relevantes que permitam alavancar a
implantação de uma política nacional voltada aos egressos – são cerca de
50 participantes capacitados por evento. Com informações da assessoria
de imprensa do CNJ.
Conjur
sábado, 23 de novembro de 2019
Embriague-se
É preciso estar sempre
embriagado. Isso é tudo: é a única questão. Para não sentir o horrível
fardo do Tempo que lhe quebra os ombros e o curva para o chão, é preciso embriagar-se sem perdão.
Mas de que? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser. Mas embriague-se.
Mas de que? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser. Mas embriague-se.
E se às vezes, nos degraus de um palácio, na grama verde de um fosso, na solidão triste do seu quarto, você acorda, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, pergunte ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunte que horas são e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio lhe responderão: “É hora de embriagar-se! Para não ser o escravo mártir do Tempo, embriague-se; embriague-se sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser”.
Charles Baudelaire
O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.
Alberto Caeiro
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.
Alberto Caeiro
Por sermos imperfeitos
A perfeição seria o tédio, e desse, sim, eu poderia morrer, para bocejar
até o final dos tempos contemplando a ordem celeste: anjos rechonchudos
naquela disciplina, ninguém dando um escorregão, ninguém botando a
língua pra São Pedro, nem o próprio solta um palavrãozinho ao bater o pé
em uma nuvem mais escura, o raio lhe chamuscando o calcanhar?
Eu quando criança morria de medo dessa ordem impenetrável na qual não haveria lugar para mim.
Porque somos imperfeitos, podemos melhorar. Podemos aprender formas melhores de convívio e de amor. Podemos até mesmo superar adições, que são a servidão do corpo e da alma.
Outro dia conheci um grupo de homens e mulheres, dos mais variados níveis culturais e sociais, que fizeram da imperfeição a sua razão de vitória. Das pedras que tiveram e têm de quebrar construíram seu caminho, alguns até seu castelo. Gente que se livrou — ou ainda luta para se libertar — da adição química, qualquer que seja, não importa se álcool ou outra droga.
Reúnem-se em grupos nos quais se exerce a humildade, a sinceridade, o respeito, e a fé em algo melhor: senti-me privilegiada podendo estar com eles, mais para aprender do que falar.
Nós, que não vivemos o drama da adição química, como somos ignorantes, preconceituosos, rápidos em condenar e superficiais no compreender. Com isso disfarçamos nossos próprios medos, em lugar de os enfrentar como fazem esses anônimos guerreiros.
Fingimos ser superiores, batendo grandes papos sobre dinheiro, futebol, sacanagem, política, ninguém levando porrada — como diria Fernando, o Pessoa. Não estamos nem aí. Botamos tapa-olhos para não enxergar o que se passa, vestimos máscaras para que a verdade não nos cuspa na cara, e nos defendemos do rumor que nos ameaça, botando fones de ouvido enquanto caminhamos na esteira para ficarmos em forma.
Mas temos medo e solidão; como país, presenciamos escândalos nunca antes vistos, temos nossa confiança duramente abalada. A violência é cotidiana, o narcotráfico nos ameaça, mais pessoas foram assassinadas por aqui do que nas guerras ao redor do mundo nos últimos anos. Andamos encolhidos dentro de casa.
Estão cada vez mais altos os muros do medo e do silêncio.
Não acho que antes fosse o paraíso, mas nunca vi tão escrachada corrupção e tão aberta impunidade.
A gente se lamenta, dá palpites e entrevistas, organiza seminários.
Resultado? Parece que nenhum. Melhor não saber a quem a situação
interessa, nem por que sugestões e explicações insólitas aparecem e
desaparecem das páginas de jornal e telas de televisão.
Quando nada se pode fazer, optamos pela resignação. Mas sou da tribo (não tão pequena) dos que não se conformam. Não acredito em revolução, a não ser pessoal. Em algumas coisas sou antipaticamente individualista. Não sou boazinha, e quem julga meus livros bonzinhos está lendo com os óculos da sua própria burrice. Mas acho que quando o complicado não resolve pode-se tentar o mais simples. Às vezes ser simples é original.
Cada vez que, seja por trágica dependência, seja por aquilo que minha velha mãe chamava “fazer-se de interessante”, um de nós consome uma droga qualquer (mesmo o cigarrinho de maconha dividido com a turma) está botando no cano de uma arma a bala — perdida ou não — que vai matar uma criança, uma mãe de família, um trabalhador. Nosso filho, quem sabe.
É uma afirmação dura? É. A vida pode ser muito dura, e, pior que isso, cada um de nós é responsável.
Num jantar, há muitos anos, um conhecido desabafou, com grande culpa, que costumava fazer-se de pai amigão fumando maconha com os filhos quando adolescentes, para estar mais próximo deles. Um dos meninos sofreu gravíssimos problemas de adição pelo resto da vida.
O pai era culpado? Não creio. Nas tragédias familiares só há vítimas, embora alguns devam ser mais responsáveis do que outros. A vida não é tão simples, nem eu sou, de longe, moralista. Mas a gente brinca demais à beira do abismo.
Voltando ao começo deste artigo: os que me chamaram para falar, ouvir e aprender, renovaram minha convicção de que na questão da violência ligada ao narcotráfico, portanto ao uso de drogas, sermos os eternos queixosos que não fazem nada é outra forma de violência — perigosa porque sutil.
É colaborar com os que vão nos atingir no coração: diretamente com uma bala, ou com a morte praticamente anunciada de alguém que amamos.
— Lya Luft, no livro “Em outras palavras”. Rio de Janeiro: Record, 2011
sexta-feira, 22 de novembro de 2019
O fácil e o difícil
(Vik Muniz por Vik Muniz)
Há um estilo de cantoria de viola chamado “Quadrão de Meia Quadra” que é
uma beleza para um cantador “se amostrar” diante dos leigos. É uma
estrofe um tanto longa, e que sempre vai mais ou menos nessa pisada:
“Se eu disser que é meia noite, você diz que é meio dia
se eu disser que é meio balde, você diz meia bacia
se eu disser que é meio João, você diz meia Maria
se eu disser meia Maria, você diz que é meio João.
Se eu disser que é meia areia, você diz meio torrão
se eu disser meio torrão, você diz que é meia areia
se eu disser que é meia quadra, você diz que é quadra e meia
e se eu disser que é quadra e meia, você diz que é meio quadrão.
É um estilo marcante, e foi citado indiretamente por Zé Ramalho em “Avôhai” (“E se eu disser que é meio sabido, você diz que é meio pior...”).
Já tirei muita onda diante de pessoas leigas, cantando de improviso este tipo de verso. Porque na verdade não tem o que inventar, é só essa cantilena de meio-isso-meio-aquilo, substituindo as palavras-chave para encaixar nas rimas obrigatórias. E pronto.
Mas as linhas são longas, são cantadas com certa rapidez atropelada, e envolvem jogos-de-palavras cuja estrutura simples não é percebida à primeira vista, e então parece que é o troço mais difícil do mundo. Já cantei muita meia-quadra, sozinho, ao violão, diante de amigos que saíam dizendo que eu era o maior repentista do Nordeste.
Muito mais difícil do que uma meia-quadra é improvisar uma mera sextilha, onde você tem que tirar seis versos do Nada, do Zero Absoluto, e tudo tem que fazer sentido.
Em toda atividade existem coisas assim. No futebol, por exemplo, um passe de calcanhar parece mais difícil, e provoca mais sensação, do que um passe de 30 metros que vai certinho no pé do outro cara. Este último, por ser feito “de frente”, parece muito mais fácil, e não é.
Vik Muniz, artista plástico paulistano radicado em Nova York, resumiu esta questão numa entrevista à revista Zupi de novembro, de maneira exemplar:
“Existem trabalhos que são gostosos de fazer por serem fáceis e parecerem difíceis, e existem trabalhos gostosos de ver prontos por serem difíceis e parecerem fáceis”.
No primeiro caso está a meia-quadra, que qualquer cantador mediano canta durante meia-hora sem nem sequer suar a testa.
Muniz observa que quando um trabalho é difícil ele não é bom de fazer: é bom de ver pronto. Isto bate certinho com uma frase que já vi atribuída a Armando Nogueira e a Zuenir Ventura: “Não gosto de escrever. Gosto de ter escrito”. Certas coisas nos dão um orgulho imenso depois que estão existindo, mas só Deus sabe o sofrimento que foi para botá-las de pé. Qualquer elogio a elas, contudo, sempre nos parece pouco, porque só nós sabemos o quanto de suor nos custaram.
Por outro lado, fazer uma meia-quadra e receber mil elogios nos dá complexo de culpa, porque quem elogia está superestimando a dificuldade da façanha, e se iludindo quanto ao talento de quem a praticou.
“Se eu disser que é meia noite, você diz que é meio dia
se eu disser que é meio balde, você diz meia bacia
se eu disser que é meio João, você diz meia Maria
se eu disser meia Maria, você diz que é meio João.
Se eu disser que é meia areia, você diz meio torrão
se eu disser meio torrão, você diz que é meia areia
se eu disser que é meia quadra, você diz que é quadra e meia
e se eu disser que é quadra e meia, você diz que é meio quadrão.
É um estilo marcante, e foi citado indiretamente por Zé Ramalho em “Avôhai” (“E se eu disser que é meio sabido, você diz que é meio pior...”).
Já tirei muita onda diante de pessoas leigas, cantando de improviso este tipo de verso. Porque na verdade não tem o que inventar, é só essa cantilena de meio-isso-meio-aquilo, substituindo as palavras-chave para encaixar nas rimas obrigatórias. E pronto.
Mas as linhas são longas, são cantadas com certa rapidez atropelada, e envolvem jogos-de-palavras cuja estrutura simples não é percebida à primeira vista, e então parece que é o troço mais difícil do mundo. Já cantei muita meia-quadra, sozinho, ao violão, diante de amigos que saíam dizendo que eu era o maior repentista do Nordeste.
Muito mais difícil do que uma meia-quadra é improvisar uma mera sextilha, onde você tem que tirar seis versos do Nada, do Zero Absoluto, e tudo tem que fazer sentido.
Em toda atividade existem coisas assim. No futebol, por exemplo, um passe de calcanhar parece mais difícil, e provoca mais sensação, do que um passe de 30 metros que vai certinho no pé do outro cara. Este último, por ser feito “de frente”, parece muito mais fácil, e não é.
Vik Muniz, artista plástico paulistano radicado em Nova York, resumiu esta questão numa entrevista à revista Zupi de novembro, de maneira exemplar:
“Existem trabalhos que são gostosos de fazer por serem fáceis e parecerem difíceis, e existem trabalhos gostosos de ver prontos por serem difíceis e parecerem fáceis”.
No primeiro caso está a meia-quadra, que qualquer cantador mediano canta durante meia-hora sem nem sequer suar a testa.
Muniz observa que quando um trabalho é difícil ele não é bom de fazer: é bom de ver pronto. Isto bate certinho com uma frase que já vi atribuída a Armando Nogueira e a Zuenir Ventura: “Não gosto de escrever. Gosto de ter escrito”. Certas coisas nos dão um orgulho imenso depois que estão existindo, mas só Deus sabe o sofrimento que foi para botá-las de pé. Qualquer elogio a elas, contudo, sempre nos parece pouco, porque só nós sabemos o quanto de suor nos custaram.
Por outro lado, fazer uma meia-quadra e receber mil elogios nos dá complexo de culpa, porque quem elogia está superestimando a dificuldade da façanha, e se iludindo quanto ao talento de quem a praticou.
Bráulio Tavares
Mundo Fantasmo
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