Vamos voltar um
pouco ao tema da Mídia Ninja e das tecnologias de vigilância mútua entre o
aparelho do Estado (e das Corporações) e a população civil. A onipresença das
câmeras de segurança em nosso mundo urbano torna possível vigiar em tempo real
(ou reconstituir “a posteriori”) os movimentos dos cidadãos através de uma
cidade. A grande imprensa mostrou as deslocações do brasileiro Jean Charles
antes de ser equivocadamente morto pela polícia londrina, sob suspeita de
terrorismo, em 2005, e o modo como o carro da juíza Patrícia Accioly foi seguido
pelos policiais que a mataram em Niterói, em 2008. Reconstituições assim poderão
ser possíveis (em tese) em relação à maioria das pessoas, pois todas elas
estarão em algum momento de seus trajetos urbanos passando pelo campo visual de
uma câmera.
Nos EUA, carros da
rádio-patrulha levam uma câmera apontada para a dianteira do carro; desse modo,
quando os patrulheiros detêm um suspeito e param atrás do carro dele, todas as
ações subsequentes (descer, mandar o motorista descer, revistá-lo, algemá-lo,
dar-lhe uns safanões quando necessário) estarão sendo registradas para posterior
avaliação no tribunal, se for requerido por alguém.
Milhares de câmeras
portáteis nas mãos de manifestantes, cobrindo o tumulto de uma passeata, podem
ser uma arma poderosa, se não para dissuadir a polícia de praticar as
barbaridades costumeiras, pelo menos para atribuir responsabilidades “a
posteriori”. Outra arma importante seria (não sei até que ponto isto já é
contemplado pelas nossas leis atuais) a exigência de que qualquer procedimento
policial fosse obrigatoriamente registrado em vídeo e áudio; e que no caso de a
polícia não fornecer essas gravações, quando solicitadas por um juiz, isto fosse
considerado um indício de possível culpabilidade. Uma micro-câmera numerada no
capacete de cada policial envolvido na repressão de manifestações de rua. (E só
faltava agora eles quebrarem a câmera com a mesma cara-de-pau com que arrancam o
nome da farda.)
Câmeras no interior das
delegacias, principalmente nas salas de interrogatório. É possível? Câmeras nos
guichês de atendimento do Detran e outras repartições notórias pelo descaso,
corrupção ou bagunça. É possível? Câmeras onde quer que ações governamentais e
corporativas possam estar se chocando com o interesse da população. É possível?
Se for, é preciso votar para que isto se transforme em lei, e que os bancos de
imagens sejam acessíveis à sociedade organizada. Em termos enxadrísticos, o Povo
precisa deixar de jogar com as peças pretas. Precisa jogar com as brancas, tomar
a iniciativa contra (e colocar em xeque) Governos e Corporações.
Braulio Tavares
(O mundo fantasmo)