sexta-feira, 31 de maio de 2013

Mitologia dos pés

("Pés de um Apóstolo", Albrecht Durer)
 
Mario Quintana dizia que os fiéis beijam os pés de um santo por saberem que são eles a sua parte mais santificada, a que o levou pelo mundo afora. Os pés o conduziram pelas estradas, o levaram ao encontro do mundo, dos pobres, dos pecadores. Se não botasse os pés pra trabalhar, o pretendente a santo teria se deixado ficar eternamente no bem-bom da própria casa, teorizando sobre o mundo e a graça divina. Nunca seria santo; seria um desses pecadores anódinos que não fedem nem cheiram, incapazes de fazer mal a um corpo e de salvar uma alma.
 
Vejam aquela antiga maldição dos contos populares, da moça que era condenada a sair andando pelo mundo até gastar dez pares de sapatos de ferro. Primeiro pelo peso e o desconforto, é óbvio; depois pela terrível perspectiva temporal dessa caminhada, um castigo de muitos séculos, até que os solados de metal fossem desgastados pela caminhada incessante. Era o castigo da soberba, da indiferença pelo mundo. Vai ter que caminhar, minha filha; “caia na estrada e perigas ver”. Tua maldade é a da ignorância, a de quem se fecha para a existência. Dez sapatos de ferro. Quando puderes finalmente tocar no chão com a planta lisa do pé terás aprendido o que é o mundo.
 
Castigo parecido ao que recebeu a Sereiazinha do conto de Andersen, que queria ser uma moça normal, queria sair do mar para a terra e namorar um príncipe. Seu pedido é atendido, ela perde o rabo de peixe, ganha um par de pernas; mas para que não esqueça sua condição vai ter que sentir agulhadas dolorosas na sola dos pés cada vez que os pousa no chão. Para lembrar sempre que não é dali, que escolheu vir à terra sabendo que ela a faria sofrer. Para lembrar que é estrangeira, que é de um mundo diferente. “Eu vim de lá, eu vim de lá pequenininho; alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho”. Quem vem de longe vem pra sofrer, quem pisa em terra alheia pisa chapa quente.
 
Os torturadores da Inquisição mandavam o indivíduo suspeito caminhar dez metros, descalço, por cima de brasas; se não se queimasse seria absolvido. Talvez porque estivessem à procura de líderes espírituais, aqueles já tão calejados que andariam na brasa ardente como se fosse uma grama orvalhada. Uma maneira prática de distinguir os espíritos evoluídos, os mais perigosos, os que valeria a pena executar ou seduzir.
 
A marca da sola dos nossos pés é a nossa verdadeira impressão digital. A que traz, não a herança com que nascemos, mas o acumulado da nossa experiência, dos nossos caminhos, dos ferimentos que recebemos e curamos. Quanto mais castigados os nossos pés, mais alto teremos subido e mais marcas teremos deixado no mundo que ficou para trás.
 
 
Braulio Tavares

Foto Nicholas McCalip
 
Por vezes parece mentira a vida que tenho. A pele que visto. A roupa que me serve. Os sapatos que calço. Parece não ser verdade que sou quem sou. Com todo o peso que carrego ou com toda a leveza que transpiro. Por vezes vejo outro reflexo que não é o meu. Como se vivesse numa bolha ou na via láctea.

Tantas vezes olho para as minhas conquistas e não me lembro de as combater. Ou esgatanho-me até alcançar o que não me realiza. Perdi tanta memória que tanto gostava de recuperar. Não me basta ler entradas vagas nas agendas ou nos cadernos ou ver fotos de outros tempos. Há momentos dos quais gostava de conseguir recuperar cheiros, dores, angústias, alegrias. Vedo e acimento de tal forma episódios da minha vida que mesmo que queira recuperar coisas boas dessas épocas não o consigo fazer. É como se fosse outra pessoa a viver algo vivido por mim. Os meus filhos cresceram depressa demais. As pálpebras carregadas revelam demasiado o caminho que já percorri.
 
 
Madalena Palma
“Vogais e Consoantes Politicamente Incorretas do Acordo Ortográfico” de Pedro Correia.
 
“O Acordo – diz Pedro Correia – é tecnicamente insustentável, juridicamente inválido, politicamente inepto e materialmente impraticável”.

Algodão doce na china (Arte com açucar)


quinta-feira, 30 de maio de 2013

Fato


Frase

"[...] Na Terra é impossível viver e não mentir, pois vida e mentira são sinônimos; mas, com o intuito de rir, aqui não vamos mentir. [...]"
 
(Fiódor Dostoiévski)

Sobre a crônica, por José Castello

►“Há uma anotação do Barão de Teive, heterônimo de Fernando Pessoa, que define, com precisão, o drama dos cronistas. Diz o barão, em seu A educação do estóico: ‘Tornara-me objetivo para mim mesmo. Mas não podia distinguir se com isso me achara, ou me perdera’.
 
“A crônica, diz-se, é o gênero da objetividade e domínio do eu. Nela, os escritores abandonam quimeras e máscaras para, enfim, descer ao mundo concreto e falar de si. A leitura de Cacos & carícias & outras crônicas, coletânea de crônicas de Hilda Hist lançada pela editora Globo, porém, expõe a ambiguidade dessa escolha.
 
“Ocorre que o eu, que nas crônicas enfim fala, ainda é, e sempre será, uma ficção. Quando dizemos ‘eu’, por mais sinceros que sejamos, manejamos ainda a mentira. Ele não passa de um esboço, precário, do que desejamos ser.
 
“Por conta dessa opção pelo eu, a crônica é vista, quase sempre, como um gênero literário menor. As primeiras suspeitas derivam de sua vizinhança com o jornalismo. De que ela trata, de eventos imaginários ou da vida real? Qual é seu objeto, a fantasia ou os fatos? Afinal, quem é o cronista: um escritor ou um jornalista?
 
“A crônica, na verdade, carrega os escritores até fronteiras que se avizinham do mundo — mas que ainda não são o mundo. Ela promete ao leitor um pouco da vida bruta — mas tudo o que oferece, ainda assim, é um punhado de palavras.
 
“Gênero limítrofe, a crônica é vista com suspeita tanto pelos escritores, que a julgam datada e ligeira, como pelos jornalistas, que a consideram fantasiosa. Escapa a ambos que ela é um lugar de entrecruzamento, um gênero sem gênero, um trangênero, o que, a propósito, combina com nossa época de transgênicos, de transnacionais e de transexuais.
 
“O que a crônica põe a nu não é o mundo, mas a própria literatura, que é sempre ‘movimento através de’. Como Macunaíma, o anti-herói de Mário de Andrade, ela se define pela ausência de caráter, o que não quer dizer mau-caráter. Posição periférica, que lhe confere o poder de deslocar perspectivas e de aniquilar certezas. Lugar, por fim, da própria literatura.
“Situado à margem, o cronista perde sem prestígio, mas ganha em liberdade. Experimenta a mesma leveza que sentimos ao chegar às fronteiras extremas, onde as regras desaparecem, as certezas se evaporam e só nos resta a brutalidade do horizonte.”
[...]
 
“Não posso deixar de lembrar da sentença do psicanalista hindu Wilfred Bion: ‘A palavra é só um relâmpago entre duas escuridões’. Gênero que imita os trânsfugas e os desertores, a crônica se torna o lugar, por excelência, desse súbito clarão. Do que quase é, mas já não é.
“A crônica não tem fórmulas. Grandes escritores como José de Alencar, Machado de Assis, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e Vinícius de Moraes a praticaram. Seduzidos, por certo, não por sua suposta pureza, mas pela impureza que a define.”
[...]
 
“Roçar o enigma, tangenciá-lo, eis tudo o que um escritor sempre deseja. Seja com a leveza da crônica, seja com a aspereza do romance ou a elevação do poeta, é sempre em torno de um enigma que o escritor escreve.” 
 
(CASTELLO, José. Viagem à fronteira. In: ____. Sábados inquietos. São Paulo: Leya, 2013, pp. 12-3.)
 
►“[...] O bom cronista despreza os grandes temas e prefere as migalhas oferecidas pelo cotidiano. Prefere se elevar e voar a agarrar e prender.”
“[...] Penso em Rubem Braga, em José Carlos Oliveira, em Paulo Mendes Campos. Que outra coisa praticaram senão a arte de liberar o mundo das amarras da arrogância? O que é crônica — gênero do eu e da confissão, mas também do mundo e da invenção — senão um artifício que nos leva a dar rasantes sobre o mundo, não como quem agride e domina, mas como alguém que o acaricia? Em vez da ‘vertigem da sobreloja’, que só afasta da realidade e dos outros, o doce bordejar da existência.
 
“Mesmo sendo o gênero do eu, a crônica não é o lugar da exibição e do triunfo. [...] Falhar: eis tudo o que um cronista deve saber. [...] Não o gênero da glória e da empáfia, mas o gênero da delicadeza e do fracasso. Um gênero, enfim, do humano. Cronistas são homens que aprendem a olhar. Homens que praticam o que Humberto Werneck chama de ‘olhares que iluminam’.
 
“A crônica, ele nos mostra ainda, é uma ‘viagem prazerosa e vadia’ pelo rés do chão. Viagem rasteira e serena, sem preparativos e sem agendas. E, quando voa — e voar faz parte também de sua natureza —, o cronista imita seu Fernando, o pai de meu amigo baiano, para quem o próprio vôo é mais importante que o destino. O cronista vê não o que os outros não vêem, mas o que os outros, mesmo vendo, desprezam. [...]” 
 
 
(CASTELLO, José. A vertigem de sobreloja. In: ____. Sábados inquietos. São Paulo: Leya, 2013, pp. 196-7.)
 
 
*Sugestão de Postagem do amigo Adauto Neto
Mão de Akhenaten que faz um oferecimento a Aten - Arenito. 
Egito antigo de Ashmunein Dinastia 18. 
  
Museu metropolitano de Arte.
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 28, o aumento da pena mínima para traficantes que fizerem parte de organização criminosa de 5 para 8 anos de prisão. A punição máxima continua em 15 anos. Na prática, a medida fará com que não seja mais possível iniciar o cumprimento deste tipo de pena em regime aberto.
O ministro Luiz Fux (foto acima), do Supremo Tribunal Federal (STF), negou nesta terça-feira, 28/05, o pedido feito pelo PSC para que fosse revogada a medida do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determinou aos cartórios de todo o pais a celebração de casamentos homossexuais

quarta-feira, 29 de maio de 2013

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Juíza Adriana Lins, de Cajazeiras-PB, é contra o 'bolsa família' e expõe suas razões de discórdia

Apenas a título de esclarecimento, aos que respeitam opiniões contrárias, e apenas a esses, é que escrevo agora.
 
Fui alvo de críticas e agressões acerca de minha opinião avessa ao Bolsa Família, programa criado pelo Governo Federal há 10 anos.
 
Grande parte optou por uma justificativa simplista: “é rica, juíza, elite, fala porque nunca passou necessidades, nunca passou fome...”. Pronto, essa justificativa encerra a questão e resolve o problema. É uma idiota que nada sabe sobre a vida.
 
Apenas a título de informação saibam que não sou rica, nunca fui e nunca serei. Meu salário é bom, e com ele, se Deus quiser, nunca passarei fome nem necessidade, mas lutei por ele, e como lutei. Sofri, estudei, trabalhei e lutei, repita-se. Mas isso é uma outra história que em outro momento, se interessar a alguém, posso contar. Contudo, existem outros motivos que levam as pessoas a formarem suas opiniões que não necessariamente as suas condições financeiras.
 
Nunca passei fome, graças a Deus e ao trabalho de meus pais, mas da mesma forma que nunca faltou, também nunca sobrou. Trabalho desde os 18 anos de idade, quando me submeti a concurso público e fui ser funcionária pública, trabalhar oito horas diárias e ganhar menos do que um salário mínimo, apesar da Constituição Federal já vedar tal conduta. Mas como já disse, isso é uma outra história.
 
O final de semana passado retrata exatamente um dos fatores que me levam a formar a opinião que tenho. Um simples “boato” de que o Bolsa Família iria acabar foi suficiente para causar um caos em várias agências da Caixa Econômica Federal. Uma pessoa me disse que teve que pedir dinheiro emprestado para sair do seu sítio para receber o bolsa família que “ía acabar”...

A pergunta é: de que viveriam essas pessoas se o bolsa família acabasse? A minha resposta: passariam ainda mais fome do que tinham quando começaram a recebê-lo. E sabem porque? Porque agora, com a certeza do “benefício”, não se propõem mais a trabalhar, ou estudar ou se profissionalizar. Enfim. Estão escravizados.
 
É a isso que me oponho.
 
Quando esse programa foi implantado a situação das pessoas era caótica, lastimável. Essas pessoas estão sendo tratadas como inúteis, incapazes. A partir do momento em que se implanta um programa de assistência sem uma política paralela de reestruturação, capacitação para restabelecimento de condições de trabalho, auto sustento, enfim, de independência, ou se considera que essas pessoas não tem capacidade para tanto ou não se está querendo ajudar, mas tão somente escravizar. É no que acredito.
 
A ONU, embora elogie o programa, critica o assistencialismo e o apelo político que ele gera. Segundo essa Organização o programa rendeu muita popularidade e votos, mas as desigualdades continuam elevadas com pequenos progressos.

Como programa de caráter EMERGENCIAL, o Bolsa Família foi importante, mas onde está a inclusão socieconômica sustentável das populações?
 
O saudoso Luiz Gonzaga já dizia em uma de suas canções, de composição com Zé Dantas: “Seu Doutor uma esmola para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão...”. É nisso que acredito muito antes de me tornar Juíza.
 
A Coordenadora do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil afirmou que da forma como o programa funciona, não tem sido útil para identificar e retirar as crianças do trabalho e que esse programa não tem impacto nenhum na redução do trabalho infantil.
 
Vejam a entrevista de Frei Beto ( que não é juiz), um dos líderes do Fome Zero e me digam o que acham.
 
O programa existe há 10 anos e pouquíssimo foi mudado na vida dessas pessoas. O que foi feito de efetivo para reestruturar essas famílias? Visitem as casas dessas pessoas e me digam o quanto mudou!
 
Enquanto apresentam índices de redução de evasão escolar, em razão do Bolsa Escola, os adolescentes que passam pela Vara que ocupo não sabem a data de seus nascimentos, não sabem o seu nome completo, não sabem o nome de seus pais e, pasmem, não tem a menor ideia de seus endereços. Que noção de civilidade esses meninos tem? Esses mesmos meninos que estão querendo jogar na prisão!?!
 
Quem ou que vai dar essa noção de civilidade senão um programa sério de educação, capacitação, dignificação das pessoas? Bolsa família não dignifica. Escraviza. É o que acho.
 
As pessoas se tornam escravas da vontade política e não formadoras dessa vontade. E isso para mim é um faz de conta sim. Não disse que a Presidente era um faz de conta. Disse que o Brasil é um País de faz de conta.
 
Defender a redução da maioridade penal é um exemplo disso. Defender a pena de morte também. Fazem de conta que isso vai resolver a criminalidade e não vai. Da mesma forma que fazem de conta que cumprem o ECA, que existe há mais de vinte anos, e não cumprem. Nunca cumpriram. Como eu posso cobrar de alguém a quem eu nunca dei a chance???
 
As pessoas não podem viver de esmolas. Precisam aprender a andar com as próprias pernas e precisam saber que isso é responsabilidade delas também. É dever dos Governos Federal, Estadual e Municipal oferecer essas condições e dos cidadãos escolher uma delas e seguir suas vidas com a dignidade que cada profissão oferece, porque todas a tem.
 
Vejo mulheres jovens e saudáveis pedindo dinheiro nas ruas. Cada uma com seus três ou quatro filhos. Mas nenhuma pede um emprego. Por que?
 
Os senhores tem ideia de quantos cartões desse programa estão nas famosas “Bocas de fumo”?
 
Vejo homens jovens e saudáveis nas portas dos bares ou papeando nas esquinas em pleno dia da semana. Porque não estão trabalhando? Qual o trabalho que as políticas públicas oferecem ou a capacitação?
 
É certo que existem alguns programas profissionalizantes. Mas são tímidos, limitados, e não recebem a milésima parte do investimento que o programa de “caridade” gasta.
 
A quê isso vai nos levar, senhores? A quê nos levou até agora? Como estão essas pessoas? Sem fome? Tem certeza que R$ 130,00 (cento e trinta reais) realmente mata essa fome?
 
Não sou contra partido político algum. Sou contra políticas públicas inúteis e danosas ao futuro da nossa Nação. Sou e serei sempre.
 
É a minha opinião senhores. Respeitem. Discordem, mas respeitem. E não sejam tão simplistas assim. As coisas não são simples e não podem ser “explicadas” dessa forma principalmente por quem não me conhece.
 
O homem precisa ser dignificado e não escravizado.

 
As pessoas continuam sofrendo com a seca absolutamente TODOS OS ANOS HÁ DÉCADAS. E o que foi feito de política de irrigação, de política que permaneça que se perpetue e que de fato transforme a vida do sertanejo?
 
É contra isso que sou. Sou Nordestina com muito orgulho e me sinto humilhada com notícias como as que passaram no Jornal Nacional com pessoas “famintas” na porta do Banco para receberem suas migalhas.
 
Não precisamos disso. Somos inteligentes e capazes. Temos força e vontade de trabalhar. Só precisamos de oportunidades e onde elas estão? Onde está a água das chuvas do ano passado?
 
Bem. Não sei se melhorei muito a situação. Mas não foi essa a minha intenção. Precisava apenas explicar os meus motivos. Aos que me criticaram com decência, fico com as críticas para refletir sobre elas na construção de minhas opiniões futuras.
 
Aos que apenas me agrediram, fico com a dor que me causaram e com o consolo de que o tempo cura quase tudo.

Aos que perderam alguns minutos de suas vidas para lerem essa minha resposta. Agradeço a atenção.

 
A todos. Reafirmo. Esta é a minha opinião. Não a de uma Juíza, mas a de uma mulher que quer muito mais do que esmolas para o cidadão brasileiro e, principalmente, para os jovens adolescentes.

 
Que Deus esteja conosco!

 
Cajazeiras – PB, 26 de maio de 2013.

 
Adriana Lins de Oliveira Bezerra
Juíza de Direito, Eleitora e Cidadã
 
 
Fonte: Setecandeeiroscajá

Charge Amarildo


Pelo direito de ser cavalheiro

Cavalheiro ou Canalha? É o título de reportagem desta semana da revista “Carta Capital”. É que as novas feministas -ou os novos feminismos- acham que a gentileza masculina é apenas uma armadilha de dominação.
 
É, amigo, desejam praticamente criminalizar o código dos bons modos do homem, como puxar a cadeira do restaurante, abrir a porta do táxi (como o bom Don Draper aí na foto), proteger a formosa dama em uma travessia de rua, ser elegante com as moças etc.
 
Sobrou até para o Obama recentemente. Caiu na besteira de elogiar a beleza da nova procuradora-geral dos EUA, Kamala Harris. Levou cacete das minas mais radicais. Que mundo chato, meu Deus.

 
Todo canalha é um pouco cavalheiro, mas nem todo cavalheiro é canalha. O canalha é o cavalheiro de resultado, somente no momento da conquista barata.

 
O cavalheiro por vocação é gentil 24 horas, tenha interesse ou não na mulher. Se tiver interesse só reforça no seu código de gestos e delicadezas.
 
Entrevistado pela repórter Cynara Menezes dei lá os meus pitacos na matéria:

 
Ver como negativo os bons modos é pura paranoia delirante. Um cavalheiro convicto não abandona seus gestos, sob pena de sentir-se um tosco, grosseiro.
 
Óbvio que está meio fora de moda ser cavalheiro. Os mais jovens nem sabem mais o que seja isso. Sintoma dos novos tempos. Isso não significa, no entanto, que sejam menos ou mais machistas.

 
Tratar uma mulher como se fosse um “mano” qualquer não creio que seja também um avanço.

 
Perdão pelos bons modos, mas resisto. Primeiro as damas.

 
 
Xico Sá

Charge


Morning!

Pescado do face da Vanessa Spinosa

terça-feira, 28 de maio de 2013

Mia Couto "surpreendido" e "muito feliz" por vencer Prémio Camões

O escritor moçambicano Mia Couto disse hoje que ficou surpreendido por ter sido o vencedor da 25.ª edição do Prémio Camões, tendo ficado "muito feliz" com esta distinção, num dia que, revelou, não lhe estava a correr de feição.
 
"Recebi a notícia há meia hora, num telefonema que me fizeram do Brasil. Logo hoje, que é um daqueles dias em que a gente pensa: vou jantar, vou deitar-me e quero me apagar do mundo. De repente, apareceu esta chamada telefónica e, obviamente, fiquei muito feliz", avançou à agência Lusa Mia Couto, sem adiantar as razões.
 
O Prémio Camões foi hoje atribuído a Mia Couto, disse à Lusa a Secretaria de Estado da Cultura. O escritor é o vencedor da 25.ª edição do prémio, que distingue um autor da literatura portuguesa.
 
O anúncio do vencedor foi feito hoje, no Rio de Janeiro, onde o júri se reuniu.
 
 
Fonte: MSN Notícias

Morre o nosso "Zé Bonitinho"

Morre, aos 79 anos, José Nicolau de Almeida, o nosso querido "Zé Bonitinho." O sepultamento ocorreu hoje na cidade de Pombal-PB. 
 
Nossas condolências a família.

Vou processar essa revista!

“Tenho a intenção de processar a revista "Fortune", porque fui vítima de uma omissão inexplicável”. Ela publicou uma lista dos homens mais ricos do mundo, e nesta lista eu não apareço.
 
Aparecem: o sultão de Brunei, os herdeiros de Sam Walton, o brasileiro Eike Baptista e incluem personalidades como a rainha Elizabeth da Inglaterra. Mas eu não sou mencionado na revista.
 
E eu sou um homem rico, imensamente rico. Como não? vou mostrar a vocês: eu tenho vida , que eu recebi não sei porquê, e saúde, que conservo não sei como.
 
Eu tenho uma família, esposa adorável, filhos maravilhosos, dos quais só recebi felicidades; e netos com os quais pratico uma nova e boa paternidade. Eu tenho irmãos que são como meus amigos, e amigos que são como meus irmãos.
 
Eu tenho olhos que vêem e ouvidos para ouvir, pés para andar e mãos que acariciam; cérebro que pensa coisas que já ocorreram a outros, mas que para mim não haviam ocorrido nunca.
 
E você, como se considera? Rico ou pobre?
 
Há pessoas pobres, mas tão pobres, que a única coisa que possuem é ... DINHEIRO.
 
 
Prof. Menegatti
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Guns N'Roses


O discurso e a inércia

Há muito o consumo de drogas no Brasil deixou de ser restrito ao âmbito familiar para se tornar um problema social. Segundo pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad), da Unifesp, concluída em 2012, o Brasil é hoje o maior mercado mundial de crack e o segundo maior de cocaína.
 
Estima-se que mais de um milhão de brasileiros consumam crack, cujos pontos de consumo e tráfico, as chamadas cracolândias, chegaram às 27 capitais brasileiras e à quase totalidade das grandes e médias cidades brasileiras.
 
O Brasil que cresceu economicamente é o mesmo que, nos últimos anos, passou de rota a porto final do tráfico internacional — 60% da cocaína produzida pela Bolívia são vendidos e consumidos no Brasil sob o olhar inerte do governo federal.
Foto: Nilton Fukuda / AE
 

A droga que ultrapassa os limites da fronteira brasileira é aquela que abastece o bolso do crime organizado, aumentando a insegurança, que condena à incerteza de um futuro nebuloso milhares de jovens brasileiros e suas famílias.
 
Diante deste quadro dantesco, São Paulo não se calou. Foi pioneiro em implantar clínicas públicas para tratamento de dependentes químicos ainda em 2010, mesmo enfrentando a resistência do Ministério da Saúde e tendo de arcar, sozinho, com o custo do tratamento. Atualmente, há 910 leitos disponíveis e, até 2014, serão 1.300.
 
No início de maio, o governador Geraldo Alckmin deu outro importante passo para melhorar a rede de assistência aos dependentes químicos com o lançamento do Cartão Recomeço. Por meio dele, entidades especializadas receberão até R$ 1.350 por mês para acolher, recuperar e reinserir essas pessoas na sociedade.
 
Enfrentar o tráfico e tratar os dependentes requer ações rápidas e medidas urgentes. Infelizmente, o Governo Federal, com a morosidade que lhe é habitual, não consegue acompanhar esse processo com a agilidade necessária.
 
Difundido fortemente durante a campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff, o programa Crack, É Possível Vencer já foi inventado e reinventado antes de conseguir deixar o papel e chegar às ações práticas.
 
Difundido em 2010, o programa foi relançado em dezembro de 2011. No ano seguinte, 2012, apenas 10% dos recursos autorizados para as ações do programa tinham sido empenhados. E, pela execução orçamentária até o momento, nada aponta que 2013 tenha um fim diferente.
 
Possibilitar aos dependentes químicos uma alternativa de tratamento e, consequentemente, de mudança de vida requer mais que palavras e bonitos programas na TV. Requer coragem, ações efetivas e compromisso com as pessoas. Para isso, é preciso superar a inércia do discurso.


 
Duarte Nogueira é deputado federal e presidente do PSDB em São Paulo.

Morrer de amor é possível

Achava que era lenda, né? Mas não é: dá mesmo para morrer de amor. Quem diz é o cardiologista inglês Alexander Lyon, do Imperial College, em Londres.
 
A dor de amor tem até um nome, chama-se Cardiomiopatia de Takotsubo. É uma espécie de infarto, só que sem nenhuma artéria bloqueada. Pacientes com sinais de cardiomiopatia sentem dores no peito e os exames de eletrocardiograma mostram as mesmas mudanças. “O angiograma mostra que a principal câmara de bombeamento do coração tem uma anormalidade peculiar e diferente: falha em contrair e aparece parcialmente ou completamente paralisada”, explicou Lyon, no site The Conversation.
 
Suspeita-se que a síndrome do coração partido tenha um culpado: a adrenalina, um hormônio de resposta ao estresse que prepara o corpo para correr ou lutar. Em níveis médios, a adrenalina acelera o coração, a fim de deixar o organismo preparado para um esforço físico extra. Só que quando a dose de adrenalina está muito mais elevada do que deveria, o efeito é contrário. Os batimentos cardíacos começam a diminuir e os músculos do coração podem ficar temporariamente paralisados.
 
E esse mal acomete algumas das pobres pessoas que tiveram o coração partido. Mas, fiquem tranquilos, é só um mecanismo do corpo para lidar com o excesso de estresse – e, embora a fase inicial seja perigosa, os riscos de morrer são baixos.

 
 
Fonte: Superinteressante

Saber

A leitura de todos os bons livros é uma conversação com as mais honestas pessoas dos séculos passados.
 

segunda-feira, 27 de maio de 2013



Primeira geração com HIV enfrenta os desafios do envelhecimento precoce

30 anos da descoberta. Soropositivos infectados no início da epidemia que sobreviveram numa época em que não havia terapia e o diagnóstico era uma sentença de morte se deparam com doenças comuns às pessoas mais velhas, como câncer, infarto e AVC.
 
 
Passados 30 anos da descoberta do vírus responsável por causar a aids e pelo menos 15 anos depois de o diagnóstico ter deixado de ser considerado uma sentença de morte, a primeira pergunta que muitos pacientes ainda fazem logo após saber que são soropositivos é: quanto tempo eu tenho de vida? O infectologista Alexandre Naime Barbosa tem a resposta na ponta da língua: "O mesmo tempo que qualquer outra pessoa da sua idade".
 
Fica para os soropositivos com longo tempo de convivência com o vírus, porém, uma outra constatação. Os pacientes vivem mais, sim, mas envelhecem mais rapidamente.
 
O advento da terapia antirretroviral, com vários medicamentos, conseguiu controlar a principal causa de morte durante o início da epidemia: as doenças oportunistas, que surgiam depois que o vírus, em multiplicação alucinada, aniquilava as defesas do organismo.
 
As drogas conseguiram diminuir a replicação do vírus a ponto de a carga viral, nas pessoas que tomam o remédio rigorosamente, ficar indetectável no sangue. Algumas partes do corpo, porém, funcionam como reservatório do vírus, como os sistemas nervoso central e linfático. Uma espécie de refúgio, já que neles os vírus ficam fora do alcance das drogas e continuam se replicando lentamente.
"A gente assistiu à história de 30 anos da doença vendo-a de trás para frente. A primeira visão foi catastrófica. A aids levava a uma profunda redução da imunidade, a ponto de a pessoa morrer em decorrência das doenças oportunistas. Conseguimos mudar isso, tratar as pessoas. Aí, começamos a ver a doença pelo começo", diz Ricardo Diaz, infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
 
"A infecção por HIV é inflamatória, no modelo de outras doenças crônicas. Mesmo tratando, ficam resquícios do vírus que promovem uma resposta de inflamação constante do corpo - e é ela que acelera o processo de degeneração dos órgãos e dos tecidos. Então, os desafios mudam. Agora precisamos lidar com esse envelhecimento prematuro", afirma Diaz.
 
Nos últimos anos, vários estudos em todo o mundo vêm mostrando que o corpo de uma pessoa que vive por muitos anos com o HIV acaba funcionando como o de alguém que tem, em média, 15 anos a mais.
 
As comorbidades mais comuns são as doenças cardiovasculares, como infarto e AVC (acidente vascular cerebral), que têm uma prevalência maior nessa população. Em segundo lugar, vêm os vários tipos de cânceres, como o de próstata, mama e colo de útero. Também são comuns perda de massa óssea, diabete e distúrbios neurocognitivos, como demência precoce. E deficiência renal, mas que pode estar mais relacionada ao próprio uso dos remédios.
 
"Envelhecer para todas as pessoas nada mais é do que ficar inflamado por muito tempo, o que ocorre com o chamado estresse oxidativo, com a liberação de radicais livres. No caso dos pacientes com HIV, é o vírus, entre outros processos, que faz isso bem mais cedo", explica Barbosa, que coordena um centro de tratamento de HIV na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu.
 
Cuidados extras. A solução, afirma o médico, é tentar lidar preventivamente com isso, associando outros medicamentos quando necessário. "Mulheres com o HIV devem fazer o exame de papanicolau e mamografia a cada seis meses. Recomendamos que todos sempre tomem vacinas." Com esses cuidados, diz, mesmo com uma incidência maior de outros problemas de saúde, não há impacto na expectativa de vida. "A mortalidade é praticamente igual a de quem não tem HIV. Só é preciso ter mais cuidados."
 
A situação é bem conhecida de Abelardo Pereira da Silva, de 63 anos, há 32 vivendo com o vírus. A infecção ocorreu no longíquo 1981, quando os primeiros casos eram identificados nos Estados Unidos. Ele teve uma úlcera que supurou e precisou receber várias bolsas em transfusão de sangue.
Quando o noticiário começou a mostrar que aquela era uma maneira de contrair a estranha doença, encasquetou. Queria fazer o exame a todo custo, mas não existia no Brasil. Só em 1988 fez o exame e confirmou suas suspeitas. Até iniciar o tratamento, em 1996, teve fraqueza, algumas pneumonias, mas superou os problemas no melhor estilo "sobrevivente".
 
"Aprendi a ser mais forte que o vírus, mas sei que tenho de cuidar da alimentação, do sono, da higiene, tomar o remédio às 6h e às 18h. Tomo uma cervejinha de vez em quando, mas faço hora com a latinha. Depois de velho, voltei a estudar, porque para isso nunca tem idade." Entrou no Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (Gapa), a primeira ONG a lidar com a doença, e dá palestra pelo País. "Falo sobre a adesão ao remédio. Ele não é bom, mas é melhor viver."
 
 
Fonte

No Irã, a candidata virtual que enfrenta aiatolás

Entre as 30 mulheres que tiveram barradas na última semana suas candidaturas à Presidência do Irã, estava a valente Zahra (foto abaixo), uma poeta e professora de 52 anos, moradora de Teerã. Diante da notícia de que não poderia concorrer, ela decidiu enfrentar o órgão responsável pelo veto, o Conselho dos Guardiães. E de dedo em riste.
 
- Onde estão suas credenciais? Sua autoridade? Vocês não têm autoridade para decidir nada. A era de um homem e uma verdade acabaram no Irã. Há toda uma nova geração disposta a transformar o Irã numa sociedade justa, igualitária e democrática - disse ela aos 12 clérigos ultraconservadores do conselho.
 
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Renata Malkes, O Globo

Interlúdio


domingo, 26 de maio de 2013

Para pensar

Existe apenas uma idade para sermos felizes, apenas uma epoca da vida de cada pessoa em que é possível sonhar, fazer planos e ter energia suficiente para os realizar apesar de todas as dificuldades e todos os obstáculos. Uma só idade para nos encantarmos com a vida para vivermos apaixonadamente e aproveitarmos tudo com toda a intensidade, sem medo nem culpa de sentir prazer. Fase dourada em que podemos criar e recriar a vida à nossa propria imagem e semelhança, vestirmo-nos de todas as cores, experimentar todos os sabores e entregarmo-nos a todos os amores sem preconceitos nem pudor. Tempo de entusiasmo e coragem em que toda a disposição de tentar algo de novo e de novo quantas vezes for preciso. Essa idade tão fugaz na nossa vida chama-se presente e tem a duração do instante que passa..
 
 

O livro da solidão

Os senhores todos conhecem a pergunta famosa universalmente repetida: "Que livro escolheria para levar consigo, se tivesse de partir para uma ilha deserta...?"

Vêm os que acreditam em exemplos célebres e dizem naturalmente: "Uma história de Napoleão." Mas uma ilha deserta nem sempre é um exílio... Pode ser um passatempo...

Os que nunca tiveram tempo para fazer leituras grandes, pensam em obras de muitos volumes. É certo que numa ilha deserta é preciso encher o tempo... E lembram-se das Vidas de Plutarco, dos Ensaios de Montaigne, ou, se são mais cientistas que filósofos, da obra completa de Pasteur. Se são uma boa mescla de vida e sonho, pensam em toda a produção de Goethe, de Dostoievski, de Ibsen. Ou na Bíblia. Ou nas Mil e uma noites.

Pois eu creio que todos esses livros, embora esplêndidos, acabariam fatigando; e, se Deus me concedesse a mercê de morar numa ilha deserta (deserta, mas com relativo conforto, está claro — poltronas, chá, luz elétrica, ar condicionado) o que levava comigo era um Dicionário. Dicionário de qualquer língua, até com algumas folhas soltas; mas um Dicionário.

Não sei se muita gente haverá reparado nisso — mas o Dicionário é um dos livros mais poéticos, se não mesmo o mais poético dos livros. O Dicionário tem dentro de si o Universo completo.

Logo que uma noção humana toma forma de palavra — que é o que dá existência ás noções — vai habitar o Dicionário. As noções velhas vão ficando, com seus sestros de gente antiga, suas rugas, seus vestidos fora de moda; as noções novas vão chegando, com suas petulâncias, seus arrebiques, às vezes, sua rusticidade, sua grosseria. E tudo se vai arrumando direitinho, não pela ordem de chegada, como os candidatos a lugares nos ônibus, mas pela ordem alfabética, como nas listas de pessoas importantes, quando não se quer magoar ninguém...

O Dicionário é o mais democrático dos livros. Muito recomendável, portanto, na atualidade. Ali, o que governa é a disciplina das letras. Barão vem antes de conde, conde antes de duque, duque antes de rei. Sem falar que antes do rei também está o presidente.

O Dicionário responde a todas as curiosidades, e tem caminhos para todas as filosofias. Vemos as famílias de palavras, longas, acomodadas na sua semelhança, — e de repente os vizinhos tão diversos! Nem sempre elegantes, nem sempre decentes, — mas obedecendo á lei das letras, cabalística como a dos números...

O Dicionário explica a alma dos vocábulos: a sua hereditariedade e as suas mutações.

E as surpresas de palavras que nunca se tinham visto nem ouvido! Raridades, horrores, maravilhas...

Tudo isto num dicionário barato — porque os outros têm exemplos, frases que se podem decorar, para empregar nos artigos ou nas conversas eruditas, e assombrar os ouvintes e os leitores...

A minha pena é que não ensinem as crianças a amar o Dicionário. Ele contém todos os gêneros literários, pois cada palavra tem seu halo e seu destino — umas vão para aventuras, outras para viagens, outras para novelas, outras para poesia, umas para a história, outras para o teatro.

E como o bom uso das palavras e o bom uso do pensamento são uma coisa só e a mesma coisa, conhecer o sentido de cada uma é conduzir-se entre claridades, é construir mundos tendo como laboratório o Dicionário, onde jazem, catalogados, todos os necessários elementos.

Eu levaria o Dicionário para a ilha deserta. O tempo passaria docemente, enquanto eu passeasse por entre nomes conhecidos e desconhecidos, nomes, sementes e pensamentos e sementes das flores de retórica.

Poderia louvar melhor os amigos, e melhor perdoar os inimigos, porque o mecanismo da minha linguagem estaria mais ajustado nas suas molas complicadíssimas. E sobretudo, sabendo que germes pode conter uma palavra, cultivaria o silêncio, privilégio dos deuses, e ventura suprema dos homens.
 
Cecília Meireles



 
Texto extraído do livro
Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 270.

Horário do fim

morre-se nada
quando chega a vez

é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos

morre-se tudo
quando não é o justo momento

e não é nunca
esse momento.



Mia Couto
No próximo sábado 1º de junho de 2013, dia da imprensa nacional, o blog Clemildo, Comunicação & Rádio www.clemildo-brunet.blogspot.com estará fazendo seu sexto aniversário de atividades on line na web. São seis anos consecutivos com temáticas do cotidiano atualizadas contando a história do rádio, cultura e reminscências de Pombal.
 
Os nossos parabéns ao amigo Clemildo Brunet pela proficua atuação jornalistica do blog durante esses seis anos, sendo veículo de propagação de ideais e ideais.

Vida longo a esse espaço virtual.

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sábado, 25 de maio de 2013

Frase

A permeabilidade do Judiciário à sociedade não é em si negativa. Pelo contrário. Não é ruim que os juízes, antes de decidirem, olhem pela janela de seus gabinetes e levem em conta a realidade e o sentimento social.
 
Luís Roberto Barroso, escolhido por Dilma para ministro do Supremo Tribunal Federal
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Dois momentos de um mesmo amor em Rilke

"Mas que é daquele que já sabia? Daquele em cujo coração já se apresentava a solidão dos amantes? Ele conhecia de antemão a pura face da amada. Ao fugir às semelhanças familiares que o envolviam, as quais constituíam, traço por traço, um direito sobre ele, o semblante dela veio a se tornar o seu próprio futuro; através dos olhos dela, comtemplava o aberto.

"A sua pequena mão pousava calmamente sobre a dela, a qual o conduzia e jamais dele se apossava. Enquanto crescia, ia ele distinguindo mais e mais a sua alta figura — naquele tempos ela por vezes aparecia e o examinava como se fosse um dardo de
arremesso.

"E mais tarde, arremessou-o.

"Ah, com que poderia a amante surpreender aquele que, mais do que uma recordação, tinha a clara consciência disto: desta escolha; a volúpia do braço que se estende, o ser arremessado — oh, e o tremor ao atingir o alvo."

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"De que serviu saber que eu só podia estar feliz e comovido em meu trabalho?! E mesmo mais tarde, mesmo agora, mesmo nestas últimas semanas, não acedi  à consciência de minha natural solidão, o único meio de me tornar senhor de mim mesmo.

"Meu coração deslocou-se do meio de seus círculos em direção à periferia, para o lugar mais perto de ti — por mais aí que ele seja grande, sensível jubiloso, ou timorato, não se acha em sua constelação, não é o coração de minha vida.

"Em nossos momentos mais doces e talvez mais justos, amada, asseguraste-me que podias abarcar todos os tipos de amor para mim. Ah, controla-te, ......, resume-te àquela que, tenha o nome que tiver, assegura a minha vida, fortalece-me como pode.

"Não posso escapar de mim mesmo. Pois se eu desistisse de tudo, tudo, e me atirasse cegamente a teus braços, como por vezes desejo, e aí me perdesse, terias contigo alguém que houvera desistido de si mesmo: não seria a mim que terias, não a mim."

In
Rainer Maria Rilke. Testamento. São Paulo: Globo, 2009 Prefácio de Helmut Galle. Tradução: Tercio Redondo (2 fragmentos)

A inveja das moscas

Só quem perdeu a esperança de ser virtuoso deveria falar sobre moral


Sou uma personalidade atormentada e dada a arroubos. Noites insones me levam a terras distantes onde nossos ancestrais vagam arrancando a vida e seu sentido das pedras. Com o passar dos anos, cada vez mais me encanta a luta desses nossos patriarcas perseguidos pelos elementos naturais, por seus próprios demônios e por deuses de olhos vermelhos cheios de sangue e dentes afiados.

Construímos sonhos de autorrealização profissional, afetiva e material. A expectativa com nossa própria grandeza ocupa grande parte de nossos devaneios.

O sentimento da fragilidade do mundo sempre me perseguiu desde a infância. Se os psicanalistas estiverem certos, e tudo que é primitivo é indelével, esse sentimento constitui minha substância mais íntima. Que inveja eu tenho das moscas!

Livres, voando pelo mundo, sem saber de si mesmas.

Li nas últimas férias a coletânea de ensaios The Best American Essays of the Century, editada por Joyce Carol Oates e Robert Atwan, Houghton Mifflin Company, Boston.

Destaco dois ensaios: The Crack-Up (a rachadura), de F. Scott Fitzgerald, de 1936 e The Old Stone House (a velha casa de pedra) de Edmund Wilson, de 1933.

Edmund Wilson foi, segundo Paulo Francis, o último grande crítico literário de uma tradição na qual o crítico não se escondia atrás de algum teórico, tipo Blanchot ou Derrida, para repetir o que todo mundo diz e com isso não correr riscos. Wilson enfrentava o autor cara a cara, dizendo o que pensava dele, sem se preocupar com o que a "indústria da crítica acadêmica" diria. A coragem nunca foi um valor na academia, Francis tinha razão.

Nesse ensaio, Wilson fala de uma casa de pedra na qual sua família viveu por muitos anos. Sua família era do tipo de família que aqui chamaríamos de quatrocentona falida. Mãe fria, pai, homem letrado e melancólico, ele, Wilson, parecido com seu pai, e também um bêbado.

Estou convencido de que pessoas sem algum vício terrível permanecem em alguma forma de infância moral. Apenas quem perdeu qualquer esperança de ser virtuoso deveria falar sobre moral. Pessoas sem vícios falando sobre moral é como virgens dando aula de sexo.

Wilson, entre outros parentes, fala de uma tia, infeliz no casamento, obrigada a ser uma mulher normal quando na realidade era uma filósofa schopenhauriana amadora. Segundo ele, ela enfrentou virtuosamente seu fardo criando um sistema filosófico pessoal pessimista e, quando ficou viúva, se mudou para Nova York e gastou seus últimos dias indo a livrarias e vendo teatro. Quando ainda casada, sua tia lia à noite, sobre o fogão, sozinha, em seu único momento de paz.

F. Scott Fitzgerald, autor de "O Grande Gatsby", nesse ensaio descreve a sua maior crise existencial (a rachadura que dá título ao ensaio), que o acometeu por volta dos 50 anos. Escritor famoso, Fitzgerald afirma: "Identifiquei-me com meus próprios objetos de horror e compaixão" e "passei a ter uma atitude trágica em relação à tragédia e melancólica em relação à melancolia". Em síntese, foi inundado por seus próprios objetos literários e se tornou, ele mesmo, um deles. O efeito foi devastador e libertador.

Na abertura, ele define o que entende por uma pessoa inteligente: conseguir viver com duas ideias opostas sobre a vida e não desistir de nenhuma delas.

E exemplifica: saber que não há esperança para nós e ainda assim viver buscando provar o contrário. O resultado seria uma vida combativa em nome da esperança. Uma vida pautada pelo controle de si mesmo e do mundo a sua volta.

Ao final do ensaio, ele volta a definir, agora, o que é, após sua rachadura, o estado natural de um adulto que tem consciência e sensibilidade: infelicidade qualificada (e não banal).

Uma condição com a qual convivemos, mas que ao assumi-la, uma espécie de libertação acontece: em suas palavras, não mais desejar ser um homem bom, não mais ser simpático com o marido de sua prima, nem responder a cartas de escritores jovens medíocres que não deveriam aborrecer os outros. Ser apenas um escritor e não querer agradar a ninguém, nem a si mesmo.
 
Luiz Felipe Pondé

Diana Krall


"Seminua e com uma arma falsa na mão, ativista do Femen protesta dentro da Catedral de Notre Dame, em Paris, contra o homem que se suicidou no dia anterior no mesmo local. A inscrição no corpo dela diz "que os facistas descansem no inferno" é uma referência ao homem que alegou que estava tirando sua própria vida para denunciar o casamento gay e a imigração".
 
 
Fonte: Do face do Fernando Patriota e do Portal Terra

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Meu filho, você não merece nada

A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada.
 
Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.
 
Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
 
Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.
Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.
 
Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.
 
É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?
 
Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.
 
Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.
 
Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.
 
A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.
 
Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.
 
Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.
 
Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.
 
Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.
 
O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.
 
Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.
 
Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.
 
Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.
 
Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.
 
 
Eliane Brum