…é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo…
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.
Álvaro de Campos
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
Os parceiros
Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.
Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste...
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.
Insiste em quê?Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro...eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se
numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce...
Como também disfarce é a minha vida!
Mario Quintana
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.
Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste...
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.
Insiste em quê?Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro...eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se
numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce...
Como também disfarce é a minha vida!
Mario Quintana
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
STF pode eternizar aspas que conspurcam a ‘Justiça’
Certa vez, anotou-se neste blog: no Brasil, existe a “Justiça” e a Justiça. Existe o poder e tudo o que está implícito quando ele é invocado.
Pode soar como coletivo majestático ou pejorativo.
A Justiça sem aspas é igual para todos. Com aspas, vê mais igualdade em alguns do que em outros.
Dependendo do que fizer com o Conselho Nacional de Justiça, o STF pode livrar a Justiça das aspas ou eternizar o sinal gráfico que leva a “Justiça” à ruína.
O repórter Flávio Ferreira informa, na Folha, que correm no CNJ processos contra 35 desembargadores, autoridades máximas do Judiciário nos Estados.
Eles são acusados de malfeitorias variadas – de venda de sentenças a desvios de verbas públicas. Vinte dos acusados já sofreram algum tipo de punição.
Contra juízes de primeira instância, há na Corregedoria do CNJ cerca de 115 processos disciplinares. Desde a criação do CNJ, em 2005, puniram-se 49 magistrados.
O conselho levou à grelha inclusive um ministro do STJ: Paulo Medina, acusado de vender a pena a uma quadrilha que explorava máquinas de caça níqueis no Rio.
Pois bem. Todo esse incipiente trabalho de higienização pode ser convertido em poeira no plenário do Supremo, às voltas com o julgamento de uma ação antidetergente.
Movida pela AMB (Associação dos Magistrados do Brasil), a ação sustenta que a atividade correicional do CNJ afronta a Constituição.
Se o STF der razão à entidade corporativa, como parece ser a tendência da maioria dos ministros, o trabalho do CNJ vai virar essência de pó de nada.
Os condenados moverão ações para que as punições sejam revistas (muitos já protocolaram pedidos de revisão no STF). Os processos abertos descerão ao arquivo.
Entre eles uma investigação administrativa inaugurada no CNJ há escassas duas semanas, contra a desembargadora Willamara Leila de Almeida.
Presidente do Tribunal de Justiça de Tocantins, Willamara é investigada no CNJ sob acusação de participar de esquema de venda de sentenças.
Decidiu-se afastá-la de suas funções no tribunal até a elucidação do caso. Se a AMB prevalecer no plenário do STF, Willamara livra-se da grelha do CNJ.
O julgamento do Supremo deveria ter ocorrido nesta quarta (28). Acossado pela repercussão negativa, Cezar Peluso, presidente do STF, deu meia-volta.
Peluso, que também preside o CNJ, preferiu adiar a deliberação a arrostar o desgaste de uma tragédia anunciada nas páginas dos jornais.
Ao passar os poderes do CNJ na lâmina, o Supremo converteria em heroína instantânea a doutora Eliana Calmon, Corregedora do órgão.
Em defesa do CNJ, Eliana dissera que "bandidos escondidos atrás da toga" degradam a imagem do Poder Judiciário. Egresso da magistratura, Peluso rodou a toga.
Urdiu a divulgação de uma nota na qual 12 dos 15 conselheiros do CNJ desqualificaram Eliana, tachando as declarações dela de “levianas”.
O diabo é que o bom senso e a pauta de processos do CNJ dão razão à doutora. "Eu não tenho que me desculpar”, disse Eliana à repórter Mônica Bergamo.
Ela repisou: “Estão dizendo que […] ofendi todos os juízes do país. Eu não fiz isso de maneira nenhuma. Eu quero é proteger a magistratura dos bandidos infiltrados."
Louve-se a valentia da doutora. Sob as declarações da corregedora Eliana esconde-se uma evidência: sem aspas, a Justiça é cega. Com aspas, exibe um olfato notável.
A Justiça assegura direitos iguais para todos. Nos extremos da ação da AMB, a “Justiça” pode livrar os juízes indignos dos deveres mais elementares.
Dito de outro modo: A Justiça é a perspectiva de punição, mas a “Justiça” também é a possibilidade de eternização da impunidade.
Diz-se que as corregedorias dos tribunais cuidarão da limpeza. Conversa fiada. A história mostra que, nesse nível, o corporativismo dilui o detergente em água.
Ou o Supremo demonstra que Justiça é justiça ou fará da “Justiça” um território de supremas injustiças. Está-se diante de um desses pontos volta.
Repita-se: Ou STF acaba com a “Justiça”, reafirmando os poderes do CNJ, ou as aspas levarão a Justiça à ruína.
Texto de Josias de Souza
O formidável enterro da última quimera
Você era a mais bonita das cabrochas desta ala. Aos vinte e poucos anos, era natural que o mundo se desenrolasse a seus pés. Linda, inteligente e charmosa, você podia se dar ao luxo de viver dias de Zelda Fitzgerald, sendo poetisa às terças, bailarina às quintas, fotógrafa aos sábados sem provocar suspeitas de esquizofrenia. Pouco importava o que fizesse, dinheiro ou falta de companhia nunca eram problemas dignos de nota. A mística de sua linda juventude se misturava à imaturidade da sua obra com uma leveza e charme desajeitado que sempre fez das crianças e filhotes algo tão fascinante.
Mas como filhotes e crianças, um dia você também cresceu. À medida que deixou de caber nas roupas que cabia e perdeu a capacidade de encher a casa de alegria, tudo o que sobrou de seu gigantesco potencial foi o legado. Mas que legado?
Quem te viu, quem te vê. Enquanto você se considerava eterna, a festa continuou e o nível de quem não era tão espetacular quanto você subiu. A quarta-feira de cinzas trouxe o insuportável peso da realidade que não a cultua mais. Quem não a conhece não pode mais vê-la pra crer, quem jamais a esquece não pode reconhecê-la.
A velha música do Chico Buarque (e o ainda mais antigo poema do Augusto dos Anjos) são extrememente atuais. Não por mostrarem a melancolia da sambista que deixou o morro ou o desgosto de uma vítima de ingratidões variadas, mas por chamarem a atenção para o número cada vez maior de princesas que acreditaram na fantasia e não compreendem porque o príncipe encantado nunca veio. Ele simplesmente não existe.
Sob alguns aspectos, a crise europeia e americana se parecem com o perfil de muitos profissionais competentes e brilhantes, perdidos entre os ideais e valores de sua juventude, os livros, blogs e receitas diversas de auto-ajuda e enriquecimento rápido e a dura realidade de um mercado pragmático.
Boa parte das crises sociais, econômicas e ambientais que vivemos hoje vem de uma mentalidade estabelecida em uma época mais lerda e estável. Nela, quem era rico permaneceria rico, e quem era pobre só enriqueceria por milagre, casamento ou no final da vida. Típica de um tempo em que as coisas pareciam durar para sempre, como em uma eterna juventude ou infância, se é que há diferença entre elas. Na Europa, a terceira geração de quem sofreu muito na guerra está cheia de irmãs de Cinderelas, acostumadas desde crianças a se sentirem belas, poderosas, imperialistas e invencíveis enquanto abusam de suas criadas em uma decadência tão gritante que não se incomoda de ser chamada de Euro Trash e tomar o último gole de champagne enquanto o Titanic afunda. Nos EUA, a evasão de escolas e a importação de talentos deixa claro que a indústria do entretenimento, vista por muitos como instrumento de dominação global, acabou lobotomizando boa parte de seu próprio público.
O resultado é uma quantidade cada vez maior de crianças crescidas que dizem fazer um pouco de tudo, vociferando obviedades para o espelho de seus podcasts e videocasts enquanto não conseguem um emprego que sustente suas opiniões "independentes". Cansados da Ingratidão, essa pantera, um dia acabam por sossegar o facho e aceitar o primeiro emprego oferecido. Não há punks com 50 anos de idade.
É difícil se reconhecer neste espelho que envelhece cada vez mais rápido, por isso tantos se agarram a um retrato de Dorian Gray que os remeta a anos dourados, se recusando a deixar a faculdade, a sair da casa dos pais, a se casar, a ter filhos ou a aceitar um emprego que sustente o sonho, buscando realizá-lo a longo prazo.
Religiões fazem sucesso porque a vida é uma grande profissão de fé. Emprrendedores de diversas origens sociais só crescem porque se submetem a um regime de trabalho voluntário de apavorar muita sweatshop. Não há nada de novo nisso, praticamente todo império começou financiado por muito suor e pouca saliva.
O sucesso fascina, mas só o trabalho entrega. O digital, ao acelerar os processos, tornou essa relação ainda mais evidente. Quem acredita em sua esperteza e genialidade incomuns é bom se acostumar à lama que o espera.
Luli Radfahrer
Ph.D. em Comunicação Digital pela ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP, onde é professor há 18 anos.
Uma detenta foi pega em flagrante na manhã desta quarta-feira (28), com um celular na vagina e o carregador do aparelho no ânus. O fato ocorreu por volta das 9h na cidade de Cajazeiras, no alto Sertão do Estado da Paraíba.
A detenta pretendia levar os equipamentos para o namorado, João Bengala, que também está preso.
A julgar pelo nome do namorado, cabia mais coisas viu...
Amigos para sempre
A filosofia, cuja etimologia implica a palavra grega Philia que significa amizade, nasceu da amizade entre os homens que, por sua vez, tinham amizade pela sabedoria. Como o amor, a amizade é uma espécie de desejo, mas um desejo diferente da posse. Quando os filósofos falam da amizade entre seres humanos estão dizendo algo muito parecido ao “desejo de saber”, literalmente melhor traduzido por “amizade pela sabedoria” que anima sua atividade. Amigos não eram aqueles que se reuniam em torno da economia, nem em torno da cosmética, da ginástica, nem em torno da culinária ou da retórica. Que laço era este que unia alguns entre si em nome de algo tão complexo como a sabedoria? Qual a forma da relação a que chamamos até hoje amizade se ela é um desejo sem posse? Quando amamos alguém desejando seu bem sem que este seja o nosso próprio bem?
PESSOAS DE BEM
Sócrates defendia que a amizade só acontecia entre pessoas de bem não ocorrendo entre pessoas más e incapazes de amar o outro. Para seguir este raciocínio socrático precisamos nos perguntar se nos encaixamos na definição de uma “pessoa de bem”. Pensava ele que as pessoas totalmente de bem são auto-suficientes, não se pode dizer delas que “precisem” de amigos. Mas todos precisamos e, somos apenas humanos, não somos deuses auto-suficientes. Por isso, concluirá Sócrates no diálogo Lísis de Platão, que para se ter amigos é preciso ser alguém que sabe o que é o mal, mas deseja o bem. Desejar o bem (a alguém ou à sabedoria) é a definição mais perfeita da amizade. Amigo é, portanto, aquela pessoa na qual se acredita que os bens parciais da vida podem se agregar na realização do Bem - com letra maiúscula - que equivalia ao Bem superior, uma espécie de Bem Geral, Bem de todos, para todos, em relação a tudo o que existe. Como se fosse possível falar de um Bem do Cosmos, uma harmonia total no universo que, mesmo sendo uma utopia, é a idéia que deveria nortear as ações das pessoas de bem.
A AMIZADE É UMA VIRTUDE
Aristóteles, discípulo de Platão, herdou questões de seus antecessores. Para Aristóteles, a amizade é uma virtude. Sendo virtude ela significa a excelência de algo. O modo mais perfeito em que algo como a relação entre seres humanos pode se dar. Ela é, além disso, o objetivo último da vida moral, aquilo que define o ápice de uma vida corretamente vivida. Saber ser amigo equivale a ser ético. É amigo aquele que realiza em si e junto dos outros a excelência moral, ou seja, ele quer o bem das pessoas que ama.
Como virtude, para Aristóteles, a amizade é tanto necessária quanto desejável. Diz ele em seu principal livro sobre as questões morais - a Ética a Nicômaco - que, mesmo alguém que possuísse todos os bens, não gostaria de viver sem amigos. A amizade será até mesmo superior à justiça: quando as pessoas são amigas não é necessária a justiça, mas havendo a justiça ainda precisaremos da amizade.
Aristóteles fala de formas diferentes de amizades: a acidental comum entre idosos e jovens que precisam de amigos úteis que facilitem pensamentos, ações e os apóiem em suas fragilidades, e da amizade perfeita que é aquela que une os homens de bem e que são semelhantes em suas virtudes. A amizade perfeita é rara e incomum, tanto quanto é raro e incomum. Há certa exclusividade na amizade. Quem leva a sério a amizade costuma dizer que tem poucos amigos. O que não quer dizer que não se possa agradar muitos, ao mesmo tempo, oferecendo-lhes bens e vantagens ou simplesmente coisas úteis e agradáveis. Um amigo verdadeiro merece mais que isso.
QUERER BEM É SER RESPONSÁVEL PELO OUTRO
A amizade é uma palavra que se aplica às pessoas das quais se quer o bem enquanto delas pode-se esperar certa reciprocidade. Amigo é aquele que desejamos ver feliz e que quer nos ver do mesmo modo. Muitas pessoas demonstram não ser amigas tanto nos momentos difíceis quanto nos momentos alegres da vida de seus conhecidos. Para ser amigo é preciso alegrar-se com a alegria de outro e ajudá-lo em suas tristezas. Diz Aristóteles que “quando há reciprocidade, a boa intenção é a amizade”. Levando em conta que a amizade é um sentimento que obedece aos limites dos laços humanos, ela exige sempre reciprocidade. Não é, neste caso, apenas um sentimento, mas uma construção de laço com o que há de responsabilidade para sua sustentação. O laço que os une é o desejo do bem. Neste caso ela não é um simples sentimento, mas um sentimento complexo que envolve uma noção de liberdade do outro a ser preservada.
Amizade é, sobretudo, desejar o bem de quem se ama, não desejar seus bens, nem proveitos, nem os prazeres que advém de seus bens. Não há amizade que se sustente por interesses, nem pelo status de se ter muitos amigos. Amigo é quem tem que valer por ele mesmo, pelo que é, e não pelo que possui em termos materiais ou pragmáticos. O amigo, como pessoa, não pode ser um meio pelo qual se pode alcançar um outro fim, mas deve ser um fim ele mesmo, o objetivo da amizade.
A amizade não pode ser uma máscara. Por isso, sua noção envolve sempre a verdade da relação para que seja algo excelente. Só é amizade se for verdadeira. Descobrir que um amigo não era verdadeiramente amigo é uma dor que pode ser maior que a perda de um amor. A um amigo, não basta, ser agradável ou útil, mas ter caráter. Nele não está em jogo a paixão que nos torna cegos e, por isso, por ser a amizade uma escolha com forte carga de racionalidade e consciência, sofremos tanto quando somos enganados. A rigor, podíamos ver e saber tudo e nos percebemos traídos por nós mesmos.
Marcia Tiburi
Publicado na Revista Vida Simples. Novembro de 2006. Ed. 47. P. 54-55.
O palhaço
O filme "O palhaço" dirigido e protagonizado por Selton Mello. O filme conta a história de Benjamin (Selton), que junto de Valdemar (Paulo José) forma a dupla Pangaré e Puro Sangue, dois palhaços que integram o Circo Esperança. Só que há um problema: Benjamin entrou em crise e agora acredita que não tem mais graça.
Estreia no próximo dia 28 de outubro nos cinemas de todo o país.
Liberdade Utópica
Nós vivemos num mundo que Marx não conheceu, vivemos num mundo vigiado, somos vigiados. Acabou-se a privacidade. Se a vida privada, de alguma forma, acabou, a consciência privada, para usar o mesmo termo, sofreu um atentado similar. A liberdade, e agora falo da liberdade de consciência, por vezes arrisca-se a converter-se em algo utópico, com muito pouco conteúdo.
José Saramago
Revista Número, Bogotá, nº 44, Março-Maio de 2005
In José Saramago nas Suas Palavras
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Acompanhamento Médico
O sujeito vai ao médico, caindo de bêbado. Durante a consulta, vem as perguntas de praxe:
- Nome?
- Juvenal dos Santos!
- Idade?
- 32 anos.
- O senhor bebe?
- Vou aceitar um golinho, pra te acompanhar!
Da internet
- Nome?
- Juvenal dos Santos!
- Idade?
- 32 anos.
- O senhor bebe?
- Vou aceitar um golinho, pra te acompanhar!
Da internet
Fronteiras sobre a escrita (2)
Arte de Daniel Lim
Este texto serve para uma espécie de louvor dos escritores invisíveis, sem os quais não haveria acumulação de ideias nem a tradição onde germinam os que ascendem à fama. Mas falemos também dos pintores invisíveis.
Sempre tive o fascínio pelas imagens e, a certa altura da minha vida, tomei mais atenção ao gosto pela pintura. Ainda não tínhamos mobília em casa, e um dia passámos (eu e a minha mulher) por um antiquário e ali vimos um quadro que, para ela, evocava uma certa nostalgia da sua terra. O antiquário viu dois pelintras interessados e aproximou-se.
O quadro mostrava uma paisagem de montanha, no inverno, 28 por 40 centímetros, com pinceladas apressadas mas precisas, cores belíssimas e técnica perfeita; certamente, era de um pintor estrangeiro, pois a obra tinha sido comprada fora do país; o antiquário admitia que fosse francês, anos 20 ou 30 do século passado, mas podia ser centro-europeu. “Também gosto muito e tenho um quadro do mesmo autor”, explicou o antiquário, “procurei por todo o lado, mas não consegui identificar a assinatura”. Como era um pintor desconhecido, fez-nos um preço acessível, e adiámos a compra da mobília. Durante algum tempo, as visitas sentaram-se em cadeiras de cozinha e ali, na parede branca, brilhava uma aldeia de montanha, nuvens de tempestade, um friso de neve, os ramos grotescos de uma árvore em primeiro plano.
Não tem qualquer valor comercial, mas nunca me cansei de o olhar. E ao fundo, lá está, o rabisco de quem o pintou. Quem seria?
Algures na minha memória, persiste uma informação que devo ter lido numa fonte recomendável. Ela surge com aviso de máxima credibilidade, embora por vezes pareça fantasia. Nessa fonte esquecida e que nunca mais consegui recuperar, dizia-se que na passagem do século havia em Paris algo como 30 mil pintores. Mais uma vez, como uma parte de mim resiste, não sei se incluía os pintores de paredes ou se havia algum incentivo fiscal bizarro.
O facto é que Paris atraía gente de todo o mundo e tinha certamente centenas de escolas de pintura. Talvez aquele número contabilize vários anos. Mas se admitirmos que por volta de 1900 passaram em Paris 30 mil artistas, os quais tiveram acesso à melhor informação técnica da época, convivendo com outros pintores em rede, no meio de boémias, bailaricos e aulas, difusão de ideias e profusão de estilos, então é fácil admitir que todo esse maravilhoso mosaico de imagens não deu qualquer fama à maioria dos seus criadores. Em cada país, desse período, haverá um punhado de famosos. Nos museus de todo o mundo, talvez umas centenas. Se somarmos galerias de arte, colecções privadas, será possível chegar a mil pintores da época, talvez dois mil. Exigirá muita cultura. De resto, temos assinaturas misteriosas, artistas esquecidos. E as obras que as guerras não destruíram, atribuídas a artistas cujo nome se perdeu para sempre.
E, no entanto, os pintores formados nesta explosão de criatividade, e que trabalharam no primeiro terço do século, revolucionaram a arte da pintura. E sem ebulição, sem a efervescência do número, nunca há génios. O fenómeno é semelhante ao das bombas nucleares: não existe explosão sem se atingir uma determinada massa crítica.
E assim é com as ideias e a literatura. As palavras perdem-se no ruído do mundo. Os escritores falam para a surdez geral da humanidade, na ilusão de que podem ser a faísca em brasa, ou de que transformam a sociedade, movendo-a um milímetro, que é quase tanto como faz o terramoto. Mas, na realidade, uma literatura é um somatório e ele será tanto mais forte quanto maior for a diversidade dos criadores. Se fizerem todos a mesma abordagem, teremos o deserto. Pelo contrário, se houver liberdade criativa, a libertação de energia pode ser enorme.
Num blogue onde se escreve habitualmente sobre literatura, Horas Extraordinárias, um post da autora levou-me a este vídeo, de uma entrevista de Gilles Deleuze. O filósofo francês fala do período cultural "pobre" que atravessamos e dá três razões para o actual declínio da literatura. No blogue de Maria do Rosário Pedreira deixei um comentário sobre o post, criticando a ideia de que o mal da literatura seja o facto de haver tantos jornalistas a escrever romances. Uma simplificação sem sentido. Sempre houve escritores interessados na actualidade e que escreveram grandes peças de jornalismo. Tenho um livro com reportagens da Primeira Guerra Mundial que inclui textos, entre outros, de HG Wells, Conan Doyle, Colette, Edith Warthon. Na Segunda Guerra Mundial, os correspondentes incluem nomes como Vassily Grossman, Curzio Malaparte, Ernest Hemingway ou John Steinbeck. George Orwell foi ao mesmo tempo jornalista e escritor, um dos melhores. E, claro, é preciso citar Dino Buzzati.
Deleuze observa o declínio da literatura, que atribui ao best-seller e à invasão em livro da escrita apressada e pouco criativa dos jornais. A meu ver, a melhor parte da entrevista está no início, onde o filósofo fala dos períodos pobres da cultura, incluindo o actual. Não é mal nenhum atravessar o deserto, mas é terrível crescer nele, diz o autor (e cito de cor). A desertificação da criatividade, os escritores invisíveis que nunca conheceremos (e alguns, talvez, o novo Beckett) representam um empobrecimento geral da cultura que, para nós, contemporâneos, é quase impossível detectar, pois ninguém pode reparar no que não aparece.
É interessante que Deleuze não mencione a política. Muitos autores de hoje parece que escrevem para o umbigo, preferencialmente sobre trivialidades que não incomodem. Isso, claro, também é uma atitude política. E pode estar ligado à invisibilidade dos escritores. Criou-se o mito de que não devem ter opiniões políticas, pois a arte não serve para mudar o mundo e deve ocupar as estratosferas. A destruição que Estaline fez da literatura russa, mencionada por Deleuze, está agora o mercado a fazer da literatura do futuro. Parece-me que as razões são as mesmas: a cultura é demasiado imprevisível, pouco controlável, sempre uma ameaça. Ela deve ser dócil e definida pelos poderes; pode ser irreverente, mas não mais do que isso. E obedece às leis do mercado, que são as leis da maioria, dos consumidores, dos grafismos e da publicidade. As leis da televisão.
Não podemos conhecer verdadeiramente o que nunca existiu ou aquilo que nunca vimos ou de que só tivemos um relance. Muitas vezes lembro-me de duas cenas de filmes de Federico Fellini. Numa delas, de Roma, a entrada abrupta de oxigénio numa câmara subterrânea descoberta por arqueólogos destrói rapidamente frescos romanos que tinham estado isolados da atmosfera exterior. Vemos as imagens a desaparecer, como se derretessem, enquanto assobia a entrada do ar. É como nos filmes de horror, sabemos que os heróis não podem escapar à morte. Noutra cena, em A Cidade das Mulheres, um coleccionador afirma que a grande arte é tipicamente produzida nos períodos decadentes. Fellini era um autor que fazia grande arte e queria dizer que vivia num período de decadência. No que se refere ao cinema italiano, isso é evidente: ele foi um dos últimos.
O triunfo do mercado tem um custo elevado para a cultura, a começar pela massificação. A globalização também é uma ameaça à biodiversidade. Os livros, claro, não vão morrer, pelo contrário, há cada vez mais títulos, embora muitas vezes pareça a diversidade dos supermercados, com a sua abundância de 150 marcas de sabonetes, todas com embrulhos diferentes e conteúdo igual. E também se pode dar o caso da travessia do deserto chegar ao fim e haver vales verdejantes do outro lado. A pressão pela novidade, a obsessão pela beleza jovem, o desprezo pela lentidão e a pressa da moda, tudo isto faz parte do mundo em que vivemos, feito de distracções, de telemóveis a tocar. E era sobre esse mundo que me competiria escrever. Sem uma razão especial.
Perguntaram ao alpinista George Mallory por que motivo ia subir ao Everest. Ele encolheu os ombros e respondeu: “Porque está ali”. Mallory morreu em 1924, nessa mesma expedição. Parece que chegou ao topo e que teve a pouca sorte de apanhar uma tempestade rara. Mas é sempre assim, a sorte abandona a maioria dos que tentam e o que verdadeiramente importa é saber que se fez caminho. Quando morreu, talvez por desgosto, o poeta António Machado tinha no bolso um papel onde escrevinhara o último verso. Lia-se com nitidez: “estes dias azuis e este sol de infância”.
O resumo de tudo o que procuramos.
Por Luís Naves
Bartô Galeno - Malena
O curioso é que a canção "Malena", do cantor Bartô Galeno, tem sua letra toda constituída por títulos de composições do rei Roberto Carlos.
Escute e confira!
Aos estudantes de medicina
Medicina se faz com as mãos. Os exames laboratorias ajudam bastante, mas nada substitui o exame físico.
Na coluna de hoje vou resumir as lições mais importantes que aprendi em 40 anos de atividade clínica.
Na verdade, a ideia de reuni-las surgiu semanas atrás, quando o diretor Wolf Maya me convidou para fazer uma pequena palestra para atrizes e atores que interpretavam papéis de estudantes de medicina numa cena da novela das nove.
"Haverá uma classe com alunos e nenhuma dramaturgia, diga o que quiser", propôs ele. Hesitei diante do convite inusitado, mas no fim achei que seria uma boa oportunidade para dizer aos alunos:
1) Tenham sempre em mente que encontrarão mais dificuldade para receber os cuidados de vocês, justamente as pessoas que mais necessitarão deles.
O médico deve lutar por condições dignas de trabalho e por remuneração condizente com as exigências do exercício profissional, mas sem esquecer de cobrar da sociedade o acesso universal dos brasileiros ao sistema de saúde.
2) É fundamental ouvir as queixas dos doentes. Sem escutá-las com atenção, como descobrir o mal que os aflige?
Embora as características do atendimento em ambulatórios, hospitais e unidades de saúde criem restrições de tempo, cabe a nós exigir para cada consulta a duração mínima que nos permita recolher as informações imprescindíveis.
Com a prática vocês verão que ficará mais fácil, porque aprenderão a orientar o interrogatório, especialmente no caso de pessoas prolixas e pouco objetivas. O desconhecimento da história e da evolução da enfermidade é causa de erros graves.
3) Medicina se faz com as mãos. Os exames laboratoriais e as imagens radiológicas ajudam bastante, mas não substituem o exame físico.
Esse ensinamento dos tempos de Hipócrates deve ser repetido à exaustão, porque a tendência do ensino nas faculdades tem sido a ênfase nos exames subsidiários em prejuízo da palpação, da ausculta e da observação atenta aos sinais que o corpo emite.
Como consequência, cada vez são mais frequentes as queixas de que o médico pediu e analisou os exames e preencheu a prescrição sem chegar perto do doente.
Não culpem a falta de tempo nem tenham preguiça, em cinco minutos é possível fazer um exame físico razoável. Tocar o corpo do outro faz parte dos fundamentos de nossa profissão.
4) Procurem colocar-se na pele da pessoa enferma. Quanto mais empatia houver, mais fácil será compreender suas angústias, seus desejos e seu modo de encarar a vida.
Não cabe ao médico fazer julgamentos morais, impor soluções nem decidir por ela, mas orientá-la para encontrar o caminho que mais atenda suas necessidades.
5) Medicina é profissão para quem gosta muito. Exige do estudante bem mais do que as outras: seis anos de graduação, dos quais os dois últimos são dedicados ao internato, que não por acaso recebeu esse nome.
Depois vem a residência, com três, quatro e até cinco anos de duração. O dia inteiro nos hospitais públicos, os plantões de 24 horas, as jornadas intermináveis.
É a única profissão que obriga o trabalhador a cumprir horários que a abolição da escravatura eliminou.
Por exemplo, trabalhar o dia inteiro, entrar no plantão noturno e emendar o expediente do dia seguinte; trinta e seis horas sem dormir.
Existe outra categoria de profissionais em que essa prática desumana faça parte da rotina?
Se o exercício da medicina já é árduo para os apaixonados por ela, é possível que se torne insuportável para os demais.
Se vocês escolheram segui-la apenas em busca de reconhecimento social ou recompensa financeira, estão no caminho errado, existem opções menos sacrificadoras e bem mais vantajosas.
6) Medicina é para quem pretende estudar a vida inteira. É para gente curiosa que tem fascínio pelo funcionamento do corpo humano e quer aprender como ele reage às diversas circunstâncias que se apresentam.
O médico que não estuda é mais do que irresponsável, coloca em risco a vida alheia.
7) Finalmente, para que foi criada a medicina? Qual a função desse ofício que resiste à passagem dos séculos?
Embora a arte de curar encante os jovens e encha de prazer os mais experientes, não é esse o papel mais importante do médico. É interminável a lista de doenças que não sabemos curar.
A finalidade primordial de nossa profissão é aliviar o sofrimento humano.
DRAUZIO VARELLA
Morre o quadrinista Sergio Bonelli, roteirista de "Tex"
O roteirista italiano de histórias em quadrinhos Sergio Bonelli, criador dos personagens Zagor e Mister No, morreu esta segunda (25) em Monza, aos 79 anos.
Bonelli, nascido em Milão, em 1932, começou a apresentar problemas de saúde em agosto, durante suas férias no sul da França, e estava internado.
Ele é considerado o maior nome dos quadrinhos italiano e foi responsável por continuar as histórias de "Tex", criado em 1948 por seu pai, Gian Luigi Bonelli, com o ilustrador Aurelio Galleppini (Galep), que conta as aventuras do vaqueiro Tex Willer no Texas na segunda metade do século 19.
O roteirista fundou a Sergio Bonelli Editore, a maior editora do gênero na Itália, que em 1986 começou a publicar as HQs de "Dylan Dog", um detetive paranormal criado por Tiziano Sclavi, cujas vendas chegaram a superar as do próprio "Tex".
Os quadrinhos de "Tex" foram publicados no Brasil pela editora Globo. As histórias foram traduzidas também para o espanhol, francês e inglês.
Fonte:
DA ANSA, EM MILÃO
Com Folha
Justiça sofre com 'bandidos de toga', afirma corregedora
Eliana Calmon: "Esvaziar o CNJ é o caminho para a impunidade na magistratura, que tem graves problemas"
A ministra Eliana Calmon atacou iniciativa de juízes de reduzir poder do conselho que fiscaliza o Judiciário
Advogados pressionam CNJ a adiar julgamento de processos que podem resultar em punição de magistrados suspeitos
Folha de São Paulo
A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, fez duros ataques a seus pares ao criticar a iniciativa de uma entidade de juízes de tentar reduzir o poder de investigação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
"Acho que é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga", declarou em entrevista à APJ (Associação Paulista de Jornais).
O STF (Supremo Tribunal Federal) deve julgar amanhã ação proposta pela AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) restringindo poder de fiscalização do CNJ.
A associação pede que o CNJ só atue depois de esgotados os trabalhos das corregedorias regionais.
Na entrevista, Eliana Calmon criticou a resistência dos tribunais a serem fiscalizados pelo CNJ, citando o Tribunal de Justiça de São Paulo:
"Sabe que dia eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro. É um Tribunal de Justiça fechado, refratário a qualquer ação do CNJ", disse a corregedora.
Nos últimos dias, acusados de irregularidades tentaram evitar seus respectivos julgamentos antes de o STF se pronunciar sobre o CNJ.
O conselho, por sua vez, incluiu em sua pauta de discussão 11 processos que podem punir magistrados por conduta irregular.
Se somados, o CNJ terá mais de 20 casos de juízes investigados na pauta de julgamento neste mês.
Este ano, houve uma guerra velada que colocou em lados opostos Eliana Calmon e o presidente do CNJ e do STF, ministro Cezar Peluso.
O conselho começou a funcionar em 2005 e já condenou 49 magistrados. Recentemente, porém, ministros do Supremo concederam liminares suspendendo decisões do CNJ que determinavam o afastamento de magistrados.
domingo, 25 de setembro de 2011
A Lei dos Homens: Formação Jurídica e Cultura Política no Brasil Império
A professora Vanessa Spinosa tem artigo publicado na Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica.
"O artigo busca relacionar a formação dos cursos jurídicos no Brasil com a estruturação política e intelectual que os estadistas do jovem país tentaram implementar com o intuito de ordenar a administração do poder. As leis, nesse sentido, foram ao mesmo tempo o ponto de apoio para que a gestão estatal ganhasse legitimidade e o reflexo de uma cultura política que se equilibrava entre o passado luso e um novo presente. Portanto, contemplando esse eixo de estudo, se pretende a atualização das discussões da história e do direito visando fortalecer os debates em torno do argumento da herança lusa após a independência brasileira."
O artigo completo pode ser lido AQUI
Morador de rua tem cartão de crédito, conta bancária e lê muito
Márcio faz uma pausa no trabalho como ambulante para ler - Foto: / O Globo
A imagem de um homem barbudo, deitado num colchonete na calçada, lendo sociologia, política e romances, não passa despercebida. O ar de intelectual e o raciocínio rápido tornam-se ainda mais surpreendentes quando se conhece a história dele.
Há cerca de três anos, desde que deixou o Rio Grande do Sul, Márcio Pereira dos Santos, o Gaúcho, de 34 anos, não tem endereço fixo. Mora nas ruas e gasta, todos os dias, R$ 5 para tomar banho e comer. E, além do gosto pela leitura, Gaúcho tem conta no banco, cartão de crédito, conecta-se à internet - em lan houses - por redes sociais e recebe Bolsa Família - que, poucos sabem, mas também pode ser concedida a uma única pessoa que esteja abaixo da linha da pobreza.
Nas ruas do Rio, ele recolhe o que encontra pelo caminho, jornais e revistas velhos, com os quais aprende e relaxa.
- O livro é bom porque você confronta suas opiniões com as do autor e aprende. O livro também me faz relaxar - afirma.
Com os livros de sociologia que encontrou nas ruas, conta ter descoberto assuntos que ignorava completamente. No entanto, ele diz que já se interessava pelo trabalho social:
- No dia a dia da rua, a gente acaba entendendo como funciona a política social para os moradores de rua.
Waleska Borges, O Globo
sábado, 24 de setembro de 2011
Os compradores de tempo
Há um poema de Ralph Waldo Emerson que, em tradução livre, diz mais ou menos o seguinte: “O cavaleiro serve ao cavalo/o organizador à organização/o comerciante à sua bolsa/quem come serve ao alimento/este é o tempo do ter/o tecido serve ao tear e o milho ao seu moinho. As coisas estão na sela e conduzem a humanidade”.
Com mais de cem anos, esta reflexão serve para explicar o presente. Nunca tantos dirigentes se reuniram tantas vezes e por tanto tempo, conduzidos perplexos e impotentes pelo movimento dos fatos e das coisas ao redor. Ao invés de reorientarem os destinos da humanidade, os “dirigentes” - políticos e economistas - agem como simples compradores de tempo, adiando o desenlace da crise.
Os fóruns internacionais aparecem na televisão como reuniões de cardeais - os governantes - auxiliados por teólogos - os economistas -, enquanto nas praças os “indignados” movimentam-se por Reforma para o futuro.
De crise em crise, reuniões e pronunciamentos, os governantes do mundo demonstram incapacidade política para entender a dimensão do problema e incapacidade estadista para propor alternativas; agem como impotentes atores de uma tragédia grega: não controlam o desenrolar da história, apenas representam.
Ou como comandantes de barco sem bússola, navegando em círculos ganhando tempo para ver se surge uma estrela nova no céu, ou se a tempestade acalma. Não parecem buscar reorientação, contentam-se em adiar o desenlace, comprando tempo, deixando as coisas e os fatos conduzirem os destinos imediatos dos povos.
Semana após semana, discute-se ajuda financeira, corte de gastos, aporte a bancos, taxas de juros e paridade cambial. E marcam-se novas reuniões. Não percebem a complexidade da armadilha na encruzilhada que a civilização industrial enfrenta, ou são impotentes para quebrar as amarras; ou pior, interessados e viciados na realidade e no curto prazo, não querem mudar o rumo; preferem o desastre, à mudança.
Já não há como aumentar os gastos públicos, mas sem eles o bem-estar social desaba e o crescimento econômico estanca. Não há como crescer sem vender, nem vender sem financiamento bancário, mas os bancos esgotaram as possibilidades para criar moedas e a capacidade para financiar o consumo.
A degradação ambiental mostra os riscos da tragédia ecológica, mas a proteção ambiental limita a possibilidade de crescimento. A oferta de energia precisa aumentar, mas as grandes represas destroem a biodiversidade, a energia nuclear é uma ameaça a ser evitada e as fontes alternativas são caras. Sem o povo satisfeito não se vence eleições, mas atender os desejos do povo agrava a crise.
Não há como romper a moeda única na Europa nem as inter-relações comerciais e financeiras do mundo global, mas a integração sacrifica a população das nações menos inovadoras.
Alguns podem pensar numa saída para a crise global e civilizatória, mas seus instintos políticos estão voltados para o eleitor local e as próximas eleições.
De tanto olhar para juros, moeda, dívida, câmbio e produção, os economistas e políticos não têm capacidade para ver a dimensão completa da civilização global. De tanto querer retomar o ritmo do crescimento da economia, não percebem a necessidade de mudar o rumo do futuro.
A prisão ao velho paradigma do crescimento a qualquer custo e a qualquer perfil do PIB impede os governantes de pensarem em alternativas que levem em conta as limitações do modelo que se esgotou depois de cem anos baseado no consumismo.
Soluções como, por exemplo, elevação do bem-estar pela redução da jornada de trabalho, ampliação da oferta de bens públicos e garantia de meio ambiente sadio não entram na lógica dos debates dos governantes.
E se propuserem essas soluções, seus eleitores não se satisfarão, porque desejam, sobretudo, retomar o mesmo caduco modelo esgotado.
Os “indignados” manifestam o descontentamento, mas não carregam ainda as cores da bandeira de uma nova civilização. Os jovens não lutam por um mundo diferente, mas para garantir no futuro os privilégios dos pais, no passado.
Só um novo modelo nas mãos de estadistas globais poderia trazer esperança de uma reorientação civilizatória. No entanto, nossos dirigentes e economistas, com raras exceções, continuam prisioneiros de fetiches, mitos, crenças do passado economicista da civilização industrial, condenados a compradores de tempo, sem oferecer alternativa e esperança.
Cristovam Buarque é professor da UnB e senador do PDT-DF
Fonte; Blog do Noblat
Fonte; Blog do Noblat
Morre lentamente
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoínho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida a fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante…
Morre lentamente quem abandona um projecto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio pleno de felicidade
Pablo neruda
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Regresso sem Glória
O sujeito chega de madrugada em casa e, para não levar uma bronca da mulher, apela ao velho truque de entrar sigilosamente no quarto, se enfiar por baixo dos lençóis e fazer uma sessão de carícias na esposa.
Quando já começava a sentir cãibras na língua e no queixo, o esforçado marido sente, para sua tranqüilidade, um tremor no corpo da cônjuge, seguido de um gritinho de prazer.
- Salvo! - pensou e se dirigiu ao banheiro. Para seu espanto, havia um bilhete no espelho:
"Querido, não faça barulho! A gente vai ter que dormir no quarto das crianças, porque a mamãe chegou de surpresa e está na nossa cama"!
*Pescada da internet
Invejar é humano, porém...
A inveja é um afeto sobre o qual costuma-se dizer que é humano como dizemos de tudo o que é errado como reza o ditado. Deste modo, estabelecemos o significado – perigosíssimo – do que é ser humano, como algo imperfeito e passível de falhas. Também derramamos um balde de perdão sobre aquilo que antigamente e de um ponto de vista religioso, chamávamos, pecado. Daí a dizer-se que é preciso ser perdoado por se ser humano, não se precisa de muitos passos. É também lógico, deste momento em diante, considerar que para se ser um ser humano é preciso errar, ou “pecar”. A conseqüência é a curiosa permissão ao erro. Passa-se do “ser errado” ao “dever-ser errado”. O que se conquista com isso, espera-se, é a humanidade. Porém, o contrário também pode ser válido: reduzir a humanidade à minha capacidade de errar. Neste ponto, o conceito de humanidade é que não vale mais nada, pois serve apenas a minha própria incompetência para ser melhor ou como esconderijo para a permissividade.
MAL DEMOCRÁTICO
A inveja - que já foi pecado no passado, quando a religião aparecia como esfera principal da experiência humana - hoje é apenas erro, pois vivemos numa sociedade secularizada. Que assim seja é bastante mais confortável, até porque atualmente somos capazes de medir a “tão humana” inveja pelos parâmetros do bem e do mal. Fazemos isso porque a inveja é muito comum, tão comum que muitos consideram-na natural. Tão natural que se tornou banal e, como tal, menos grave. Tão comum que, desavisados, podemos considerá-la boa, já que é um afeto democrático, ou seja, um afeto partilhado. E nosso anseio de sermos iguais, mesmo que pelo mal, ganha força. Grande engodo.
A COR DA INVEJA
Fala-se de inveja branca como contrária da inveja má. Quem faz tal diferenciação pode até estar correto se for capaz de perceber o real modo de ser da inveja. Mas o termo é, sem dúvida, inadequado. Toda palavra, deve-se desconfiar, guarda sua história, seu sentido e, a cada vez que é pronunciada ou escrita, aciona sua função. É preciso fazer uma correção inicial e urgente: uma inveja boa, a rigor, já não seria inveja. Muito menos porque eu a admito ela seria melhor. Admitir que se fez algo errado é bom, mas não torna o erro melhor.
Foi Santo Agostinho, o filósofo da Patrística que, no terceiro século da idade média, percebeu pela primeira vez a conexão da inveja com a constituição primeira do ser humano. No famoso texto das Confissões ele narra sua dúvida sobre a inocência das crianças que, primeiro anseiam pelos peitos de sua mãe e, logo maiores, ao verem o irmão pequeno que os possui, sentem inveja. A partir daí Santo Agostinho explicou sua conversão e fundou uma ética, a de que todo homem de bem deveria ser santo e, portanto, eliminar de si, com consciência e lucidez, um afeto negativo como este, mesmo que ele faça parte da constituição mais íntima do humano.
Santo Agostinho elaborou uma frase que informa sobre o significado menos banal da inveja: Video, sed non invideo, ou seja, vejo, mas não in-vejo. A inveja tem nexo com o ver. Se vejo, posso invejar. Se vejo, devo não in-vejar. Ver e não invejar seria o mérito daquele que vê. Ora, a inveja nasce do desejo de se ter o que o outro tem e, como quase dez séculos mais tarde disse Santo Tomás, é a tristeza que advém da felicidade do próximo. O in-vejoso tem uma espécie de olho grande, um “olho gordo”, mau, para tudo o que cabe a outrem. Tudo o que não se refere a ele.
Para Santo Tomas, a inveja é a mãe de diversos outros afetos terríveis com o ódio e filha da soberba que é a incapacidade de julgar-se igual aos demais por considerar-se melhor que eles. Ela nunca é boa, pois, nascida de um afeto mau ela produz ações destrutivas: a maledicência, a competitividade, a falta de caridade, ou seja, de amor ao próximo. Em seu lugar fica o amor doentio de si, a que chamamos narcisismo.
INVEJAR E RESSENTIR
Como muitos de nossos afetos negativos, a inveja está associada ao ressentimento. Desde a antiguidade de Agostinho se diz que aquele que inveja é como uma traça que rói as vestes como quem destrói o amor. Ela age ocultamente. Seu silêncio de ressentido não é inerte. Revela-se em suas falas e ações destrutivas mergulhadas no ódio ao outro. Mas de quem seria a responsabilidade por um tal afeto?
Rói-se de inveja, sempre em silêncio e fingindo não sentir nada, aquele que não consegue esquecer. Mas esquecer o quê? A visão de seu lugar ocupado por outrem. É como a criança que guarda a mágoa de ter sido preterida pela mãe que precisava dar atenção ao irmão mais novo. O que o pequeno Agostinho da narrativa sentia, não era apenas o desejo do seio que lhe tinha sido afastado, mas a perda da centralidade que o seio lhe dava. Aquele que não souber ver com bons olhos, o que equivale a partilhar o amor com seu irmão, não saberá ser amigo. O invejoso, em geral, não tem amigos, ele quer o seio só para si.
INVEJA BOA SEM INVEJA?
A inveja superada chama-se desejo. O desejo é o contrário do egoísmo. O desejo tem algo em comum com a inveja, pois também envolve um olhar e um querer dele advindo. Porém, enquanto a inveja é sinuosa e oculta sua ação sobre a passividade aparente, o desejo é direto. O desejo não engana nunca.
Márcia Tiburi
Publicado na Revista Vida Simples. Dezembro de 2006. Ed. 48. P. 50-51.
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
Borboletas
Quando depositamos muita confiança ou expectativas em uma pessoa, o risco de se decepcionar é grande.
As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não estamos aqui, para satisfazer as dela.
Temos que nos bastar... nos bastar sempre e quando procuramos estar com alguém, temos que nos conscientizar de que estamos juntos porque gostamos, porque queremos e nos sentimos bem, nunca por precisar de alguém.
As pessoas não se precisam, elas se completam... não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.
Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com a outra pessoa, você precisa em primeiro lugar, não precisar dela. Percebe também que aquela pessoa que você ama (ou acha que ama) e que não quer nada com você, definitivamente, não é o homem ou a mulher de sua vida.
Você aprende a gostar de você, a cuidar de você, e principalmente a gostar de quem gosta de você.
O segredo é não cuidar das borboletas e sim cuidar do jardim para que elas venham até você.
No final das contas, você vai achar não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você!
Mário Quintana
A noite, o poema
Alguém encontrou a sua verdadeira voz e testa-a no meio-dia dos mortos. Amigo da cor das cinzas. Nada mais intenso do que o terror de perder a identidade. Este recinto cheio dos meus poemas prova que a menina abandonada numa casa em ruínas sou eu.
Escrevo com a cegueira cruel com que as crianças atiram pedras a uma louca como se fosse um melro. Na realidade não escrevo: abro uma brecha para que até mim chegue, ao crepúsculo, a mensagem de um morto.
E este ofício de escrever. Vejo por espelho, na obscuridade. Pressinto um lugar que ninguém além de mim conhece. Canto das distâncias, escuto vozes de pássaros pintados sobre árvores adornadas como igrejas.
A minha nudez iluminava-te como uma lâmpada. Apertavas o meu corpo para que não fizesse o grande frio da noite, o negro.
As minhas palavras exigem silêncio e espaços abandonados.
Há palavras com mãos; apenas escritas, tomam-me o coração. Há palavras condenadas como lilases na tormenta. Há palavras parecidas com certos mortos, se bem que prefira, entre todas, aquelas que evocam a boneca de uma menina desafortunada.
Alejandra Pizarnik, 23 de Novembro de 1969
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