Indubitavelmente, a seca que grassou a partir do final da década de setenta foi a maior de todas, atingindo inexoravelmente a área em que se sobrepõe, acima de tudo, a ação implacável do vento alíseo nordeste, massa de ar que tem grande responsabilidade pelas estiagens, definidora do xerofilismo. Outro importante aliado do vento nordeste para a efetivação dos dolorosos dramas enfatizados pelas secas é o Planalto da Borborema.
Áreas de exceção também foram duramente castigadas, devido a impressionante intensidade da pressão barométrica do nordeste, com certeza condicionado pela observância de impressionante aquecimento das águas do Pacífico Sul, conhecido na região como “El Niño”.
Flagelos pintados em cores surreais foram tomando formas em progressão aritmética, para nos anos seguintes chegar à geométrica. Cenas tétricas foram se desenvolvendo, fazendo com que a população faminta, ainda com predominância da parcela que habitava o campo, deslocou-se para as cidades, saqueando-as a fim de saciar a fome e a sede. A biodiversidade também foi duramente atingida, quando pereceram inúmeros animais, embora as plantas nativas restantes, possuidoras de excepcional adaptação às difíceis condições ambientais do domínio da vegetação de caatinga, foram profusamente cortadas, para alimentar o gado e também como fonte de geração de emprego e renda, a fim de conseguir condições de sobreviver ao rigor da grande estiagem de 1979-1983.
Ainda na vigência da Ditadura Militar, esta seguiu a tendência de gestores do passado, com necessária exceção ao governo provisório de Vargas, cujo Ministério de Viação e Obras Públicas era ocupado pelo paraibano José Américo de Almeida, responsável direto pela concretização de importantes infra-estruturas na região, bem como pela assistência aos flagelados quando da intensificação da seca de 1932, a qual, segundo Orris Barbosa, em excelente e indispensável opúsculo intitulado “Secca de 32 – Impressões sobre a crise nordestina”, começou de fato em 1926, com breve intervalo em 1929, para chegar à proporção calamitosa entre os anos de 1930 e 1932. Os militares não se importaram com o suplício ao qual estava submetida grande parcela da população nordestina e do norte mineiro. Pouca ajuda foi enviada para a região, a pouca era destinada ao povo dos ainda predominantes “Coronéis”, principalmente os da situação.
O êxodo maciço para as cidades se processou como um dos maiores movimentos migratórios sazonais brasileiros. As pessoas que não tinham parentes para acudi-las viviam vexatórios momentos de indignidade humana, submetidas ao rigor da estiagem e às múltiplas humilhações promovidas principalmente pelo poder repressor do estado. Quando dos saques, repetidos impressionantemente em várias cidades, inúmeros contra a antiga COBAL, a qual existia graças à extorsão que o estado e sua classe privilegiada realizam com os menos favorecidos, foi acionada, além dos contingentes estaduais e municipais, a Polícia Federal para conter os gritos de fome dos excluídos.
Processos e prisões marcaram a forma como a ditadura militar buscou resolver o impasse aviltante no qual vivia, principalmente, o povo do semi-árido. Poucos se mobilizaram em favor dos flagelados da terra do sol, apenas esmolas insuficientes chegaram para mitigar a dor da grande provação que foi a seca de 1979-83.
A partir de 1984 começou a amenizar os efeitos da terrível estiagem, chovendo vagarosamente, para no ano seguinte repetir-se o mesmo drama ocorrido em épocas pretéritas, quando do final das secas. Em 1985 o inverno foi abundante e, em muitos casos, devastador, gerando imensas aflições, quando das enchentes catastróficas que elevaram o nível dos rios, antes secos, a metros de altura, inundando cidades. Em Mossoró, através de projeto elaborado pelo engenheiro Wilson Rosado, o então prefeito Dix-huit Rosado definiu a importância da tricotomização do rio Apodi-Mosoró como medida urgente e necessária para se evitar outra tragédia, como a que aconteceu no ano de 1985.
É preciso que haja consciência de que as secas são inevitáveis, mas que podem ser amenizadas, no que tange aos efeitos sobre a população e à biodiversidade, se houver empenho em disponibilizar novas tecnologias de convivência do homem com as estiagens, enfatizando a preservação da natureza, bem como efetivo interesse dos poderes públicos e privados para prementes responsabilidades com extratos sociais frágeis e, infelizmente, ainda abandonados à própria sorte, invocando melhor distribuição de renda e comprometidas políticas públicas de assentamentos rurais, as quais devem se relacionar a uma redefinição da perversa estrutura fundiária que ainda predomina no Brasil.
(*) José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo (UFPB). Prof. Adjunto do departamento de geografia da UERN. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente