Não foi a diversidade de opiniões (que não pode ser evitada), mas sim
a recusa a tolerar aqueles que têm uma opinião diversa (que deveria ter
sido concedida), aquilo que produziu todas as convulsões e guerras que
aconteceram no mundo cristão por conta da religião.
As
cabeças e os líderes da Igreja, movidos pela avareza e pelo insaciável
desejo de domínio, fazendo uso de uma ambição imoderada dos magistrados e
das superstições crédulas da multidão ignara, os bajularam e os
excitaram contra aqueles que discordavam de si, pregando-lhes,
contrariamente às leis do Evangelhos e os preceitos da caridade, que os
cismáticos e heréticos fossem espoliados de suas posses e destruídos.
E
assim misturaram e confundiram duas coisas que são em si mesmas muito
diferentes, a Igreja e a commonwealth. Ora, como é muito difícil que os
homens suportem pacientemente serem despojados dos bens que conquistaram
com sua honesta indústria, e, contrariamente às leis da equidade, tanto
humanas quanto divinas, serem entregues como uma presa à violência e à
rapina de outros homens; especialmente quando são absolutamente
inocentes; e quando a ocasião pela qual são assim tratados não pertence
de modo algum à jurisdição do magistrado, mas totalmente à consciência
de cada homem individual pela conduta da qual ele deveria prestar contas
somente a Deus; o que mais se poderia esperar senão que esses homens,
exaustos dos males sob os quais labutam, acabassem no fim por considerar
legítimo resistir com a força, e defender seus direitos naturais (os
quais não são confiscáveis em nome da religião) com armas o tanto quanto
lhes fosse possível? Que esse foi até então o curso ordinário das
coisas é abundantemente evidente na história, e que continuará a ser
assim doravante é mais do que aparente na razão.
Não poderia, com
efeito, ser diferente enquanto o princípio da perseguição pela religião
prevalecer, tal como ocorreu até então, junto aos magistrados e aos
povos, e enquanto aqueles que deveriam ser os pregadores da paz e da
concórdia continuarem com toda a sua arte e poder a excitar os homens às
armas e a soarem o trompete da guerra. Mas que os magistrados suportem
estes incendiários e perturbadores da paz pública é algo que deveria nos
espantar se acaso não tivessem sido convidados por eles a participar
dos espólios, considerando assim conveniente se valer de sua cobiça e
orgulho como meios para aumentar seu próprio poder.
Pois quem não vê que esses homens bondosos são, com efeito, mais
ministros do governo do que ministros do Evangelho e que, bajulando sua
ambição e favorecendo o domínio de príncipes e homens em autoridade,
eles buscam com todo o seu poder promover aquela tirania na commonwealth
que de outra forma eles não seriam capazes de estabelecer na Igreja?
Este é o infeliz acordo que vemos entre a Igreja e o Estado. Ao passo
que se cada um deles se contivesse a si mesmo em seus próprios limites –
um ocupando-se do bem-estar mundano da commonwealth, o outro da
salvação das almas – é impossível que qualquer discórdia viesse a
ocorrer entre os dois.
Sed pudet haec opprobria etc. [Mas é
vergonhoso que tais reprovações etc.] Deus Todo Poderoso permita, eu lhe
suplico, que o evangelho da paz seja largamente pregado, e que os
magistrados civis, cada vez mais preocupados em conformar suas próprias
consciências à lei de Deus e cada vez menos prontos a obrigar as
consciências dos outros homens com leis humanas, possam, como pais de
seu País, dirigir todos os seus conselhos e esforços a promover
universalmente o bem-estar civil de todos os seus filhos, com a única
exceção daqueles que são arrogantes, ingovernáveis, e injuriosos para
com os seus irmãos; e que todos os homens eclesiásticos, que se jactam
de serem sucessores dos Apóstolos, caminhando pacífica e modestamente
nos passos dos Apóstolos, sem se imiscuir nas Questões de Estado, se
devotem completamente a promover a salvação das almas.
Fonte: http://www.pensarcontemporaneo.com/religiao-politica-locke/
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